Estudo sobre João 13

Estudo sobre João 13

Estudo sobre João 13


João 13
A realeza do serviço - 13:1-17
A realeza do serviço - 13:1-17 (cont.)
A lavagem essencial - 13:1-17 (cont.)
A vergonha da deslealdade e a glória da fidelidade - 13:18-20
O último chamado do amor - 13:21-30
O último chamado do amor - 13:21-30 (cont.)
A quádrupla glória - 13:31-32
A ordem da despedida - 13:33-35
A lealdade vacilante - 13:36-38


A REALEZA DO SERVIÇO
Estudo sobre João 13:1-17

Teremos que analisar esta passagem em mais de um aspecto mas, em primeiro lugar, devemos lê-la como um todo. Há poucos incidentes no relato evangélico que põem tão clara a personalidade de Jesus e que mostram seu amor de maneira tão perfeita. Quando pensamos o que poderia ter sido e o que poderia ter feito Jesus nos damos conta da maravilha suprema que foi.

(1) Jesus sabia que todas as coisas estavam em suas mãos. Sabia que a hora de sua humilhação estava perto mas também sabia que se aproximava a hora de sua glória. Sabia que não faltava muito tempo para que chegasse a sentar-se no próprio trono de Deus. Esse pensamento e perspectiva o poderiam ter enchido de orgulho. Entretanto, sabendo qual era seu poder e sua glória, lavou os pés de seus discípulos. Nesse momento, quando poderia ter experimentado um orgulho supremo, demonstrou a maior humildade.

O amor é sempre assim. Quando alguém adoece, por exemplo, a pessoa que o ama fará as tarefas mais desagradáveis e se alegrará nelas porque assim é o amor. Às vezes os homens consideram que são muito distinguidos para fazer coisas modestas, consideram-se muito importantes; Jesus não era assim. Sabia que era Senhor de tudo o que era criado e, apesar disso, tomou uma toalha, a atou à cintura e lavou os pés de seus discípulos.

(2) Jesus sabia que tinha vindo de Deus e que voltaria para Ele. Podia haver sentido algum menosprezo pelos homens e as coisas deste mundo. Poderia ter considerado que tinha terminado sua tarefa no mundo porque estava em seu caminho para com Deus. No momento quando Deus estava mais perto dEle, Jesus desceu às profundidades e os limites de seu serviço aos homens. Lavar os pés dos convidados a uma festa era o trabalho dos escravos. Esperava-se que os discípulos de um rabino o atendessem em suas necessidades pessoais, mas jamais se sonhou em um serviço como este. O maravilhoso a respeito de Jesus é que sua aproximação a Deus, longe de separar o dos homens, aproximava-o mais que nunca. Sempre é certo que ninguém está mais perto dos homens que aquele que está perto de Deus.

T. R. Glover, ao falar de certos intelectuais brilhantes, dizia: "Criam que eram religiosos quando, em realidade, só eram enfadonhos." Existe uma lenda sobre São Francisco de Assis. Durante sua juventude era muito rico, nada era o suficientemente bom para ele; era um aristocrata entre os aristocratas. Mas se sentia mal e sua alma não conhecia a paz. Um dia cavalgava a sós fora da cidade e viu um leproso, um conjunto de chagas: era repulsivo olhar para ele. Em geral, o suscetível Francisco teria rechaçado este horror humano. Mas houve algo nele que fez que desmontasse e abraçasse o leproso: este adquiriu a imagem de Jesus ao ser abraçado. Não nos aproximamos a Deus quando nos afastamos dos homens. Quanto mais perto estamos da humanidade sofredor, mais nos aproximamos a Deus.

(3) Jesus sabia outra coisa. Jesus sabia muito bem que ia ser traído muito em breve. O saber algo assim poderia tê-lo mergulhado na amargura, o ressentimento e o ódio para com os homens. Pelo contrário, inflamou mais amor que nunca em seu coração. O surpreendente a respeito de Jesus era que quanto mais o feriam os homens, mais os amava. E era tão fácil e tão natural sentir o mal e amargurar-se diante do insulto e a ofensa. Pelo contrário Jesus enfrentou o maior insulto, a traição suprema, com o maior amor e a mais profunda humildade.


A REALEZA DO SERVIÇO
Estudo sobre João 13:1-17 (continuação)

Não obstante, no pano de fundo desta passagem há inclusive mais coisas que as que João nos relata. Se nos remetermos à versão da Última Ceia juntos que Lucas nos dá encontramos a frase trágica: “Suscitaram também entre si uma discussão sobre qual deles parecia ser o maior.” (Lucas 22:24). Até na última comida que celebraram juntos, com a cruz diante de seus olhos, os discípulos continuavam discutindo questões de precedência e prestígio.

Pode ser que tenha sido esta mesma discussão a que produziu a situação que levou Jesus a agir como o fez. Os caminhos da Palestina eram bastante desnivelados e poeirentos. Quando o tempo estava seco eram colchões de pó e quando chovia se convertiam em um barro líquido. O povo simples não usava sapatos e sim sandálias. Estas não eram mais que solas atadas ao pé mediante algumas correias. Por essa razão sempre havia grandes talhas de água em frente de cada casa e um servo permanecia na porta com um cântaro e uma toalha para lavar os pés sujos dos convidados à medida que chegavam. Agora, o pequeno grupo de Jesus não tinha servos. As tarefas que nas casas mais enriquecidas faziam os servos, deviam ser compartilhadas por todos. E pode ser que a noite dessa última refeição se inundaram em um estado tal de orgulho competitivo que ninguém tenha querido aceitar o dever de ocupar-se de que houvesse água e uma toalha para lavar os pés daqueles que fosse chegando. Jesus o percebeu e solucionou a omissão da maneira mais eloquente e dramática.

Ele mesmo fez o que nenhum estava disposto a fazer. E logo lhes disse: "Vêem o que acabo de fazer. Vocês me chamam mestre e Senhor e têm razão porque isso é o que sou. Não obstante, eu estou disposto a fazer isto por vós e sem dúvida não crêem que o discípulo merece mais honra que o mestre ou um servo mais que seu amo. Se eu fizer isto, vocês deveriam estar preparados para fazê-lo também. Dou-lhes este exemplo para que vejam como deveriam se comportar entre vocês." Uma coisa assim deve nos fazer pensar. Acontece com muita freqüência, até nas Igrejas, que se apresentam problemas porque alguém não obtém a posição que deseja. Pode acontecer que freqüentemente até os dignitários eclesiásticos se sintam ofendidos porque não receberam a deferência que merecem seus cargos. Aqui nos ensina e nos demonstra que a única grandeza é a que outorga o serviço. O mundo está cheio de gente que está de pé sobre sua dignidade quando deveria estar ajoelhada aos pés de seus irmãos.

Em todas as esferas da vida esta desejo de figurar no primeiro lugar e esta falta de disposição para ocupar um posto secundário faz fracassar muitos planos. Se se deixar fora a um jogador durante um só dia, ele se negará a voltar a jogar para essa equipe. O aspirante a algum cargo política que crê merecer e não o recebe, nega-se a aceitar qualquer outro cargo secundário. O integrante de um coro não pode interpretar um solo e não volta a cantar. Em qualquer sociedade pode acontecer que se deixa de lado a alguém sem má intenção e estala em cólera ou se encerra em seu ressentimento durante vários dias. Quando nos sentirmos tentados a pensar em nossa dignidade, nosso prestígio, nosso lugar, nossos direitos, voltemos a observar a imagem do Filho de Deus, apertado com uma toalha e ajoelhado aos pés de seus discípulos.

O homem que é realmente grande e amado é aquele que tem esta humildade autêntica que o torna de uma vez em servo e rei dos homens. Em seu livro, The Beloved Captain, Donald Hankey inclui uma passagem que descreve a forma em que o capitão amado por seus súditos se ocupava de seus homens depois de uma marcha. “Todos sabíamos por instinto que era nosso chefe; um homem de fibra mais forte que nós, um chefe por direito próprio. Suponho que essa era a razão pela qual podia ser tão humilde sem perder a dignidade. Porque também era humilde, se essa for a palavra correta, e creio que o é. Nenhum problema nossa era insignificante para ele. Quando empreendíamos marchas, por exemplo, e tínhamos os pés machucados e doloridos, como estavam acostumados a estar no princípio, teria dito que eram seus próprios pés pelo trabalho que se tomava. É obvio que depois de cada marcha havia uma inspeção de pés. Isso é rotineiro. Mas para ele não era uma simples rotina. Entrava em nossa habitação e se alguém tinha um pé machucado se ajoelhava e o olhava com o mesmo cuidado com que o teria feito um médico. Depois disso indicava algum remédio que sempre estava disponível nas mãos de um sargento. Se era preciso furar uma chaga o mais provável era que o fizesse pessoalmente para estar seguro de que se empregava uma agulha limpa e que não se deixava entrar nenhuma sujeira. Não havia nada artificial em sua atitude; não pretendia causar nenhuma impressão. Só sentia que nossos pés eram muito importantes e sabia que nós fomos bastante descuidados. Por isso pensava que o melhor era ocupar-se ele próprio deles. Entretanto, para nós havia algo quase religioso nesse cuidado de nossos pés. Parecia haver nele um pouco de Cristo e por isso o apreciávamos e o respeitávamos mais.”

O estranho é que o homem que se inclina diante de outros, como Cristo, é a quem a fim de contas os homens honram como a um rei e sua lembrança não se perde com o tempo.


A LAVAGEM ESSENCIAL
Estudo sobre João 13:1-17 (continuação)

Já vimos que sempre devemos buscar dois significados em João. Aquele que está na superfície e aquele que jaz por baixo dela. Não há dúvida de que nesta passagem há um segundo sentido. Na superfície, é uma lição suprema, dramática e inesquecível de humildade. Mas isso não é tudo. Inclui uma passagem muito difícil. A princípio, Pedro quer negar-se a aceitar que Jesus lave os seus pés. Então Jesus lhe diz que a menos que aceite essa lavagem não terá parte com Ele. Em face dessa resposta, Pedro roga que não lhe lave só os pés mas também as mãos e a cabeça.

Mas Jesus responde que lavar os pés é suficiente. A frase difícil, importante e com um significado interior é a seguinte: “Quem já se banhou não necessita de lavar senão os pés.” Sem dúvida, isto implica uma referência ao batismo cristão. “Se eu não te lavar, não tens parte comigo.” Isso é uma forma de dizer o seguinte: "Se você não passar pela porta do batismo, não forma parte da Igreja". O importante sobre o lavagem de pés é o seguinte. Na Palestina as pessoas costumavam banhar-se antes de assistir a uma festa. Quando chegavam à casa de seu anfitrião não precisavam tomar outro banho, bastava lavarem os pés. A lavagem de pés era a cerimônia que precedia a entrada à casa a qual eram convidadas. Era o que poderíamos chamar a lavagem de entrada à casa. De maneira que Jesus diz a Pedro: "O que necessita não é o banho de seu corpo; isso você pode fazer sozinho. O que lhe falta é a lavagem que indica o acesso à casa da fé." Isto explica outro elemento mais. Em primeiro lugar, Pedro se dispõe a não permitir que Jesus lave os seus pés. Jesus lhe diz que se se negar, não terá parte, nele. É como se lhe dissesse: "Pedro, será você tão orgulhoso como para não permitir que eu faça isto por você? Se o fizer, perderá tudo."

Na Igreja primitiva e até na atualidade, a entrada à Igreja passava pelo caminho do batismo. Poderíamos dizer que é a lavagem de entrada. Isso não significa que não pode haver salvação se a gente não está batizado. Pode ser que seja impossível a alguém ser batizado. O que quer dizer é que se alguém pode ser batizado e é muito orgulhoso para passar por essa porta, seu orgulho o isola da família da fé. Agora as coisas são diferentes. Nos primeiros dias da Igreja aqueles que se aproximavam para ser batizados eram homens e mulheres adultos porque foram do paganismo à fé. Agora também levamos a nossos filhos, a muitas Igrejas. Mas nesta passagem Jesus mostra a lavagem que abre a porta da Igreja e diz aos homens que não devem ser muito orgulhosos como para não submeter-se a Ele.


A VERGONHA DA DESLEALDADE E A GLÓRIA DA FIDELIDADE
Estudo sobre João 13:18-20

Nesta passagem se destacam três elementos.

(1) Descreve-se com rasgos eloquentes a absoluta crueldade da traição de Judas. A descrição se faz de uma maneira que resultaria especialmente aguda para a mentalidade oriental. Para fazê-lo, Jesus empregou uma citação do Salmo 41:9. A citação completa é: “Até o meu amigo íntimo, em quem eu confiava, que comia do meu pão, levantou contra mim o calcanhar.” No mundo oriental, comer pão com alguém era um sinal de amizade e um ato de lealdade. 2 Samuel 7:13 relata como Davi permitiu a Mefibosete comer pão em sua mesa quando poderia tê-lo eliminado por ser descendente de Saul. 1 Reis 18:19 conta que os profetas de Baal comiam pão na mesa de Jezabel. Que uma pessoa que comeu pão na mesa de outra se voltasse contra esta última, a quem jurou amizade por essa mesma ação, era algo amargo. Esta traição dos amigos é a mais dolorosa das feridas. “Com efeito, não é inimigo que me afronta; se o fosse, eu o suportaria; nem é o que me odeia quem se exalta contra mim,
pois dele eu me esconderia; mas és tu, homem meu igual, meu companheiro e meu íntimo amigo. Juntos andávamos, juntos nos entretínhamos e íamos com a multidão à Casa de Deus.” (Sal. 55:12 14).

Significa uma dor muito profunda quando um amigo é culpado de uma traição assim, que destroça o coração. Por outro lado, a mesma frase que se emprega está carregada de crueldade. “Levantou contra mim o calcanhar.” No hebreu literal a frase é: "Usou o calcanhar com força", e se refere a uma "violência brutal". Nesta passagem não há nenhum sinal de irritação, só se percebe dor. Jesus, com um último chamado, revela a Judas a ferida de seu coração.

(2) Mas a passagem também assinala o fato de que toda esta tragédia, de algum modo, também forma parte dos intuitos de Deus. E, por outro lado, que Jesus o aceitava por completo e sem reticências. Acontecia o que haviam dito as Escrituras. Jamais se duvidou de que o fato de ganhar e redimir o mundo se obteria às custas do coração destroçado de Deus. Jesus sabia o que acontecia. Não era a vítima e sim o dono das circunstâncias. Sabia qual era o preço e estava disposto a pagá-lo. Não queria que os discípulos cressem que estava apanhado em uma combinação cega de circunstâncias da qual não podia escapar. Não iam matá-lo; escolheria morrer. Nesse momento não o viram assim, e depois tampouco mas queria estar seguro de que chegaria o dia quando olhariam para trás e então recordariam e compreenderiam o que tinha acontecido.

(3) Se esta passagem assinala a amargura da traição, também destaca a glória da lealdade. Um dia estes mesmos discípulos disseminariam a mensagem de Jesus por todo mundo. Quando o fizessem não seriam nada menos que os representantes de Deus. Quando um embaixador sai de seu país para ir a outro não o faz como um cidadão individual, não vai por suas próprias qualidades somente. Vai com toda a glória e a honra de seu país. Pode acontecer que em um país estrangeiro nem sequer saibam como se chama: a única coisa que sabem é que representa a um país determinado que sim conhecem. Escutá-lo significa escutar a seu país: dar-lhe as boas-vindas significa saudar o governo que o enviou. A grande honra e a imensa responsabilidade de ser cristão radica em que estamos no mundo representando a Jesus Cristo. Falamos e agimos em seu nome. A honra do Eterno está nas mãos dos homens.


O ÚLTIMO CHAMADO DO AMOR
Estudo sobre João 13:21-30

Quando visualizamos esta cena surgem certas coisas de um profundo dramatismo. Vemos em seu pior aspecto a traição de Judas. Deve ter sido um ator e um perfeito hipócrita. Há algo indubitável: se outros discípulos soubessem o que estava fazendo Judas, se tivessem estado inteirados de seu plano traidor, não teria saído vivo desse aposento. Eles o teriam matado antes de ele poder levar a cabo seu plano sanguinário. Judas deve ter-se comportado como um santo com um coração demoníaco. Durante todo o tempo deve ter agido com amor, lealdade e piedade que enganaram a todos salvo a Jesus. Judas não era só um vilão descarado; também era um profundo hipócrita. Aqui nos deparamos com uma advertência. Podemos enganar os homens com nossa atitude exterior, mas não podemos ocultar nada aos olhos de Cristo.

Não obstante, há algo mais. Quando compreendemos bem o que acontece vemos que Jesus faz a Judas um chamado após outro. Em primeiro lugar, temos a localização dos comensais. Os judeus não se sentavam à mesa, reclinavam-se nela. A mesa era um bloco sólido e baixo com poltronas em volta. Tinha forma de U e o lugar de honra, o lugar do anfitrião, estava no meio. Os comensais se reclinavam do lado esquerdo sobre o cotovelo e assim tinham a mão direita livre para tomar a refeição. Ao sentar-se assim a cabeça de cada um estava, literalmente, apoiada sobre o ombro da pessoa reclinada à sua esquerda. Jesus estaria sentado no lugar do anfitrião, no centro do único lado da mesa. O discípulo a quem Jesus amava deve ter estado sentado à sua direita porque ao apoiar-se sobre o cotovelo na mesa tinha a cabeça sobre o peito de Jesus.

Nunca se nomeia o discípulo a quem Jesus amava. Alguns pensaram que se tratava de Lázaro porque se diz que Jesus amava a Lázaro (João 11:36). Outros supuseram que se tratava do jovem rico. Diz-se que Jesus o amava (Marcos 10:21); supõe-se que por último o jovem decidiu abandonar tudo por Jesus. Outros pensam que se busca um discípulo jovem desconhecido a quem Jesus amava de maneira especial. Outros consideraram que não se busca uma pessoa real, de carne e osso, mas só de uma imagem ideal do que devia ser o discípulo perfeito. Entretanto, ao longo dos anos a opinião geral sempre afirmou que o discípulo amado era o próprio João e podemos crer que esta é a versão correta.

Não obstante, o que forma um interesse particular é o lugar de Judas. É evidente que Judas estava em uma posição que permitia que Jesus lhe falasse em particular sem ser ouvido pelos outros. Aqui vemos o desenvolvimento de uma espécie de conversação particular entre Jesus e Judas. Agora, se isto for assim Judas só podia estar sentado em um lugar. Deve ter estado à esquerda de Jesus de maneira que, assim como a cabeça de João estava reclinada sobre o peito de Jesus, a cabeça de Jesus se reclinava sobre o peito de Judas. E o que resulta esclarecedor é que o lugar à esquerda do anfitrião era o lugar de maior honra, reservado para o amigo mais intimo. Quando começou a refeição, Jesus deve ter dito a Judas: "Judas, venha sentar-se a meu lado esta noite; quero falar com você de maneira especial". O mesmo fato de convidar a Judas a ocupar esse lugar era um chamado.

Mas há algo mais. Se o anfitrião oferecia ao convidado um bocado especial, uma parte de refeição da fonte, demonstrava-lhe uma amizade especial. Quando Boaz quis demonstrar quanto honrava a Rute, convidou-a a molhar seu bocado no vinho (Rute 2:14). T. E. Lawrence, o escritor, relata que quando se sentava com os árabes em suas tendas, às vezes o chefe arrancava uma parte especial do cordeiro gordurento que tinham diante e o alcançava. Acrescenta que era um favor muito embaraçoso para o paladar ocidental porque era preciso comê-lo. De maneira que quando Jesus alcançou o bocado a Judas era uma amostra especial de afeto. E vemos que inclusive quando Jesus fez isto os discípulos não compreenderam a importância de suas palavras. Sem dúvida isso indica que Jesus o fazia com tanta freqüência que os discípulos não viram nada estranho nisso. Judas sempre foi tratado com deferência. Há algo trágico aqui. Jesus chamava uma e outra vez ao coração escuro e Judas não se comovia. Que Deus não permita que permaneçamos indiferentes ao chamado do amor.


O ÚLTIMO CHAMADO DO AMOR
Estudo sobre João 13:21-30 (continuação)

Assim esta tragédia chega a seu fim. Jesus mostrou seu amor a Judas várias vezes. Buscava salvar, não sua própria vida, mas a Judas, para evitar que levasse a cabo seu projeto. E, de maneira repentina, chegou o momento crucial. Esta é a derrota mais terrível da história: quando o amor de Jesus reconheceu seu derrota. E Jesus disse a Judas: “O que pretendes fazer, faze-o depressa.” Não tinha sentido atrasá-lo. Por que perder o tempo? Por que reiterar os chamados vãos nessa tensão crescente? Se era preciso fazê-lo, era melhor fazê-lo logo.

E os discípulos não o percebiam. Criam que Jesus mandava Judas fazer os acertos para a festa. Na páscoa era habitual que aqueles que possuíam bens os compartilhassem com aqueles que não tinham nada. Era o momento quando as pessoas davam aos pobres. Inclusive em nossa época, em algumas Igrejas é costume levar uma oferenda especial para os carentes nos cultos onde se celebra a Santa Ceia. De maneira que alguns discípulos pensaram que Jesus enviava Judas a dar a oferenda habitual aos pobres para que eles também pudessem celebrar a páscoa. Quando Judas recebeu o bocado, Satanás entrou nele. É terrível comprovar que o que ocorreu como último chamado do amor se converteu no móbil do ódio. Isso é o que o demônio pode fazer. Pode tomar as coisas mais bonitas e torcê-las e deformá-las até que se convertem nos agentes do inferno. Pode tomar o amor e convertê-lo em luxúria; pode tomar a santidade e convertê-la em orgulho; pode tomar a disciplina e convertê-la em uma crueldade sádica; pode tomar o afeto e convertê-lo em uma complacência superficial. Devemos estar atentos para que o demônio não fique a cargo das coisas belas de nossa vida e as use para seus próprios fins.

De maneira que Judas saiu e era de noite. João tem uma forma de usar as palavras que as faz aparecer prenhes de sentido. Era de noite pelo avançado da hora mas também havia outra noite. Sempre é de noite quando alguém se separa de Jesus para seguir seus próprios fins. Sempre é de noite quando o homem escuta o chamado do mal antes que o do bem, quando dá as costas a Jesus Cristo. Se nos entregarmos a Cristo, caminhamos na luz; se lhe dermos as costas, saímos às trevas. Diante de nós aparece o caminho do amor e o das trevas. Que Deus nos dê sabedoria para fazer a escolha correta, porque o homem sempre se perde nas trevas.


A QUÁDRUPLA GLÓRIA
Estudo sobre João 13:31-32

Esta passagem nos fala da quádrupla glória.

(1) Chegou a glória de Jesus: a cruz. Já desapareceu a tensão; dissiparam-se todas as dúvidas. Judas saiu e a cruz é uma certeza. A glória de Jesus era a cruz. Aqui nos encontramos com algo que constitui a própria essência da vida. A maior glória da vida é a que vem do sacrifício. Em qualquer luta, a glória suprema não pertence aos sobreviventes mas àqueles que entregaram suas vidas e não voltarão jamais. Como escrevesse Binyon: Não envelhecerão como nós; A idade não os cansará nem os condenarão os anos, Quando o Sol se pôr e à manhã Nós os recordaremos. Não é aos médicos que construíram fortunas que a história da medicina recorda mas sim àqueles que entregaram sua vida para curar e aliviar a dor dos homens. A história ensina uma lição muito simples: aqueles que fizeram grandes sacrifícios entraram na glória. A humanidade esquece o homem que teve êxito na vida mas nunca esquece o que fez sacrifícios.

(2) Em Jesus, Deus foi glorificado. A obediência de Jesus deu glória a Deus. Só há uma forma de demonstrar que se aprecia, admira-se e se confia em um líder: obedecendo-o, até o final amargo, se for necessário. A única maneira em que um exército pode honrar a um líder é obedecendo sua autoridade sem reticências. A única forma de honrar os pais é obedecendo-os. Jesus deu a glória e a honra supremas a Deus porque lhe deu a obediência suprema, uma obediência que chegou até a cruz.

(3) Em Jesus, Deus se glorifica a si mesmo. É uma noção estranha pensar que a glória suprema de Deus radica na Encarnação e na cruz. Não há glória comparável a de ser amado. Se Deus tivesse permanecido distante e majestoso, sereno e incomovível, se não se tivesse sentido afetado por nenhuma dor nem ferido por nenhuma tristeza, os homens poderiam tê-lo temido ou admirado, mas jamais o teriam amado. A lei do sacrifício não é só uma lei da Terra, é do céu e da Terra. A glória suprema de Deus se manifesta na Encarnação e na cruz.

(4) Deus glorificará a Jesus. Aqui está o outro lado desta questão. Nesse momento, a cruz era a glória de Jesus; mas havia algo mais: a ressurreição, a ascensão; o triunfo completo e final de Cristo que é o que o Novo Testamento evoca ao falar da Segunda Vinda de Cristo. Na cruz, Jesus encontrou sua própria glória: mas chegou o dia e ainda chegará quando essa glória se manifestará a todo mundo e ao universo inteiro. A reivindicação de Cristo deve seguir à humilhação de Cristo; sua entronização deve ser a contrapartida de sua crucificação; a coroa de espinhos deve converter-se em uma coroa de glória. A campanha é a da cruz mas o Rei entrará em um triunfo que todo mundo poderá ver.


A ORDEM DA DESPEDIDA
Estudo sobre João 13:33-35

Aqui Jesus estabelece o mandamento da despedida para seus discípulos. O tempo estava escasso, se tinham que escutar sua voz deviam fazê-lo agora. Partia em uma viagem no qual ninguém podia acompanhá-lo. Tomava um caminho que devia transitar a sós. E antes de partir lhes deu a ordem de que deviam amar-se uns aos outros como Ele os amou. O que significa isto para nós e quanto a nossa relação com nosso próximo? Como amou Jesus a seus discípulos? 

(1) Jesus amou a seus discípulos sem egoísmo. Até no mais nobre dos amores humanos há um resquício de egoísmo. É comum que pensemos, embora seja de maneira inconsciente, no que obteremos do amor. Pensamos na felicidade, a emoção que receberemos ou o vazio e a solidão que experimentaremos se o amor não recebe resposta ou fracassa. Pensamos com freqüência, ou possivelmente sempre: O que significará este amor para mim? Acontece com muita freqüência que o que buscamos por trás de todas as coisas é nossa própria felicidade. Jesus, pelo contrário, nunca pensava em si mesmo. Seu único desejo era dar-se a si mesmo e tudo o que tinha àqueles a quem amava. Seu único desejo era fazer algo por eles, algo que sabia que era o único que o podia fazer.

(2) Jesus amava a seus discípulos com um amor sacrificial. O que podia dar seu amor e as distâncias que podia percorrer não tinham limite. Nada do que lhe era pedido podia ser muito. Se o amor significava a cruz, Jesus estava disposto a enfrentá-la. Nós estamos acostumados a cometer um engano. Cremos que o amor deve nos proporcionar felicidade. Em última instância acontece assim, mas pode ser que nos acarrete dor e que implique uma cruz.

(3) Jesus amava a seus discípulos com um amor pormenorizado. Conhecia a fundo a seus homens. Conhecia todas as suas debilidades e, apesar delas, Ele os amava. Aqueles que nos amam em realidade são aqueles que conhecem nossos aspectos menos favoráveis e entretanto nos amam igualmente. Nunca chegamos a conhecer a fundo a uma pessoa até que não vivemos com ela. Quando só a vemos de maneira esporádica, não conhecemos mais que seus melhores aspectos. Só quando vivemos com alguém descobrimos suas manias, seu mau humor e seus pontos fracos. O mesmo acontece a outros conosco. Jesus tinha vivido dia após dia com seus discípulos durante muitos meses. Conhecia tudo o que podia conhecer-se deles e continuava amando-os. Às vezes dizemos que o amor é cego. Mas isso não é certo, porque o amor cego só pode terminar em uma desilusão total e lamentável. O verdadeiro amor tem os olhos bem abertos. Não ama o que imagina sobre o outro mas o que este é realmente. Não ama uma parte da pessoa mas à pessoa em sua totalidade. Não toma o outro só nas boas mas também nas más. O coração de Jesus é o suficientemente grande para nos amar tal qual somos.

(4) Jesus amava a seus discípulos com espírito de perdão. O líder do grupo o trairia; todos o abandonariam e se afastariam dele quando os necessitasse. Durante o tempo que viveu na Terra como homem nunca o chegaram a entender totalmente Eram cegos, insensíveis, lentos para aprender e incapazes de entender. No final, foram uns covardes. Mas não experimentou nenhum rancor para com eles. Não havia fracasso que não pudesse perdoar. O amor que não aprendeu a perdoar não pode fazer nada, exceto debilitar-se e morrer. Somos criaturas débeis e existe uma espécie de lei da natureza pela qual machucamos mais a quem mais amamos. E é por essa razão que qualquer amor verdadeiro deve construir-se sobre o sentimento de perdão porque se não existir o perdão está condenado à morte.


A LEALDADE VACILANTE
Estudo sobre João 13:36-38

Qual era a diferença entre Pedro e Judas? Judas traiu a Jesus, e Pedro, no momento de necessidade, negou-o até com juramentos e maldições. Entretanto, enquanto o nome de Judas está carregado de um
sentimento inconfessável, em Pedro há algo imensamente amoroso. A diferença é a seguinte: A traição de Judas foi absolutamente deliberada. Levou-a a cabo a sangue frio; deve ter sido o resultado de um plano e um esquema cuidadosos. No final, rechaçou com plena consciência e sem nenhum reparo o chamado mais penetrante. Pelo contrário, por parte de Pedro jamais houve algo menos premeditado que a negação de Jesus.

Jamais se propôs fazer algo semelhante. Viu-se impulsionado por um instante de debilidade. Por um momento, sua vontade foi muito fraco, mas o coração sempre apontava rumo à direção correta. A diferença entre Judas e Pedro é que o pecado do primeiro foi algo premeditado enquanto que o do segundo foi o resultado de um momento de debilidade e provocou um arrependimento que durou toda a vida.

Sempre há uma diferença entre um pecado que se calcula com frieza e premeditação e aquele que se apropria do homem contra sua vontade em um momento de debilidade ou paixão. Sempre existe uma
diferença entre o pecado que sabe o que faz e aquele que se comete quando o homem está tão debilitado ou tão possuído pela paixão que não é consciente de seus atos. Que Deus nos proteja de ferir com premeditação a Ele ou àquelas pessoas que nos amam! Há algo muito bonito na relação entre Jesus e Pedro. Ninguém conheceu melhor outra pessoa do que Jesus conheceu Pedro.

(1) Conhecia-o em todos os seus pontos débeis. Conhecia sua precipitação; sua instabilidade. Sabia que Pedro tinha o costume de falar com o coração antes de pensar o que ia dizer. Conhecia muito bem a força da lealdade de Pedro e a debilidade de suas resoluções. Jesus conhecia Pedro tal qual era.

(2) Conhecia todo o amor de Pedro. Sabia que, fizesse o que fizesse, Pedro o amava. Se só pudéssemos entender isso! Às vezes as pessoas nos machucam, falha-nos, fere-nos ou nos desilude. Se pudéssemos entender que quando alguém age desse modo está fora de si. A pessoa autêntica não é a que nos fere ou falha conosco, mas a que nos ama. O essencial não é sua falha mas o seu amor. Jesus sabia isso a respeito de Pedro. Evitaríamos muitos desgostos e muitos abismos trágicos se pudéssemos recordar o amor essencial e esquecer o fracasso momentâneo.

(3) Jesus não só sabia como era Pedro mas também como podia chegar a ser. Sabia que nesse momento, Pedro não o podia seguir, mas estava seguro de que chegaria o dia quando Pedro também empreenderia o caminho vermelho rumo ao martírio. A grandeza de Jesus consiste em que vê o lado heroico até no mais covarde. Não vê em nós somente aquilo que somos mas aquilo no qual nos pode converter. Jesus possui o amor que lhe permite ver o que podemos ser e o poder que lhe permite nos impulsionar a sê-lo.