Estudo sobre JOÃO BATISTA

Estudo sobre JOÃO BATISTA
JOÃO BATISTA (Ἰωάννης ὁ βαπτιστής). Chamado de “Batista” (Mt 3.1) e o “o que batizava” (Mc 6.14) para diferenciá-lo de outros com o mesmo nome, e para chamar atenção para seu ministério característico. Nascido (c. 7 a.C.) de pais com idade avançada de descendência sacerdotal, Zacarias e Isabel, que era parente de Maria, a mãe de Jesus (Lc 1.5,36). Sua juventude foi passada na obscuridade até que recebeu o chamado divino para a função profética (3.2), e começou um ministério público. Depois que João colocou seu selo de aprovação sobre Jesus (Jo 1.24-36), seus ministérios se sobrepuseram por algum tempo. Pouco depois disso João foi preso e morto por Herodes Antipas (Mc 6.27), deixando alguns discípulos que não haviam aderido ao movimento de Jesus. As fontes para a vida de João Batista (daqui em diante citado apenas como João) são encontradas principalmente nos quatro evangelhos e em Atos, no NT, e numa referência em Josefo.

Marcos - 1.2-11,14; 2.18; 
6.14-29; 8.27s.; 
9.1113; 11.29-33
“Q”-M t 3 .7-10-L c 3.7-9 
Mt 3.11,12-L c 3.7-9
Mt 11.2-6-L c 7.18-23
Mt 11.7-11 - Lc 7.24-28
Mt 11.16-19-L c 7.31-35
Mt 11.12 - Lc 16.16
Mateus 3.14ss.
11.14ss.
21.32
Lucas 1.5-25,57-66,67-80
3.1ss.
3.10-14
3.19s.
7.29s.
11.1
Atos 1.5,22
10.37
11.16
13.24s.
19.1-7
João 1.6-8,15,19-40
3.22-30
5.33-36
10.40s.
Josefo, Antiquities XVIII. v. 2

Referências extraídas do slavo Josefo e de materiais mandeanos não podem ser usadas com segurança para a história do Ia séc.

1. Importância
2. Ministério
3. Mensagem
4. Batismo
5. João e Jesus
6. Morte
7. Seguidores

1. Importância. ONT coloca em alta estima a importância de João e seu ministério. Existiu uma verdadeira solidariedade entre as missões de Jesus e de João. Jesus disse sobre João “entre os nascidos de mulher, ninguém é maior do que João” (Lc 7.28). Ele foi o precursor de Cristo (Mc 1.2). Seu rito de batismo se tomou uma ordenança cristã central (At 2.38). Sua prisão e morte tiveram um grande efeito sobre Jesus (Mc 1.14W. O Senhor o considerava como o segundo Elias, enviado por Deus de acordo com uma antiga profecia (Ml 4.5; Mc 9.13). Ele foi a maior figura até então produzida sob a antiga aliança (Mt 11.11). Ele foi um exemplo perfeito de todos os santos do AT que ficaram no limiar da nova ordem sem entrar nela (Hb 11.39b). Ele não merece a negligência que a igreja freqüentemente lhe atribui.

Sua grande importância está no fato de que ele construiu a ponte entre a antiga e a nova eras, e foi o elo entre as duas. Nem Jesus nem João vieram pregando algo absolutamente novo. A palavra deles era de cumprimento: “Arrependei-vos, porque está próximo o reino dos céus” (Mt 3.2; 4.17). O dia messiânico, longamente esperado estava para amanhecer. Os registros do nascimento de João tomam sua função muito clara (Lc 11.525,57-66,67-80). Ele devia preparar o povo para o advento do Senhor, e para este fim seria cheio do Espírito Santo. Toda a narrativa tem um forte aroma do AT: a visita angelical, a proclamação de uma criança, seu nome revelado, seus pais idosos e sem filhos. João nasceu num lar judaico piedoso, que se baseava nas promessas messiânicas das Escrituras e aguardava a esperança de Israel. Seus pais ficaram fascinados com o bebê, João, porque ele representava o renascimento da profecia e o cumprimento da esperança escatológica. Salmos foram cantados para proclamar seu nascimento.

A teoria de que o Benedictiw (Lc 1.67-79) foi um hino originalmente escrito para glorificar a Jesus, porém posteriormente aplicado a João, não tem fundamento. Obviamente, a primeira metade do hino era direcionada a Jesus, de cujo nascimento Zacarias estava bem informado (11.40), e o restante exaltava a função preparatória do próprio João. Os pais de João reconheceram desde o princípio a grandeza do parentesco entre Jesus e João (1.41 ss.). E no parentesco de Maria com Isabel, Jesus não tinha apenas um laço com a casa de Davi por meio de José (Lc 1.27; 22.4), e possivelmente por meio de Maria também (Veja Genealogia de Cristo) , mas também com a linhagem de Arão por meio de Isabel (1.36). Como descendente de Davi e de Arão Jesus estava numa posição excelente para apresentar-se como aquele que estava para vir.

A crítica radical tem procurado desacreditar o valor histórico da narrativa sobre o nascimento em Lucas. A teoria amplamente defendida é que a seção era, a princípio, um documento sobre o movimento de João Batista, enfeitado com lendas e exaltando sua posição. A seção é interpolada por uma ou duas histórias, mas deixada basicamente intacta. Existe, porém, uma completa falta de qualquer evidência para a hipótese. A criação de uma seita batista, à qual estas fontes hipotéticas são creditadas, é uma crítica pobre. Não há qualquer indicação, a não ser nas mais recentes fontes mandeanas, sem valores como história em si, de que João tenha considerado Jesus com hostilidade ou invejado sua fama e honra crescentes. Todos os fatos sugerem que tanto João quanto seus seguidores receberam com agrado o advento de Jesus, e prontamente abriram o caminho para sua liderança. O argumento é completamente circular, pois descobre na seita as fontes alegadas que são, então, atribuídas a ela. Este tipo de crítica não desacredita Lucas, mas apenas os críticos. A narrativa em Lucas traz todas as marcas de uma porção autêntica da tradição histórica selecionada pelo autor em suas pesquisas, que é geralmente creditada com substancial exatidão. Não havia motivo para fazer de João o filho de um obscuro sacerdote se não fosse assim. E muito improvável que as lendas tenham penetrado na obra de Lucas, uma fonte histórica de primeira categoria. O pessimismo sobre sua integridade é injustificado e reflete um preconceito anti-sobrenaturalista.

2. Ministério. Jesus defendeu o ministério de João como sendo da mais alta impoitância. Pois João era parte do complexo de eventos messiânicos que fazem parte do grande objeto da profecia. Ele foi chamado para ser o grande pioneiro escatológico, o precursor do próprio Messias. Apesar de ter exercido seu ministério pouco antes de Jesus e pertencido ao tempo da promessa, todavia, num outro sentido, ele pertencia também ao tempo do cumprimento. João era a linha de demarcação na história da salvação. Nele as predições futuras do AT começaram a se cumprir (Mt 11.10-15). Jesus endossou fortemente o ministério de João, indicando a íntima solidariedade que ele tinha com o chamado de João. Embora Jesus tenha declarado “aquele que é menor no reino é maior do que ele’' (11.11), ele não teve a intenção de depreciar a grandeza de João, que era a mais notável entre as celebridades reverenciadas do AT, antes porém de exaltar as magníficas oportunidades abertas àquele que participará das promessas messiânicas no próprio Cristo (cp. Mt 13.17).

João entrou dramaticamente no palco da história em 28 d.C. Vestido com uma capa de pêlos de camelo e comendo gafanhotos e mel silvestre, ele proclamou a todos que ouviam a necessidade de arrependimento e retidão de vida. Ele se estabeleceu no sul da Transjordânia do sul, não muito longe da Judéia, na região inabitada que fazia fronteira com o reino de Antipas. Tudo sobre ele lembrava o profeta Elias — sua manta, vivendo no deserto, sua mensagem — e pessoas reunidas para ouvi-lo. Sua comida e roupa indicavam sua rejeição do Israel oficial da época e sua convicção de uma chamada profética. Como a comunidade essênia João se afastou da sociedade; porém, ao contrário deles, ele procurou reformá-la mediante sua pregação. O deserto representava mais do que um lugar solitário para João. Era o lugar para qual Elias havia fugido (lRs 19.4), e o lugar onde Deus guiou seu povo para a terra prometida. O deserto era o lugar onde o Senhor se revelou, e onde alguns criam que o Messias iria aparecer (Mt 24.26). O cenário apenas contribuía para a excitação que o ministério de João provocava entre o povo esperançoso da Judéia. Ele não foi ao deserto para se esconder das pessoas. De fato, ele atraía grandes multidões (Lc 3.10). O quarto Evangelho revela que o ministério de João estendeu-se até o território samaritano (Jo 3.23). Enon, perto de Salim, onde João batizava as pessoas, está perto de Nablus. Mais tarde, quando Jesus falou em entrar nas obras de outros (4.38), ele sem dúvida estava falando do trabalho de João.

Ambos homens desdenhavam dos “filhos de Abraão’' que repousaram tão complacentemente em sua eleição herdada, e ambos fizeram viagens missionárias a regiões estrangeiras. Não é fácil encaixar João dentro do modelo atual de seitas e partidos judaicos. Com a descoberta dos rolos de Qumrã uma hipótese que tem se tomado popular liga João à comunidade essênia. Talvez João, o filho de pais idosos, fora deixado órfão e adotado pela comunidade essênia. A comunidade estava situada não muito longe da casa de João, ou do lugar onde ele começou a ministrar. Por ocasião do seu ministério, porém, João havia rompido qualquer relação que tinha com eles. Apesar de ser verdade que existem similaridades entre João e a comunidade, também existem diferenças, e a teoria é inteiramente especulativa. Parece estar um pouco mais perto da realidade pensar que João fez uma tentativa de seguir a profissão do pai, estando sob uma obrigação solene a fazê-lo como filho, porém ficou tão aborrecido com o mecanismo político e com a corrupção que encontrou no sacerdócio, que concluiu que Israel merecia a ira divina. Conseqüentemente ele se separou da religião oficial e chamou os homens para formar um remanescente justo. João e Qumrã praticavam o batismo, ambos viam seus ministérios como a prot& fta da “voz” (Is 40.3), e ambos eram ascéticos, porém a semelhança é superficial. Por outro lado, a comunidade de Qumrã era um sistema fechado, afastada do mundo e teria reprovado o esforço de João de converter pecadores. O grau de expectativa era diferente. Qumrã ainda esperava pela vinda do Messias; João sabia que ele já estava aqui. O historiador judaico, Josefo, apresenta um relato interessante sobre João Batista, em sua Antiquities, XVIII. v. 2.

Mas alguns dos judeus criam que o exército de Herodes foi destruído por Deus, Deus o puniu muito justamente por causa de João, chamado o Batista, a quem Herodes matou. Pois João era um homem piedoso, e ordenava aos judeus que praticassem a virtude, exercitassem a justiça uns para com os outros e para com Deus e se unissem pelo batismo. Pois assim, parecia a ele, seria aceitável a purificação batismal, se não fosse usada para obter a isenção dos pecados cometidos, mas para a purificação do corpo, quando a alma tinha previamente sido lavada pela reta conduta. E quando todos se viraram para João — pois eles foram profundamente agitados pelo que ele falou — Herodes temeu que a tão extensa influência de João sobre o povo levasse a uma revolta (pois provavelmente o povo parecia fazer tudo que ele recomendava). Ele pensou que seria melhor, sob as circunstâncias, tirar João do caminho, antes que qualquer insurreição pudesse se desenvolver, do que se encontrar em apuros e se arrepender de não ter agido logo que a insurreição começou. Assim, por causa da suspeita de Herodes, João foi enviado como prisioneiro a Maquero, a fortaleza já mencionada, e ali levado à morte. Mas os judeus acreditavam que a destruição que alcançou o exército veio como castigo por causa de Herodes, Deus queria fazer-lhe mal.

Não há motivo para duvidar da autenticidade desta passagem em Josefo. Não demonstra nenhuma marca de invenção cristã ou interpolação. Josefo apresenta João como um filósofo humanista advogando a virtude, mas abafa as sugestões messiânicas do seu ministério, exatamente como se esperaria dos escritos de Josefo para os leitores gregos e romanos. Josefo meramente suplementa o que já é conhecido a partir dos Evangelhos. A Antiquities (Antigüidades) apresenta o lado político do ministério de João, como Herodes o via, enquanto que os Evangelhos enfatizam o lado moral e religioso. Indubitavelmente Herodes temia as conseqüências políticas da popularidade de João. Suas acusações morais somente acrescentaram mais lenha na fogueira. O testemunho de Josefo nos lembra que a memória de João durou bastante tempo mesmo após sua morte.

3. Mensagem. João foi um pregador que se manteve na tradição dos profetas, ele proclamou a mensagem de Deus posta no seu coração. Toda a sua pregação está repleta de imagens, do conteúdo, e da vivacidade do AT. Existe a peneira de cirandar, a eira de debulhar, o machado à raiz das árvores, a raça de víboras e o batismo com o Espírito. A profecia renasceu na mensagem de João e as pessoas se juntavam para ouvi-lo. Sua mensagem incluía instrução ética, denuncia profética e ensinos escatológicos. Todos os seus registros levam de volta às raízes do ensino do AT. O aspecto novo do seu ministério é a urgência com a qual ele anuncia a relevância do seu tema. O reino de Deus está próximo (Mt 3.2). Os santos do AT desejaram o advento do governo majestoso de Deus sobre sua nação durante séculos; agora sua bem-aventurança estava para ser realizada.

A reivindicação messiânica está implícita neste anúncio. A predição de João sobre alguém mais poderoso que viria depois dele é repetida não menos do que sete vezes de uma forma ou de outra, no NT (Mt 3.11; Mc 1.7; L c 3 .1 6 ; Jo 1.25,27,30; At 13.25). Ele estava contente em ser a voz daquele que clama no deserto (Jo 1.23). E ele apontava não para si mesmo, mas àquele que tiraria os pecados e batizaria com o Espírito (Jo 1.19,33).

As boas novas foram acompanhadas de denúncias severas sobre o status quo em Israel. A descendência física de Abraão não garantia o favor de Deus. O parentesco espiritual com Deus deve ser evidenciado na vida cotidiana. Da mesma forma que um gentio precisava ser batizado para tomar-se um prosélito do Judaísmo, assim os judeus necessitavam ser batizados para se tomarem parte do remanescente purificado de Deus dos últimos dias (Mt 3.10; 21.31). Era a hora do julgamento universal, começando com a casa de Israel e estendendo-se pelo mundo todo. A iminência do julgamento na pregação de João é clara. A obra de julgamento pertenceria ao ministério do Messias, cujo propósito era destruir os iníquos e purificar o remanescente do pecado. Quando Jesus veio pregando “o ano aceitável do Senhor” (Lc 4.18), negligenciando enfatizar o lado vingativo da profecia em Isaías (61.2), isto deu motivo a J oão para uma pausa. Ele hesitou por um tempo em seu apoio sincero à auto-reivindicação de Jesus, porque Jesus não parecia ser exatamente o tipo de Messias que ele esperava. A explicação está na própria compreensão de Jesus de sua dupla vinda. O reino estava presente em sua forma de mistério (Mt 13.11; Ef 3.5) antes de sua manifestação apocalíptica, que ainda era futura. João participava da perspectiva da profecia do período do AT, onde as duas vindas do Messias estavam combinadas em uma só.

João acompanhava seu aviso profético sobre a ira com o apelo para o arrependimento. Era requerida uma mudança radical de atitude que resulta numa alteração substancial da vida. Suas instruções éticas eram excessivamente radicais. Quando a multidão lhe perguntou o que deveria fazer para mostrar sua disposição de mudar, João apresentou alguns passos rígidos e práticos a tomar. Eles deveriam compartilhar suas posses com os que não tinham nada (Lc 3.11). Os coletores de impostos deveriam manter suas exigências dentro de limites justos (v. 13), um requerimento severo porque o trabalho não era agradável, e esta política poderia garantir apenas um ganho magro. E pediu aos soldados que ficassem contentes com suas rações e evitassem todo tipo de extorsão e violência no cumprimento das suas obrigações.

Ele não disse que era pecaminoso ser soldado. Proibir a pilhagem da população local poderia ser uma proibição muito grande numa época em que os soldados eram extremamente duros e necessitavam de dinheiro ou de comida. João não fez qualquer esforço para tomar suas exigências éticas agradáveis. Claramente a exortação (parênese) acompanha a proclamação (kerigma). O arrependimento e a fé devem ser acompanhados de tentativas sérias de reformar a vida. “Produzi, pois, frutos dignos de arrependimento” (Mt 3.8). Uma experiência genuína da graça tem que se revelar em fruto espiritual. 

4. Batismo. O rito que João realizou sobre pecadores penitentes foi a notável característica de todo seu ministério; todavia ele de modo algum foi seu originador. Sua distinção estava no sentido que João colocou no ato. Basicamente ele tinha duas facetas: uma orientação messiânica ou escatológica, e uma renovação pessoal na vida da pessoa batizada. João via-se como uma figura do fins dos tempos, enviado de acordo com profecia divina para por em ação o conjunto de eventos no qual o Messias seria revelado a Israel e ao mundo. O batismo nas águas, feito por João, era um sinal de um batismo maior do Espírito que o Messias administraria. Ao mesmo tempo, João estava consciente da indignidade de Israel para receber seu Rei messiânico. Ele não era universalista — Deus lidaria com seu povo, e ninguém mais — todavia, João rejeitava a noção de que simplesmente ser judeu era suficiente para garantir o favor divino.

Arrependimento e reforma da vida eram pré-requisitos para se entrar no reino do Messias. O batismo era a primeira evidência do desejo sincero de uma pessoa mudar seu modo de comportamento. De qual fonte João tirou inspiração para sua prática e teologia do batismo? Estudiosos, como Lidzbarski, procuram relacionar o batismo de João ao dos mandeanos, porém há um sério problema cronológico. A seita dos mandeanos apareceu séculos após a época de João, e tomou seu rito emprestado dos cristãos nestorianos. Sua estima por João veio durante o período islâmico. É totalmente impossível detectar qualquer influência de tal fonte sobre João. O mesmo é verdade sobre o batismo de judeus prosélitos. É questionável se a prática existia na época de João. Pode ter tido uma influência sobre as práticas cristãs posteriores, mas não pode ser usada como uma fonte segura para o batismo de João. Também existem diferenças quanto a essência. O batismo de prosélitos era orientada política e ritualisticamente, enquanto que o de João era escatológico e ético. É necessário ser muito cuidadoso ao assumir que o batismo de prosélitos foi um modelo para o de João. O fato de que isso não é mencionado no NT limita sua utilidade. O lugar mais natural para se procurar um antecedente é o próprio AT.

As purificações cerimoniais para produzir pureza eram comuns no mundo antigo e na Bíblia. Em Levítico 15 banhar-se com água é prescrito para lidar com a impureza. Todas as formas de batismo judaico surgiram desta fonte. É improvável que qualquer distinção real tenha sido feita entre pureza corporal exterior e pureza espiritual interior. A purificação externa tinha um profundo significado espiritual. O crente deveria ter “as mãos limpas e um coração puro”, uma purificação interna com hissopo e também abluções exteriores (SI 24.4; 51.7). Finalmente, todos os batismos esperam pela abertura de uma fonte que pode limpar do pecado e da impureza (Zc 13.1).

A seita de Qumrã exercia suas atividades bem perto do local onde o João começou as dele, o que é freqüentemente apontado como a fonte do rito e da teologia de João. A comunidade de Qumrã praticava o batismo para o arrependimento. O batismo não teria efeito a não ser se acompanhado pelo arrependimento sincero (Manual o f Discipline, cap. 5). Pode não haver distinção entre o interior e o exterior, mas também não há separação dos dois. As práticas de Qumrã estão longe de prover uma possível fonte para o batismo de João. A coincidência é formidável e um relacionamento positito pode ter existido entre eles. Existem, porém, diferenças importantes a serem notadas antes de se assumir qualquer identidade substancial.

O batismo de João era de uma vez por todas, um ato final de arrependimento, para não ser mais repetido. Não há indicação de que o primeiro batismo em Qumrã era tido como um rito iniciador. Todo o teor da pregação de João era mais urgente e escatológico do que o deles. Sua mensagem era dirigida à nação toda, não aos membros exclusivos da seita. Se ele tomou emprestado alguma idéia de Qumrã, ele alterou antes de usá-la. Mais provavelmente João via seu rito em termos de simbolismo profético. A palavra do Senhor poderia ser tanto executada quanto pregada. Adaptar a prática da purificação judaica a seu propósito deu a João o instrumento ideal para expor sua mensagem diante dos homens. Seu batismo era uma limpeza completa de todo pecado e impureza, um ato escatológico que unia o penitente com o remanescente de Israel dos últimos dias.

5. João e Jesus. A primeira parte do ministério público de Jesus foi gasto no período de João Batista. O quarto Evangelho deixa claro este fato. Ambos formaram um único ministério. Não é simplesmente que suas obras se sobrepuseram ou que trabalharam na mesma área, mas antes que compartilhavam de uma mesma visão e preocupação. A purificação do Templo (Jo 2.13-22) mostra Jesus pondo em prática os termos da predição de João de purificação e julgamento. O primeiro capítulo no ministério de Jesus é um dos capítulos finais no ministério de João, de tão próximos que eles estavam neste ponto. Após o seu batismo, Jesus se retirou para o deserto a fim de jejuar e orar. Logo depois, Jesus cercou-se com um grupo de discípulos e praticou o batismo na Judéia (Jo 1.35-51; 3.22). Eles tiveram ministérios paralelos, ambos penetraram no território samaritano. A medida que a fama de Jesus crescia a de João diminuía (Jo 3.30). Enquanto estava junto com João, porém, Jesus permaneceu ao fundo, escondendo sua identidade de todos exceto de alguns (2.24).

Em Caná somente a sua mãe sabia do seu segredo (2.3s.), mas depois de Caná seus discípulos também o sabiam (2.11). Tanto Jesus quanto João reivindicavam autoridade do céu para si mesmos, e um para com o outro (Mt 21.23-27). Logo após João ter sido levado e preso para Maquero Jesus começou um ministério público na Galileia (Mc 1.14). João foi capaz, mesmo na prisão, de manter contato com as atividades de Jesus por meio dos Seus seguidores (Mt 11.2). Ele tinha interesse acerca do progresso do evento escatológico que ele mesmo havia anunciado.

Surge uma questão quanto a identidade de João. Quando João foi abordado pelo partido de Jerusalém e perguntado ele era o Cristo ou Elias, ele respondeu enfaticamente que não (Jo 1.20s.). Quando Jesus se aventurou a revelar sua avaliação sobre João ele afirmou inequivocamente, “ele é Elias” (Mt 11.14). Seria possível que Jesus o considerasse como Elias, enquanto que João não? João certamente desempenhou o papel de Elias, tanto a figura histórica quanto a escatológica. Poderia ele fazer isso sem conscientemente modelar-se a esse padrão? Ele se conhecia como o precursor do Messias (Jo 3.28). A resposta deve estar no sentido da pergunta feita a João. Embora João vivesse no espírito e poder de Elias (Lc 1.17), e tenha sido chamado de Elias pelo próprio Jesus, entretanto, ele não era o Elias ressuscitado no sentido literal. Figurativamente ele foi Elias e cumpriu as funções do precursor, mas não queria aceitar a interpretação judaica desta figura. Ele preferia designar-se simplesmente como “a voz” (Jo 1.23), porque este título não estava carregado de más interpretações tradicionais.

6. Morte. O relato sobre a morte de João é a única história importante no Evangelho de Marcos que não é sobre Jesus (Mc 6.17-29). Deve ter alcançado seu lugar na história de Jesus depois de ter sido preservada e contada pelos discípulos de João, que reivindicaram seu corpo morto (6.29). Muitos críticos radicais consideram a história como lendária, contendo meramente um núcleo histórico. Está claro, tanto em Marcos quanto em Josefo, que Herodes considerava João o principal instigador no fermento messiânico que fascinava a Judeia. Quando ele ouviu sobre os milagres de Jesus, ele pensou que João teria ressuscitado (6.14). João constituía uma ameaça política para o reino de Herodes e, quando João também criticou a moral de Herodia, sua esposa, Herodes trancou João na prisão. Não há nada intrinsecamente improvável na história e nada historicamente impossível.

A morte teve um efeito sobre o próprio Jesus. Quando ele ouviu sobre a prisão se retirou para Galiléia, percebendo perigo para ele mesmo (Mt 4.12); quando ele soube da execução de João foi para um lugar solitário (14.13), sem duvida para contemplar o significado assustador disto para seu próprio futuro.

7. Seguidores. Como os antigos profetas, tanto João quanto Jesus reuniram um grupo de discípulos (Is 8.14). Alguns dos discipulos de João vieram a Jesus e uniram-se a seu grupo (1.35-42). Num ministério curto, de seis meses, João havia obteve grande popularidade. “Saíam a ter com ele toda a província da Judeia”, registra Marcos (1.5). A lealdade à memória de João ainda era forte vários anos depois, quando Jesus o mencionou para evitar responder uma pergunta ardilosa (Mt 21.26). João treinou seus homens na oração (Lc 11.1) e no jejum (Mt 9.14). Embora o próprio Jesus não tenha recomendado o jejum, ele predisse que quando fosse levado embora, seus discípulos novamente jejuariam (9.15). A prática cristã do jejum é novamente encontrada na Didaque (8.1). Bem depois da morte de Jesus Aquila e Priscila encontraram um judeu chamado Apoio, que tinha sido discípulo de João Batista e tinha vindo de Alexandria (At 18.24ss.), e logo depois Paulo encontrou um grupo de doze discípulos de João em Éfeso (19.1-7). Isto indica que os seguidores de João eram razoavelmente numerosos e foram espalhados após sua morte. As duas comunidades messiânicas dificilmente estavam em competição, porque tão logo os discípulos de João ouviram o Evangelho de Cristo, eles alegremente aceitaram a mensagem. Os Evangelhos são claros na convicção de que Jesus tinha estado debaixo do ministério de João no início, e que ele identificou ser Jesus aquele cujo caminho ele fora chamado a preparar. Competição e rivalidade não são as palavras a serem usados neste contexto. O problema era de completa correlação entre as amplas seções de apoio que cada homem recebeu separadamente.

Não há qualquer evidência de conflito entre os dois grupos até bem mais tarde, quando a Clementine Recognitions foi escrita. Mas não se sabe se este grupo podia realmente traçar suas raízes de volta até João, ou se de fato eles simplesmente não o adotaram como seu santo patrono por causa de sua prática do batismo e seu desejo de superar os grupos cristãos. Anos depois, Josefo ainda podia escrever que muitas pessoas em seus dias defendiam a teoria de que Herodes sofreu derrota por causa de seu tratamento para com João, e isso prova quão profunda lealdade e impressão João criou nas mentes dos homens da sua geração. Até hoje existe uma seita chamada os mandeanos, que alega perpetuar o movimento iniciado por João Batista. Sem dúvida João Batista exerceu uma influência profunda sobre as pessoas da sua época e sobre o nascimento e crescimento da igreja. Sua paixão profética e zelo ardente prepararam o terreno para o aparecimento de Jesus Cristo.

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