Estudo sobre João 9

Estudo sobre João 9
Estudo sobre João 9


Luz para os olhos cegos - 9:1-5
Luz para os olhos cegos - 9:1-5 (cont.)
O método de um milagre - 9:6-12
Preconceito e convicção - 9:13-17
Os fariseus desafiados - 9:18-34
Revelação e condenação - 9:35-41
Cada vez maior - 9:1-41

LUZ PARA OS OLHOS CEGOS
João 9:1-5

Este é o único milagre que se relata nos Evangelhos no qual se diz que a vítima sofria desde seu nascimento. Em Atos nos encontramos em duas ocasiões com pessoas que sofriam desde seu nascimento (o coxo da porta Formosa do templo em Atos 3:2 e o homem impossibilitado de Listra em Atos 14:8). Mas este é o único homem no relato evangélico que sofria algum mal desde seu nascimento. Deve ter sido um personagem muito conhecido porque os discípulos sabiam muitas coisas sobre sua vida. Quando o viram, aproveitaram a oportunidade para expor a Jesus um problema que sempre tinha preocupado muito os pensadores judeus e que continua sendo um problema até o dia de hoje. Os judeus relacionavam sem hesitações o sofrimento com o pecado. Dirigiam-se com o pressuposto básico de que em qualquer lugar que houvesse sofrimento, existia, de um modo ou de outro, o pecado. De maneira que fizeram sua pergunta a Jesus. "Este homem —disseram — é cego. Sua cegueira se deve a seu próprio pecado ou ao pecado de seus pais?"

Como se podia dever a cegueira a seu próprio pecado se era cego de nascimento? Os teólogos judeus davam duas respostas a essa pergunta.

(1) Alguns sustentavam uma concepção estranha sobre o pecado pré-natal. Criam que o homem podia começar a pecar enquanto ainda estava no ventre de sua mãe. Nas conversações imaginárias entre Antonino e o Rabino Judá, o Patriarca, o primeiro pergunta: "A partir de que momento a má influência domina o homem, da formação do embrião no ventre materno ou do momento do nascimento?" Em primeiro lugar, o Rabino responde: "Da formação do embrião." Antonino objetou este ponto de vista e convenceu a Judá com seus argumentos. Judá reconheceu que se o impulso mau começava com a formação do embrião, o menino chutaria no ventre e abriria caminho para fora. Judá encontrou um texto que apoiava esta posição. Tomou a frase de Gênesis 4:7: "O pecado está à porta." Interpretou essa frase no sentido de que o pecado esperava o homem à porta do ventre, logo que nascesse. Entretanto, a discussão nos indica que se conhecia a estranha idéia do pecado pré-natal. 

(2) Na época de Jesus os judeus criam na preexistência da alma. Em realidade, receberam a noção de Platão e os gregos. Criam que, antes da criação do mundo, todas as almas existiam no Éden ou que estavam no sétimo céu ou em uma câmara especial, esperando o momento de ingressar em um corpo. Os gregos tinham considerado que essas almas eram boas e que ao entrar no corpo se corromperam, mas havia alguns judeus que criam que entre essas almas já havia algumas boas e outras más. O autor do Livro da Sabedoria diz: “Eu era um jovem de boas qualidades, coubera-me, por sorte, uma boa alma” (Sabedoria 8:19, BJ).

Na época de Jesus havia alguns judeus que criam que o sofrimento do homem, inclusive se o acompanhava do nascimento, podia provir de algum pecado que tinha cometido antes de nascer. É uma idéia estranha e para nós pode ser quase fantástica, mas no fundo, o que subjaze é a noção de um universo corrompido pelo pecado.

A outra possibilidade era que o sofrimento de um homem era devido ao pecado de seus pais. A idéia de que os filhos herdam as conseqüências do pecado de seus pais está incluída no pensamento do Antigo Testamento. “Eu sou o SENHOR, teu Deus, Deus zeloso, que visito a iniqüidade dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração” (Êxodo 20:5; veja-se Êxodo 34:7: Números 14:18). Ao falar do homem mau, o salmista diz: “Na lembrança do SENHOR, viva a iniqüidade de seus pais, e não se apague o pecado de sua mãe” (Salmo 109:14). Isaías se refere a suas iniqüidades e as “iniqüidades de vossos pais” e continua dizendo: “pelo que eu vos medirei totalmente a paga devida às suas obras antigas” (Isaías 65:7). Uma das constantes do Antigo Testamento é que o pecado dos pais sempre pesa sobre seus filhos. Há algo que sempre devemos ter em mente: que nenhum homem vive jamais para si mesmo nem morre para si mesmo. Quando um homem peca põe em movimento uma série de conseqüências que não têm fim.

LUZ PARA OS OLHOS CEGOS
João 9:1-5 (continuação)

Quando nos detemos a analisar esta passagem vemos que contém dois grandes princípios eternos.

(1) Jesus não busca continuar ou explicar a relação entre pecado e sofrimento. Diz que o sofrimento deste homem lhe veio para que se desse a possibilidade de pôr de manifesto o que Deus pode fazer. E isto é certo em dois sentidos.

(a) Para João os milagres sempre são um sinal da glória e o poder de Deus. Os outros evangelistas tinham um ponto de vista diferente. Viam os milagres como uma amostra da compaixão de Jesus. Quando Jesus viu a multidão faminta teve compaixão dela porque eram como ovelhas que não tinham pastor (Marcos 6:34). Quando o leproso se aproximou com seu pedido desesperado para que o limpasse, Jesus teve misericórdia dele (Marcos 1:41). Está acostumado a insistir que neste ponto o Quarto Evangelho é muito distinto de outros. Os outros Evangelhos acentuam a compaixão dos milagres; o Quarto Evangelho insiste em que os milagres são manifestações de poder e glória. Sem dúvida alguma, não existe contradição nisto. Não se trata mais que de duas formas de ver o mesmo acontecimento. E no fundo está a verdade suprema de que a glória de Deus está em sua compaixão e que Deus nunca revela sua glória de maneira tão plena como quando revela sua misericórdia.

(b) Mas há outro sentido no qual o sofrimento deste homem manifesta o que Deus pode fazer. A aflição, a tristeza, a dor, a frustração, a perda sempre permitem que o homem mostre o que Deus pode fazer.

Em primeiro lugar, permite à pessoa que sofre mostrar o que Deus pode fazer. Quando os problemas e as tragédias caem sobre alguém que não conhece a Deus, esse homem pode desintegrar-se; mas quando chegam a um homem que vive e marcha junto com Deus, põem de manifesto a fortaleza, a beleza, a força e a nobreza que se encontram dentro do coração do homem quando Deus habita nele.

Conta-se que quando um ancião santo morria em uma agonia de dor, chamou sua família dizendo: "Venham ver como pode morrer um cristão." Quando a vida nos atira um golpe terrível é quando podemos mostrar ao mundo como pode viver um cristão e, se for necessário, como pode morrer. Qualquer tipo de sofrimento é uma oportunidade que nos outorga Deus para demonstrar sua glória em nossa própria vida. Em segundo lugar, ao ajudar aqueles que sofrem e têm problemas, podemos demonstrar a outros a glória de Deus.

Frank Laubach expressou a idéia sublime de que quando Cristo, que é o Caminho, entra em nós nos convertemos em parte desse caminho. A rota de Deus passa diretamente através de nós. Quando nos entregamos e nos esgotamos ajudando aqueles que têm problemas, dores, sofrimentos, aflições, desesperanças, Deus nos está usando como o caminho através do qual envia sua ajuda aos corações dos homens. Ajudar a outro homem que necessita essa ajuda é manifestar a glória de Deus, porque significa mostrar como é Deus.

Logo Jesus segue dizendo que Ele e seus seguidores devem fazer a obra de Deus enquanto haja tempo. Deus deu aos homens o dia para trabalhar e a noite para descansar. O dia chega a seu fim e o tempo para trabalhar também se termina. Para Jesus, era certo que devia apressar-se com a obra de Deus durante o dia porque a noite da cruz estava muito perto. Mas também se aplica a todos os homens. Recebemos certa quantidade de tempo. Algo que devamos fazer deve cumprir-se dentro desse período.

Na cidade escocesa do Glasgow há um relógio de sol com o seguinte lema: "Pensem no tempo antes que termine." Nunca devemos deixar as coisas para outro momento, porque esse outro momento pode não chegar jamais. O dever iniludível do cristão é empregar o tempo que tem, e ninguém sabe quanto é, no serviço de Deus e de seu próximo. Não existe dor mais aguda que o triste descobrimento de que é muito tarde para fazer algo que poderíamos ter feito.

Mas podemos perder outra oportunidade. Jesus disse: “Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo.” Quando Jesus disse isso não quis dizer que o tempo de sua vida e sua obra eram limitados; o que quis dizer foi que nossa oportunidade para nos apropriarmos dessa vida, essa luz e essa obra é limitada. A cada homem chega a oportunidade de decidir-se por Cristo, de recebê-lo, de dar sua vida a Cristo, de aceitá-lo como Salvador, Mestre e Senhor. E se não se aproveita essa oportunidade,  pode ser que jamais volte a apresentar-se.

Em seu livro The Psychology of Religion, E. D. Starbuck oferece algumas estatísticas muito interessantes sobre a idade que costuma ocorrer a conversão. Pode ocorrer da idade dos sete ou oito anos; aumenta gradualmente à idade de dez ou onze; ocorre com maior freqüência aos dezesseis anos, decresce em forma acelerada aos vinte anos e é muito pouco freqüente depois dos trinta. Deus sempre nos está dizendo: "Este é o momento." Não se busca que decresça o poder de Jesus ou se apague sua luz; é que se adiarmos a decisão fundamental cada vez nos tornamos menos capazes de tomá-la à medida que passam os anos. Devemos trabalhar, devemos tomar decisões enquanto é de dia e antes de que se acabe e chegue a noite.

O MÉTODO DE UM MILAGRE
João 9:6-12

Há dois milagres nos quais se diz que Jesus usou saliva para curar. O outro é o milagre do surdo e gago (Marcos 7:33). Para nós, o emprego de saliva é algo estranho, repulsivo e anti-higiênico. Entretanto, era algo muito comum na antiguidade. cria-se que a saliva, e em particular a de alguma pessoa famosa, possuía certas propriedades curativas. 

Tácito nos conta que quando Vespasiano visitou Alexandria se aproximaram dois homens; um tinha os olhos doentes e o outro tinha uma mão afetada e lhe disseram que seu deus lhes tinha aconselhado que o fossem ver. O homem com os olhos doentes queria que Vespasiano "umedecesse seus olhos com saliva"; o homem com a mão doente desejava que "pisoteasse seu emano com a planta do pé". Vespasiano não sentia o menor desejo de fazer algo semelhante. Por fim, convenceram-no que satisfizesse os doentes. "A mão recuperou seu poder imediatamente; o cego voltou a ver. Até o dia de hoje dão testemunho de ambos os atos, quando a falsidade não pode reportar nenhum benefício, aqueles que estiveram presentes" (Tácito, Histórias 4:81).

Plínio, o famoso compilador do que naquela época se chamava informação científica, dedica todo um capítulo ao uso da saliva. Diz que constitui uma defesa insuperável contra o veneno das serpentes; protege contra a epilepsia; as erupções e as manchas de lepra se podem curar mediante a aplicação da saliva de alguém que está em jejum; a oftalmia se cura se se lubrificam os olhos todas as manhãs com a saliva de alguém em jejum; o carcinoma e o torcicolo se curam com saliva. considerava-se que a saliva era muito efetiva para impedir o mal de olho.

Pérsio relata que a tia ou a avó temente aos deuses e que sabe como impedir o mal de olho, levanta o bebê do berço e "com o dedo maior aplica a saliva na frente e os lábios do menino". O emprego da saliva era muito comum no mundo antigo. Até hoje, se nos queimarmos um dedo nosso primeiro instinto é levá-lo a boca e inclusive na atualidade são muitos os que crêem que se podem curar as verrugas aplicando a saliva de uma pessoa que está em jejum.

O concreto é que Jesus se apropriava das métodos e os costumes de sua época e os usava. Era um médico sábio. Tinha que ganhar confiança do paciente. Não se trata de que Jesus cresse nestas práticas, mas acendia as esperanças do paciente ao fazer o que este supunha que devia fazer um médico. Depois de tudo, até na atualidade, a eficácia de qualquer remédio ou tratamento depende tanto da fé do paciente como do tratamento ou a droga em si mesmos.

Após lubrificar os olhos do homem com saliva, Jesus o mandou lavar-se no lago de Siloé. Este lago era um dos marcos de Jerusalém. Em sua época, foi o resultado de uma das grandes façanhas da engenharia da antiguidade. A provisão de água de Jerusalém sempre tinha sido precária em caso de que se produzir um sítio. Provinha principalmente da Fonte da Virgem ou da vertente Giom, localizada-se no vale de Cedrom. Construiu-se uma escada que conduzia a essa vertente com trinta e três degraus cortados na rocha. dali, em uma cavidade de pedra, a gente tirava a água.

Entretanto, se fosse produzia um sítio, a vertente ficava exposta e podia ser inutilizada por completo com conseqüências que teriam sido desastrosas. Quando Ezequias se deu conta de que Senaqueribe tentava invadir a Palestina se propôs cavar um túnel ou um conduto na rocha que fora da vertente até a cidade (2 Crônicas 32:2-8, 30; Isaías 22:9-11; 2 Reis 20:20). O trajeto era composto por rocha maciça. Se os engenheiros tivessem cavado em linha reta teriam tido que cobrir uma distância de 434 metros. Mas o fizeram em ziguezague, já seja porque seguiam uma fissura na rocha ou porque não queriam tocar lugares sagrados: desse modo, o conduto mede 532 metros. Em alguns pontos, o túnel não tem mais de 60 centímetros de largura, mas a altura média é de ao redor de dois metros. Os engenheiros começaram a cavar em ambos os extremos e se encontraram no meio, em uma verdadeira proeza, se for levado em conta as equipes da época.

Em 1880, encontrou-se um tablete em comemoração da terminação do túnel. Descobriram-na por acaso dois meninos que jogavam em um lago. Diz o seguinte:

“A escavação está terminada. Esta é seu historia. Enquanto os operários ainda trabalhavam com seus picos, cada um rumo ao companheiro que tinha na frente, ambos ouviram a voz do outro, quando ainda faltavam três côvados para cavar, porque havia uma fissura na rocha, do lado direito. E no dia que se terminou a escavação, os pedreiros cortavam, cada um com o propósito de encontrar-se com seu companheiro, e correram as águas ao lago, mil e duzentos cotovelos e a altura da rocha em cima das cabeças dos escavadores era de cem cotovelos.”

O lago de Siloé era o lugar onde o túnel proveniente da Fonte da Virgem surgia na cidade. Era um lago ao ar livre de seis metros por nove. Assim foi como recebeu seu nome. Foi chamada Siloé que, conforme se dizia, significava enviado, porque a água que continha foi enviada à cidade através do túnel. De maneira que Jesus mandou este homem lavar-se no lago, que era um dos marcos da cidade. E o homem se lavou e começou a ver.

Uma vez curado, teve algumas dificuldades para convencer as pessoas de que se tratava de uma verdadeira cura. Mas sustentou com vigor o milagre operado por Jesus. Jesus sempre faz coisas que para o não crente são muito bonitas e maravilhosas para ser verdadeiras.

PRECONCEITO E CONVICÇÃO
João 9:13-17

E agora surge o problema iniludível. O dia em que Jesus fazia o lodo e curou o homem era sábado. Sem dúvida alguma, Jesus tinha desobedecido a Lei do sábado, tal como a interpretavam os escribas. De fato, tinha-a desobedecido de três formas diferentes.

(1) Ao fazer lodo tinha incorrido em falta por trabalhar no sábado. O fato de efetuar o trabalho mais ínfimo implicava ser culpado de trabalhar no dia de sábado. Aqui temos algumas das coisas que estavam proibidas pela Lei e que ninguém devia fazer durante esse dia. "Um homem não pode encher um prato com azeite e pô-lo junto ao lampião e pôr um extremo da mecha nele." "Se um homem apagar um lampião no sábado para economizar o azeite ou a mecha, é culpado." "Não se pode sair no sábado com sandálias que tenham pregos." (O peso dos pregos constituía uma carga e levar uma carga significava desobedecer a Lei do sábado.) Ninguém podia cortar as unhas ou arrancar um cabelo da cabeça ou da barba É obvio que, à luz de semelhante Lei, fazer lodo significava trabalhar e quebrar a Lei. 

(2) Era proibido curar no sábado. Só se podia dispensar atenção médica se a vida corria sério perigo. E inclusive nesse caso, a ajuda devia ser de tal natureza que impedisse que o doente piorasse mas não
devia significar uma melhoria.

Um homem com dor de dente, por exemplo, não podia chupar vinagre com os dentes. Era proibido curar uma perna ou um braço quebrados. Se alguém se deslocar a mão ou o pé não pode entornar-se
água fria. A água fria ajudaria a curar a fratura. Como é evidente, o homem que nasceu cego não tinha sua vida em perigo; assim, Jesus tinha desobedecido a Lei do sábado ao curá-lo.

(3) Estabelecia-se com toda clareza, quanto à Lei do sábado e a cura, que: "No que se refere à saliva de alguém em jejum, não é legítimo nem sequer pô-la sobre as pálpebras."

Os escribas e fariseus pretendiam honrar a Deus mediante a observação destas regras e normas ridículas. Para Jesus eram algo ilógico e impróprio. De maneira que, para os escribas e fariseus, Jesus era culpado de desobedecer a Lei do sábado.

Os fariseus são os representantes típicos das pessoas que, em todas as épocas, condenam a qualquer um cuja idéia da religião não coincide com a deles. Os fariseus eram o tipo de gente que crêem que há uma só forma de servir a Deus, e que é a que eles seguem. Alguns opinavam o contrário e afirmaram que ninguém que fosse um pecador podia fazer as coisas que Jesus fazia.

De maneira que levaram o homem a seu presencia e o interrogaram. Quando lhe perguntaram qual era sua opinião sobre Jesus, manifestou-a sem titubear. Disse que Jesus era um profeta. No Antigo Testamento, comprovava-se se alguém era um profeta pelos sinais que podia fazer. Moisés garantiu a faraó que era o autêntico mensageiro de Deus mediante os sinais e as maravilhas que efetuou (Êxodo 4:1-17). Elias demonstrou que era profeta do Deus verdadeiro ao fazer coisas que os profetas de Baal não podiam fazer (1 Reis 18). Sem dúvida alguma, o homem pensava nestas coisas quando disse que Jesus era profeta. Há algo indubitável perto deste homem: fosse o que fosse, era uma pessoa valente. Sabia muito bem o que pensavam os fariseus sobre Jesus. Sabia com certeza que se se apresentasse como discípulo de Jesus o excomungariam sem mais trâmite. Entretanto, pronunciou sua afirmação e assumiu um compromisso. Foi como se tivesse dito: "Estou obrigado a crer nele, estou obrigado a me comprometer por Ele por tudo o que tem feito por mim." Assim se converte em um grande exemplo para nós.

OS FARISEUS DESAFIADOS
João 9:18-34

Em toda a literatura não existe outra descrição de diferentes personalidades mais eloqüentes que esta. Com pinceladas certeiras e reveladoras, João descreve cada uma das pessoas envoltas nesta cena de
maneira tal que parecem cobrar vida sob nossos olhos.

(1) Em primeiro lugar, temos o próprio cego. Começa a irritar-se diante da insistência dos fariseus. "Vocês podem dizer o que quiserem perto deste homem", diz. "Eu não sei nada exceto que me permitiu ver." Há uma realidade muito simples na experiência cristã: mais de uma pessoa não pode expressar com uma linguagem correta do ponto de vista teológico o que crê que é Jesus Cristo, entretanto, pode dar testemunho do que Jesus fez com sua alma. Não se precisa ser um teólogo para experimentar os benefícios de Jesus Cristo. Apesar de o homem não poder entender com seu intelecto, pode sentir com o coração. É melhor amar a Jesus Cristo que amar teorias sobre Ele.

(2) Logo temos os pais do cego. É evidente que não querem colaborar com os fariseus, mas ao mesmo tempo sentem medo. As autoridades da sinagoga judia tinham uma arma muito poderosa: a arma da excomunhão mediante a qual se excluía a qualquer pessoa da congregação do povo de Deus. Podemos ler uma ordenança dos tempos de Esdras que decretava que quem não obedecesse as ordens das autoridades “os seus bens seriam totalmente destruídos, e ele mesmo separado da congregação dos que voltaram do exílio” (Esdras 10:8). Jesus advertiu a seus discípulos que seu nome seria rejeitado como indigno (Lucas 6:22). Disse-lhes que os expulsariam das sinagogas (João 16:2). Muitos dos governantes de Jerusalém criam sinceramente em Jesus, mas temiam dizê-lo "para não ser expulsos da sinagoga" (João 12:42). Havia duas classes de excomunhão. A proibição, o cherem, mediante a qual se expulsava alguém da sinagoga pelo resto de sua vida.

Nesse caso era anatematizado em público. Era amaldiçoado perante todo o povo e excluído da presença de Deus e dos homens. Também havia uma sentença de excomunhão temporária que podia durar um mês ou um período determinado. O terror que produzia essa situação era que o judeu considerava que a excomunhão não só o excluía da sinagoga mas também da presença de Deus. Essa é a razão pela qual os pais deste homem responderam que seu filho já tinha idade suficiente para ser uma testemunha legal e responder suas perguntas. Os fariseus sentiam um rancor tão amargo contra Jesus que estavam dispostos a fazer o que em alguns de seus piores momentos têm feito as autoridades eclesiásticas: estavam dispostos a apelar ao procedimento eclesiástico para seus próprios fins.

(3) Temos os fariseus. A princípio, não creram que o homem era cego. Quer dizer que suspeitavam que tinha existido algum entendimento entre este homem e Jesus. Criam que este milagre tinha sido um engano urdido entre Jesus e o homem em questão. Mais ainda, sabiam muito

bem que um falso profeta podia fazer milagres falsos em benefício próprio (Deuteronômio 13:1-5 adverte contra o falso profeta que produz sinais falsos para conduzir as pessoas a deuses estranhos). De maneira que a primeira atitude dos fariseus foi de suspeita. "Dêem glória a Deus", diziam. "Sabemos que este homem é um pecador." "Dêem a glória a Deus", era uma frase que se usava nos interrogatórios. Seu verdadeiro sentido era o seguinte: "Digam a verdade na presença e em nome de Deus." Quando Josué interrogava Acã sobre o pecado que desencadeou a desgraça sobre Israel, disse-lhe: “Filho meu, dá glória ao SENHOR, Deus de Israel, e a ele rende louvores; e declara-me, agora, o que fizeste; não mo ocultes” (Josué 7:19).

Sentiam-se indignados e desarmados porque não podiam rechaçar a afirmação de seu acusado, baseada nas escrituras. A afirmação de que tinha sido cego era a seguinte: "Jesus fez algo muito maravilhoso. O fato de que o fez significa que Deus o ouve. Agora, Deus nunca ouve as preces de um homem mau, portanto Jesus não pode ser mau, deve ser bom." O fato de que Deus não ouvia os rogos do homem mau é um conceito fundamental do Antigo Testamento. Quando Jó se refere ao hipócrita, diz: “Acaso, ouvirá Deus o seu clamor, em lhe sobrevindo a tribulação?” (Jó 27:9). O salmista diz: “Se eu atender à iniqüidade no meu coração, o Senhor não me ouvirá” (Salmo 66:18). Isaías ouve que
Deus diz ao povo pecador: “Quando estendeis as mãos (os judeus oravam com as mãos estiradas e as palmas para cima), escondo de vós os olhos; sim, quando multiplicais as vossas orações, não as ouço, porque as vossas mãos estão cheias de sangue” (Isaías 1:15).

Ao falar do povo desobediente, Ezequiel diz: “Ainda que me gritem aos ouvidos em alta voz, nem assim os ouvirei” (Ezequiel 8:18). Pelo contrário, criam que sempre era ouvida a oração de um homem bom. “Os olhos do SENHOR repousam sobre os justos, e os seus ouvidos estão abertos ao seu clamor” (Salmo 34:15). “Ele acode à vontade dos que o temem; atende-lhes o clamor e os salva” (Salmo 145:19). “O SENHOR está longe dos perversos, mas atende à oração dos justos” (Provérbios 15:29). O homem que fora cego expressou uma opinião que os fariseus não puderam responder.

Agora, vejamos o que fizeram ao ver-se diante deste argumento. Em primeiro lugar, apelaram à injúria. "Injuriaram-lhe." Logo foram ao insulto. Acusaram o homem de ter nascido em pecado. Quer dizer que o acusaram de um pecado pré-natal. Em terceiro lugar, recorreram à força. Ordenaram-lhe que desaparecesse da vista dos fariseus.

Costumamos ter algumas diferenças com outras pessoas e é normal que aconteça. Mas quando o insulto, a injúria e a ameaça se introduzem nesta discussão deixa de ser tal para converter-se em uma luta rancorosa.

Se quando estamos discutindo nos zangamos e fazemos uso de palavras injuriantes e de ameaças tudo o que demonstramos é que nossa posição é muito fraco para expô-la como corresponde.

REVELAÇÃO E CONDENAÇÃO
João 9:35-41

Esta seção começa com duas grandes e preciosas verdades espirituais.

(1) Jesus buscou o homem. Como o expressou Crisóstomo: "Os judeus o expulsaram do templo, o Senhor do templo o achou." Jesus jamais permite que alguém carregue sozinho o seu testemunho. Se o testemunho cristão separar alguém de seu próximo, aproxima-o mais de Jesus Cristo. Quando se expulsa alguém da sociedade por sua fidelidade para com Cristo, essa pessoa se aproxima muito mais de Jesus. Jesus sempre é fiel a quem lhe é fiel.

(2) Este homem recebeu a grande revelação de que Jesus era o Filho de Deus. Eis aqui uma verdade tremenda. A lealdade sempre produz a revelação. Jesus se revela com maior plenitude ao homem que lhe é fiel. O castigo de tal lealdade pode ser a perseguição e o ostracismo da parte dos homens. A recompensa é uma maior aproximação a Cristo e um aumento do conhecimento de quão maravilhoso é. João conclui este relato com dois de seus conceitos preferidos.

(1) Jesus veio a este mundo para julgar. Cada vez que o homem se defronta com Jesus, emite um juízo sobre si mesmo. Se não ver em Jesus nada que mereça ser desejado, admirado ou amado, condena-se. Se vir nele algo digno de admiração, algo a que deve responder, algo que deve buscar alcançar, está no caminho que o conduzirá a Deus. O homem que é consciente de sua própria cegueira e que deseja ver melhor e conhecer mais, é o homem cujos olhos podem abrir-se e a quem se pode conduzir cada vez mais perto da verdade. Aquele que pensa que sabe tudo, quem não se dá conta de que não pode ver, é o homem realmente cego e que está além de toda esperança e de toda ajuda. Só aquele que percebe sua própria debilidade pode fazer-se forte. Só quem toma consciência de sua própria cegueira pode aprender a ver. Só aquele que vê seu próprio pecado pode ser perdoado.

(2) Quanto maior seja o conhecimento, maior será a condenação de quem não reconhece o bem quando o tem diante de seus olhos. Se os fariseus fossem criados na ignorância, não poderiam ter sido
condenados. Sua condenação se fundamentava no fato de que sabiam tanto e afirmavam ver tão bem, e, não obstante, não puderam reconhecer o Filho de Deus quando veio. A lei de que a responsabilidade é a outra cara do privilégio está escrita no livro da vida.

CADA VEZ MAIOR
João 9:1-41

Antes de passar a outro capítulo, conviria que lêssemos este, muito maravilhoso, de principio a fim. Se o fizermos com cuidado e meditação, veremos a mais bela progressão da idéia do homem cego sobre Jesus. Sua idéia de Jesus passa por três etapas, cada uma mais elevada que a anterior.

(1) Começa dizendo que Jesus é um homem. “O homem chamado Jesus fez” me abriu os olhos (versículo 11). Em um princípio, viu Jesus como um homem muito maravilhoso. Qualquer um pode começar por ali. O cego jamais conheceu ninguém que pudesse fazer as coisas que Jesus fazia. E começou considerando que Jesus era um ser supremo entre os homens. Fazemos bem em pensar, às vezes, no caráter maravilhoso de Jesus enquanto homem. Em qualquer galeria dos heróis universais deve haver um lugar para Jesus. Em qualquer antologia sobre as vidas mais bonitas, deverá incluir-se a de Jesus. Em qualquer coleção das partes literárias mais excelsas, devem incluir-se suas parábolas. Shakespeare faz dizer a Marco Antonio em seu obra Júlio César, ao referir-se a este:

Sua vida foi bela, e os elementos combinaram-se nele de maneira tal que a Natureza poderia erguer-se e proclamar ao mundo inteiro: "Este era um homem". Podemos duvidar sobre qualquer outra coisa, mas jamais duvidar de que Jesus foi um homem entre os homens.

(2) Logo passa a chamar Jesus de profeta. Quando lhe perguntaram qual era sua opinião sobre Jesus diante do fato de que lhe tinha dado a vista, respondeu: "É profeta" (versículo 17). Agora, profeta é um homem que traz a mensagem de Deus aos homens. "Porque não fará nada Jeová o Senhor", diz Amos, "sem que revele seu segredo a seus servos os profetas" (Amos 3:7). O profeta é um homem que vive perto de Deus. É um homem que penetrou na mente de Deus. Quando lemos a sabedoria das palavras de Jesus, quando ouvimos sua voz pronunciando estas frases imortais, somos levados a dizer: "Este é um profeta." Podemos duvidar de todo o resto, mas há algo que está além de toda dúvida: se os homens seguissem os ensinos de Jesus se solucionariam todos os problemas pessoais, sociais, nacionais, internacionais. Se alguma vez um homem teve o direito de ser chamado profeta, se houve alguém que falou com os homens com a voz de Deus, esse homem é Jesus.

(3) Por último, o cego confiou que Jesus era o Filho de Deus. Chegou a perceber que as categorias humanas não eram adequadas para descrever a Jesus. Viu que Jesus fazia coisas que estavam além da capacidade humana e que sabia coisas que superam a possibilidade de conhecer dos homens.

Em uma oportunidade, Napoleão formava parte de um grupo no qual alguns céticos muito brilhantes discutiam a respeito de Jesus. Terminaram por catalogá-lo como um grande homem, mas nada mais. "Cavaleiros", disse Napoleão, "eu conheço os homens e Jesus era mais que um homem."

Se Jesus Cristo for um homem
E só um homem afirmo
Que de todos os homens, me uno a ele
E a ele me unirei sempre.
Se Jesus Cristo for um deus —
E o único Deus — juro
Que o seguirei pelo céu e o inferno,
A terra, o ar e o mar.

O tremendo sobre Jesus é que quanto mais o conhecemos mais Ele se converte em alguém magnífico. O problema com as relações humanas é que muito freqüentemente quanto mais conhecemos uma pessoa, fazemo-nos mais conscientes de suas debilidades, de suas faltas, de seus fracassos, de suas limitações; mas quanto mais conhecemos Jesus, mais Ele nos maravilha. E será assim, não só agora, mas também na eternidade.