Estudo sobre João 7

Estudo sobre João 7

Estudo sobre João 7


Não o tempo do homem mas o tempo de Deus - 7:1-9
Reações para com Jesus - 7:10-13
Veredictos sobre Jesus - 7:10-13 (cont.)
A autoridade suprema - 7:14-18
Um argumento sábio - 7:19-24
A afirmação de Cristo - 7:25-30
Busca – a tempo - 7:31-36
A fonte de água viva - 7:37-44
A fonte de água viva - 7:37-44 (cont.)
Admiração involuntária e defesa tímida - 7:45-53




NÃO O TEMPO DO HOMEM MAS O TEMPO DE DEUS
Estudo sobre João 7:1-9

A festa dos Tabernáculos caía em fins de setembro e princípios de outubro. Era uma das festividades obrigatórias dos judeus e qualquer varão adulto que vivesse a trinta quilômetros de distância de Jerusalém tinha a obrigação legal de assistir a ela. Mas os judeus devotos que viviam a mais de trinta quilômetros concorriam com ardor. Durava oito dias. Mais adiante neste mesmo capítulo falaremos sobre esta festa com mais detalhe. Quando chegou a época da festa, os irmãos de Jesus insistiram com Ele para ir a Jerusalém para assistir a festa; mas Jesus rechaçou suas razões e foi a seu próprio tempo.

Há algo único nesta passagem que não podemos deixar de assinalar. Segundo o versículo 8, Jesus diz “O meu tempo ainda não está cumprido”. Jesus estava acostumado a referir-se com bastante freqüência ao seu tempo, ou à sua hora. Mas nesta passagem emprega uma palavra muito distinta, e o faz por única vez. Em outras passagens (João 2:4; 7:30; 8:20; 12:27) a palavra que Jesus ou João usa é hora, que significa a hora assinalada por Deus. Esse tempo ou hora não era algo mutável, era inevitável, era preciso aceitá-lo sem discussão porque era o momento em que o plano de Deus tinha decidido que algo devia acontecer. Mas nesta passagem a palavra que se emprega não é hora, e sim kairos, que significa uma oportunidade; quer dizer o melhor momento, a oportunidade mais adequada para fazer algo; significa o momento em que as circunstâncias são mais propícias; significa o que estamos acostumados a denominar o momento psicológico; significa esse momento em que terá que aproveitar a oportunidade porque pode não repetir-se.

O que Jesus diz aqui não é que chegou a hora de Deus; diz algo muito mais simples, que esse momento não era aquele que daria a Jesus a oportunidade que estava esperando. Isso explica por que mais tarde Jesus vai a Jerusalém.

Muita gente se tem sentido confundida porque primeiro disse a seus irmãos que não iria e depois foi. Schopenhauer, o filósofo alemão, disse: "Jesus Cristo de propósito pronunciou uma falsidade". Outros sustentam que Jesus disse que não iria à festa em forma pública, mas que isso não o impedia de ir de maneira particular. Mas se nos remetemos ao texto grego o que Jesus diz é o seguinte: "Se Eu for com vocês neste momento não terei a oportunidade que procuro. O momento não é oportuno". De maneira que adiou sua ida até a metade da festa porque o fato de chegar quando a multidão já estava reunida e expectante lhe dava uma oportunidade muito melhor que ia embora no primeiro dia. Isto não faz mais que nos mostrar que Jesus escolhe seu tempo com prudência e cuidado para obter os melhores resultados possíveis.

Nesta passagem aprendemos duas coisas:

(1) Aprendemos que não podemos forçar a mão de Jesus. Seus irmãos trataram de forçá-lo a ir a Jerusalém. De fato, foi o que podemos chamar um atrevimento e um desafio. De algum modo tinham razão de um ponto de vista humano. Jesus fazia seus grandes milagres na Galiléia. Galiléia é o cenário da conversão da água em vinho (João 2:1 ss.); da cura do filho do nobre (João 4:46); da alimentação dos cinco mil (João 6:1ss). O único milagre que tinha feito em Jerusalém foi a cura do paralítico no lago (João 5:1 ss). Não estava fora do normal dizer que foi a Jerusalém para que aqueles que o apoiavam nessa cidade vissem as coisas que podia fazer. O relato deixa bem sentado que a cura do paralítico foi interpretada mais como uma violação do sábado do que como um milagre. Além disso, se Jesus queria ter êxito em convencer os homens, não podia esperar obtê-lo escondendo-se em um canto; devia agir em forma tal que todo mundo visse o que podia fazer. Mais ainda, Jerusalém era o lugar chave. Todo mundo sabia que os habitantes da Galiléia eram exaltados e aventureiros. Qualquer pessoa que quisesse que o seguissem não tinha nenhuma dificuldade em conseguir adeptos na atmosfera excitante que se respirava na Galiléia; mas Jerusalém era algo muito diferente. Galiléia não era em realidade uma prova; Jerusalém era a pedra de toque. Os irmãos de Jesus podiam ter justificado sua insistência; mas não se pode forçar a mão de Jesus.

Jesus faz as coisas, não no tempo do homem, e sim no de Deus. A impaciência do homem deve aprender a esperar na sabedoria de Deus. O mundo segue o tempo de Deus, não o nosso.

(2) Aprendemos que é impossível tratar a Jesus com indiferença. Não importava que dia os irmãos de Jesus fossem a Jerusalém. Qualquer dia dava no mesmo, posto que ninguém notaria sua presença. Não havia nada que dependesse de sua ida a Jerusalém; podiam ir em qualquer momento, sem que fizesse nenhuma diferença. Mas se Jesus ia era algo muito diferente. Por que? Porque os irmãos de Jesus formavam parte do mundo, seus interesses estavam no mundo, estavam em sintonia com o mundo, não faziam que o mundo se sentisse incômodo e o mundo não tinha nenhuma queixa contra eles. Mas Jesus entra com um inquietante poder dinâmico. Sua simples presença é uma condenação de nosso modo de vida. Sua simples vinda é um desafio a nosso egoísmo e nossa letargia. Jesus tinha que escolher o momento, porque quando ele chega algo acontece.

REAÇÕES PARA COM JESUS
Estudo sobre João 7:10-13

De maneira que, por fim, Jesus escolheu seu próprio tempo e foi a Jerusalém. Aqui temos as reações das pessoas quando se viram frente a Jesus. Agora, grande parte da importância deste capítulo reside na quantidade de reações que nos mostra. Reuniremos aqui os diferentes reações para com Jesus, não só nesta passagem, mas também em todo o capítulo.

(1) Deu-se a reação de seus irmãos (versículos 1-5). Em realidade se tratava de algo desafiante. Quando insistiam com Ele para ir a Jerusalém estavam propondo um desafio. Em realidade não criam nele; estavam-no provocando, conforme pensavam, como se poderia fazer com um menino precoce. Ainda hoje nos encontramos com essa atitude de brincadeira tolerante para com a religião.

No Diario de un cura rural, Georges Bernanos nos relata que às vezes o padre de campanha recebia um convite para ir jantar à casa mais aristocrática da paróquia. O dono de casa o incitava a falar e discutir com seus convidados, mas o fazia com essa tolerância semi-divertida e semi-zombadora com a qual poderíamos incitar a um menino a demonstrar suas habilidades ou a um cão a fazer suas provas.

(2) Deu-se o ódio manifesto. Ocorreu o ódio sem dissimulação dos fariseus e dos sumos sacerdotes (versículos 7, 19). Não o odiavam pelas mesmas razões, porque o certo é que se odiavam entre si. Os fariseus o odiavam porque Jesus passava por alto suas regras e normas mesquinhas. Se Ele tinha razão, eles estavam equivocados, e amavam seu próprio sistema fechado mais que a Deus. Não importava o que Deus lhes dissesse, eles se aferravam a suas regras e normas.

Os saduceus formavam um partido político. Não observavam as regras e normas dos fariseus. Quase todos os sacerdotes eram saduceus. Sempre tinham sido o partida colaboracionista. Colaboravam com seus amos romanos e viviam em forma muito cômoda e até luxuosa. Os saduceus não queriam um Messias; de fato era última coisa que teriam desejado, porque quando o Messias chegasse seu clã partidário se desintegraria em pedaços e perderiam suas riquezas e privilégios. Odiavam a Jesus porque interferia com seus próprios interesses aos quais amavam mais que a Deus. Até é possível que um homem ame mais seus próprios interesses do que ama a Deus, e que os ponha acima do desafio da aventura e do sacrifício.

(3) Ambas as reações se manifestaram no desejo de eliminar a Jesus (vs. 30-32). Quando os ideais de um homem se chocam com os de Jesus podem acontecer duas coisas: ou que o homem se submeta e se entregue, ou que lute contra Cristo e trate de destruí-lo. Hitler não queria ter cristãos a seu redor porque estes professavam uma lealdade superior à lealdade para com o Estado. Qualquer homem se defronta com uma alternativa muito simples se permitir que Jesus entre em sua vida. Pode fazer o que ele quer ou o que quer Cristo; e se quer continuar fazendo sua vontade a única coisa que fica por fazer é tentar eliminar a Cristo.

(4) Deu-se um orgulho arrogante (vs. 15, 47-49). Que direito tinha este homem, sem a menor formação nas escolas teológicas, de vir e expor a Lei? Jesus não tinha nenhum pano de fundo cultural; não tinha assistido às escolas e colégios rabínicos. Como aprendeu a ler? Sem dúvida alguma, nenhuma pessoa inteligente pensaria em ouvi-lo. Aqui temos a reação do esnobismo acadêmico. E entretanto, o certo é que muitos dos grandes poetas, escritores e evangelizadores carecem de títulos acadêmicos. Com isto não quer indicar que se deve desprezar ou abandonar por um momento as qualificações acadêmicas, os estudos, a cultura e a educação. Mas quer dizer que devemos nos cuidar muito bem de desprezar a alguém e confiná-lo ao grupo dos que não interessam pela simples razão de que carece da formação acadêmica das escolas.

(5) Deu-se a reação da multidão. Esta reação foi dupla. Em primeiro lugar, manifestou interesse (v. 11). A única coisa que é impossível manifestar quando Jesus invade a vida, é indiferença. Enquanto Jesus é uma figura histórica que aparece nos livros se pode demonstrar indiferença; mas quando chega Jesus vivo, já não é possível ser indiferente. Além de qualquer outra coisa, Jesus é a figura mais interessante do mundo. Em segundo lugar se estabeleceu uma discussão (versículos 12, 43). Falavam sobre Jesus. Discutiam suas opiniões a respeito de Jesus; expunham seus pontos de vista; trocavam idéias. Nisto há algo positivo e algo perigoso.

O positivo é que não há nada que nos permita esclarecer mais nossas próprias opiniões que o fato de enfrentá-las com as de alguma outra pessoa. A mente afia a mente como o aço ao aço. O perigoso reside em que a religião pode converter-se em um tema de discussão e debate, uma série de questões fascinantes sobre as quais qualquer um pode falar durante toda sua vida — e não fazer nada o respeito. Há uma diferença abismal entre ser um teólogo discutidor que está disposto a falar até qualquer hora da noite e ser uma pessoa autenticamente religiosa, cuja religião passou de falar sobre Cristo para conhecer Cristo, e de discutir sobre Cristo para viver o cristianismo.


VEREDICTOS SOBRE JESUS
Estudo sobre João 7:10-13 (continuação)

Neste capítulo há toda uma série de veredictos sobre Jesus.

(1) Existe a afirmação de que era um homem bom (versículo 12). Esse veredicto permanece e é verdadeiro, mas não é toda a verdade. Foi Napoleão quem fez o célebre comentário: "Eu conheço os homens e Jesus Cristo é mais que um homem". Jesus era verdadeiramente um homem, mas nele estava a mente de Deus. Quando Ele fala não é um homem falando com outro. Se assim fosse, poderíamos discutir e questionar seus mandamentos; quando Ele fala é Deus que fala com os homens; e o cristianismo não significa discutir seus mandamentos e sim aceitá-los.

(2) Existe o veredicto de que é um profeta (versículo 40). Isso também é verdade. O profeta é quem anuncia a vontade de Deus, é o homem que viveu tão perto de Deus que conhece a mente e o propósito de Deus. Isso é verdade a respeito de Jesus; mas há uma diferença. O profeta diz: "Assim diz o Senhor". Sua autoridade é delegada ou emprestada. Dão-lhe uma mensagem, esta não lhe pertence. Jesus diz: "Eu lhes digo". Tem direito a falar, não com autoridade delegada, mas sim porque é quem é.

(3) Existe o veredicto de que está louco (versículo 20). Agora, o certo é que ou Jesus é a única pessoa completamente corda que existe no mundo, ou que estava louco. Escolheu a cruz quando teria podido ser poderoso. Foi um servo sofredor, quando poderia ter sido um rei conquistador. Lavou os pés de seus discípulos, quando tivesse podido ter ao homens ajoelhados a seus pés. Veio para servir, quando teria podido submeter o mundo à servidão. O que nos dão as palavras de Jesus não é senso comum, e sim senso fora do comum. Jesus mudou os valores do mundo, porque traz para um mundo enlouquecido a suprema saúde de Deus.

(4) Afirma-se que busca seduzir. As autoridades judaicas viam nele alguém que apartava os homens da verdadeira religião. O fato concreto é que Jesus foi acusado de cada um dos pecados possíveis contra a religião. Foi acusado de violar o sábado, de ser um bebedor e um glutão, de ter os amigos menos respeitáveis, de destruir a religião ortodoxa. Não resta a menor dúvida de que se preferirmos nossa idéia sobre a religião à idéia dele, aparecerá como alguém que busca seduzir a outros; e uma das coisas mais difíceis para qualquer ser humano é reconhecer que está equivocado.

(5) Afirma-se que é um homem valente (versículo 26). Algo do que ninguém jamais duvidou foi de sua coragem franca e clara. Teve a coragem moral de desafiar as convenções e de ser diferente. Tinha a coragem física que podia suportar a dor física mais terrível. Teve a coragem de continuar quando sua família o abandonou, seus amigos falharam e um de seus próprios discípulos o traiu. Aqui o vemos entrando em Jerusalém com coragem, quando entrar nessa cidade era o mesmo que ir à cova dos leões. Jesus "tinha tanto temor de Deus que jamais experimentou temor perante nenhum homem".

(6) Afirma-se que tem a mais dinâmica das personalidades (versículo 46). O veredicto dos oficiais que foram prendê-lo e voltaram com as mãos vazias, foi porque que jamais nenhum homem tinha falado como ele. Julián Duguid nos relata que em uma oportunidade viajou no mesmo transatlântico que Sir Wilfred Grenfell e diz que quando este entrava em uma habitação alguém o advertia embora estivesse sentado de costas à porta, por uma espécie de onda de vitalidade que emanava de sua pessoa.

Quando refletimos sobre a forma em que este carpinteiro da Galiléia se confrontou com os mais poderosos da região e os dominou até que foram eles os julgados e não ele, não podemos deixar de reconhecer que foi ao menos uma das maiores personalidades da história. A imagem de um Cristo suave e anêmico não serve. Fluía dele um poder que fazia com que aqueles que tinha sido enviados para prendê-lo voltassem com as mãos vazias e confundidos.

(7) Existe o veredicto de que era o Cristo, o Ungido de Deus. Nada menos que isto é suficiente. Não há a menor duvida de que Jesus Cristo não se encaixa em nenhuma das categorias humanas. Estas são inúteis para descrevê-lo e seu efeito sobre os homens; só serve a categoria do divino. Antes de terminar com a análise geral deste capítulo, devemos assinalar outras três reações para com Cristo.

(1) Temos a reação de temor por parte da multidão (versículo 13). Falavam dele mas tinham medo de elevar a voz. A palavra que emprega João é onomatopéica — quer dizer, uma palavra que imita o som do que designa. Trata-se da palavra goggusmos (em grego, dois g se pronunciam ng). Indica uma espécie de protesto, rumor, um tom que denota descontentamento. É a palavra que se emprega para indicar os protestos do povo de Israel no deserto quando se queixavam de Moisés. Murmuravam as queixas que temiam expressar em voz alta. O medo pode impedir que um homem faça uma manifestação clara e aberta de sua fé e pode fazer com que torne um murmúrio indiferenciado, semi-audível. O cristão jamais teme dizer ao mundo em voz muito alta que crê em Cristo.

(2) A reação de alguns dos componentes da multidão foi crer (versículo 31). Estes eram os homens e mulheres que não podiam negar ou deixar de crer no testemunho de seus próprios olhos. Escutaram o que dizia Jesus, viram o que fazia, confrontaram-se com essa personalidade dinâmica, e creram. Se alguém se livrar de preconceitos e temores, não tem mais remédio que crer.

(3) Temos a reação de Nicodemos. Sua reação foi a de defender a Jesus (versículo 50). Nessa reunião das autoridades judaicas ele foi o único homem que levantou a voz para defender a Jesus Cristo. Esse é o dever de cada um de nós, Ian Maclaren estava acostumado a dizer a seus alunos quando tinham que pregar: "Dediquem uma palavra amável a Jesus Cristo". Na atualidade vivemos em um mundo estranho. Vivemos em um mundo que é hostil ao cristianismo de muitas maneiras e em muitos lugares, mas o mais estranho é que o mundo jamais esteve tão disposto a falar sobre Jesus e a discutir a respeito da religião. Vivemos em uma geração na qual cada um de nós pode obter o título de "Defensor da fé". O privilégio que Deus nos deu é o de poder ser, todos nós, advogados defensores de Jesus Cristo perante a critica — e às vezes a brincadeira — dos homens.


A AUTORIDADE SUPREMA
Estudo sobre João 7:15-18

Já vimos que é muito provável que algumas partes do Evangelho de João tenham sido mal situadas. Pode ser que ele nunca tenha tido tempo ordenado, e logo se reuniram as folhas sobre as que tinha escrito, em uma ordem que não era o original. Esta seção e a que segue são um dos exemplos mais claros de uma localização incorreta. Tal como aparecem estas duas passagens aqui carecem de sentido; não têm nenhuma relação com o contexto. É quase seguro que não é este o lugar que lhes corresponde, mas sim deveriam estar situados depois de 5:47. O capítulo 5 relata a cura do paralítico junto ao lago. O milagre se fez em um sábado e as autoridades judaicas o consideraram uma violação do dia de descanso. Jesus citou para sua defesa as palavras de Moisés e disse que se realmente conhecessem o significado destas Escrituras, e se cressem nelas de verdade, também creriam nele. O capítulo conclui: “Se, de fato, crêsseis em Moisés, também creríeis em mim; porquanto ele escreveu a meu respeito. Se, porém, não credes nos seus escritos, como crereis nas minhas palavras?” (João 5:46-47). Se daqui passamos a ler João 7:15-24, a relação resulta muito evidente. Jesus acaba de referir-se aos escritos de Moisés e em seguida as surpreendidas autoridades judaicas irrompem: "Como pode este homem ler se não recebeu educação alguma?" Compreenderemos muito melhor o sentido e a importância de João 7:15-24 se supusermos que está mal situado e que seu lugar original era depois de João 5:47. Tendo esta relação presente, nos concentremos na passagem.

A crítica que as autoridades judaicas faziam era que Jesus carecia de educação. É a mesma acusação que se elevou contra Pedro e João quando se confrontaram com o Sinédrio (Atos 4:13). Jesus não tinha assistido a nenhuma escola rabínica. O costume ditava que só o discípulo de um mestre acreditado, alguém que tinha estudado com um dos grandes rabinos, podia expor as Escrituras e falar sobre a Lei. Nenhum rabino fazia jamais uma afirmação por conta própria. Sempre começava com estas palavras: "Há um ensino que diz que.. " E passava a citar passagens e autoridades para corroborar cada afirmação que pronunciava. E aqui estava este carpinteiro da Galiléia, este homem carente por completo de educação, que ousava citar e expor a Moisés frente a eles.

Jesus poderia ter caído na armadilha com toda facilidade. Poderia ter dito: "Não necessito nenhum mestre; auto-eduquei-me; tirei meus ensinos, minha sabedoria e minha doutrina de mim mesmo." Mas não foi isso o que disse. Disse o seguinte: "Perguntam-me quem foi meu mestre? Perguntam-me que autoridade posso invocar para dizer o que digo e para minha exposição das Escrituras? Meu mestre e minha autoridade é Deus." Jesus nunca disse que tinha aprendido por si mesmo; disse que Deus tinha sido seu mestre. De fato, é algo que afirma com bastante freqüência. “Porque eu não tenho falado por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, esse me tem prescrito o que dizer” (João 12:49). “As palavras que eu vos digo não as digo por mim mesmo;” (João 14:10).

Frank Salisbury fala sobre a carta que recebeu depois de ter concluído seu grande quadro sobre o enterro do soldado desconhecido na Abadia do Westminster. Um colega lhe escreveu dizendo: "Quero felicitá-lo pelo grande quadro que pintou — ou, melhor, pelo quadro que Deus lhe ajudou a pintar."

Todas as grandes criações da mente ou do espírito são dadas por Deus. Nenhum grande nome diria que descobriu a verdade; ele se limitaria a dizer com toda humildade e gratidão que Deus lhe revelou sua verdade. Se nos gabarmos de ter aprendido por nós mesmos, se dissermos que todo descobrimento que fazemos é nossa obra sem nenhuma outra ajuda, em última instância, só exaltamos nossa própria reputação e nosso próprio eu. O grande homem não pensa nunca no poder de sua mente ou de suas mãos; só pensa no Deus que lhe disse o que sabe e lhe ensinou a fazer o que pode fazer.

Mas, além disso, Jesus estabelece uma verdade universal da vida. Diz que só o homem que faz a vontade de Deus pode entender os ensinos de Deus. Agora, esta não é uma verdade teológica, mas uma verdade universal. Aprendemos fazendo. Um médico pode aprender a técnica da cirurgia lendo livros de texto. Pode saber, em teoria, como realizar todas as operações possíveis. Mas isso não o torna cirurgião; deve aprender cirurgia praticando operações, deve aprender fazendo. Alguém pode saber como funciona o motor do automóvel; em teoria, pode ser capaz de efetuar todos os acertos e ajustes possíveis; mas isso não o torna engenheiro; deve aprender fazendo. 

O mesmo acontece com a vida cristã. Se esperarmos até ter compreendido tudo, jamais começaremos. Mas se começarmos por fazer a vontade de Deus tal como a conhecemos, sua verdade ficará cada vez mais clara para nós. Aprendemos fazendo. Se alguém disser: Não posso ser cristão porque há tantas coisas da doutrina cristã que não compreendo, que devo esperar até entender completamente", a resposta é: "Você nunca a entenderá toda: mas se começar aqui, neste mesmo instante, a viver uma vida cristã, não há dúvida que entenderá cada vez  mais à medida que os dias passem." No cristianismo, como em todas as outras coisas, a forma de aprender é fazendo.

Lembremos que esta passagem deveria vir depois da cura do homem paralítico. Jesus foi acusado de maldade por ter curado a alguém no dia de sábado. Agora ele passa a demonstrar que foi completamente sincero ao procurar só a glória de Deus e que não houve nenhum tipo de maldade em sua ação.


UM ARGUMENTO SÁBIO
Estudo sobre João 7:19-24

Antes de analisar esta passagem detalhadamente, devemos assinalar um elemento. Devemos imaginar esta cena como uma discussão entre Jesus e as autoridades judaicas rodeadas pela multidão. A multidão ouve o desenvolvimento da discussão. Jesus se propõe justificar sua ação ao ter curado o paralítico no sábado, pelo qual desobedeceu a Lei sabática. Começa afirmando que Moisés lhes deu a Lei do sábado e que, no entanto, nenhum deles a observa de modo absoluto e literal. Em seguida veremos o que quis dizer com isto. Se ao curar um homem Ele desobedece a Lei, por que eles, que também desobedecem a Lei sabática, querem matá-lo? Neste momento, é a multidão que interrompe com a exclamação: "Estás louco!" e a pergunta: "Quem quer te matar?"

A multidão ainda não percebeu o ódio maligno de suas autoridades: ainda não sabem nada dos planos para eliminá-lo. Lembremos que esta passagem pertence em realidade ao capítulo 5 e não ao 7. Crêem que Jesus tem uma mania persecutória, que sua imaginação está perturbada e sua mente alterada; e crêem todo isso porque não conhecem os fatos. Jesus não respondeu à pergunta da multidão. Em realidade não se tratava de uma pergunta; era a interjeição de um espectador. Jesus prossegue com a exposição de seu argumento.

Seu argumento é o seguinte. A Lei dizia que era preciso circuncidar os meninos no oitavo dia do nascimento. “E, no oitavo dia, se circuncidará ao menino” (Levítico 12:3). É evidente que com freqüência o oitavo dia caía no sábado. E a lei estabelecia com toda clareza que "podia-se fazer todo o necessário para a circuncisão no sábado." Isto está expresso com as mesmas palavras na Mishna que é a codificação da Lei dos escribas.

De maneira que o argumento de Jesus expressa o seguinte: "Vocês dizem que observam com exatidão a Lei que receberam de Moisés. Dizem que observam a Lei que expressa que não se pode fazer nenhum trabalho no dia de sábado, e com o título de trabalho vocês incluíram todo tipo de atenção médica que não seja necessária para salvar uma vida. E entretanto, vocês mesmos permitiram que se leve a cabo a circuncisão no dia de sábado. Agora, a circuncisão são duas coisas. É uma atenção médica a uma parte do corpo de um homem, e o corpo tem duzentas e quarenta e oito partes. (Esse era o cálculo que faziam os judeus.) Mais ainda, a circuncisão é um tipo de mutilação; implica tirar algo do corpo. Como podem me culpar com razão por curar todo o corpo de um homem; e como podem me culpar por tornar o corpo de um homem em algo são e completo quando vocês mesmos o mutilam no dia de sábado?"

Trata-se de um argumento extremamente elaborado e inteligente. Se for legal fazer uma operação que mutila o corpo no dia de sábado, não pode ser ilegal levar a cabo uma operação que cura o corpo. De maneira que Jesus termina dizendo que busquem olhar além da superfície das coisas, que busquem julgar com justiça; e se o fazem já não poderão acusá-lo de quebrantar a lei.

Pode ser que uma passagem deste tipo nos pareça algo remoto, mas o certo é que quando lemos uma passagem assim vemos em ação a mente aguda, clara, profunda e lógica de Jesus, e o vemos enfrentar os homens mais sábios e inteligentes de sua época com suas próprias armas e em seus próprios termos; e podemos ver como os vence.


A AFIRMAÇÃO DE CRISTO
Estudo sobre João 7:14,25-30

Já vimos que o mais provável é que os versículos 15-24 deveriam ir depois de 5:47. A introdução a esta passagem está em realidade no versículo 14, de maneira que, para ver a relação, começamos no versículo 14 e depois passamos ao 25.

A multidão se surpreendeu ao ver Jesus pregar dentro do templo. De ambos os lados do Pátio dos Gentios se estendiam duas colunatas ou pórticos — o Pórtico Real e o Pórtico de Salomão. Por estes lugares caminhava o povo e ensinavam os rabinos, e devia ser ali onde Jesus estava ensinando. O povo conhecia muito bem a hostilidade das autoridades para com Jesus; e se sentia muito surpreendida ao ver a coragem que manifestava ao desafiar a tais autoridades. E mais surpreso ainda se sentia ao ver que lhe permitiam ensinar sem incomodá-lo e sem lhe pôr obstáculos.

De repente tiveram imaginaram algo: "Poderá ser que, depois de tudo, este homem seja o Messias, o Ungido de Deus, e que as autoridades saibam disso?" Mas tão logo tiveram a idéia a abandonaram. A objeção que puseram foi que sabiam de onde vinha Jesus. Sabiam que seu lar estava em Nazaré, sabiam quem eram seus pais, seus irmãos e irmãs; não havia nenhum mistério a respeito de seus antecedentes. Agora, isso era exatamente o oposto à crença popular que sustentava que o Messias apareceria.

A idéia era que estava esperando, escondido em algum lugar, e que algum dia apareceria de repente no mundo e ninguém saberia de onde tinha vindo. Criam saber que o Messias nasceria em Belém, porque essa era a cidade de Davi, mas também estavam convencidos de que não se saberia nada mais sobre Ele. Uma frase rabínica dizia: "Três são as coisas que vêm sem que ninguém as espere: o Messias, a boa sorte e um escorpião". O Messias apareceria na mesma forma imprevista e assombrosa em que um homem tropeça com a boa sorte ou pisa em um

escorpião escondido. Vários anos depois, quando o mártir Justino falava e discutia com um judeu sobre suas crenças, o judeu disse com referência ao Messias: "Embora o Messias já tenha nascido e exista em alguma parte, ainda não é conhecido e ele mesmo ignora seu caráter de Messias e carece de todo poder até descer Elias para ungi-lo e dá-lo a conhecer." Todas as crenças populares judaicas estavam tintas da convicção de que se daria uma aparição repentina do Messias. Irromperia no mundo de maneira misteriosa, ninguém saberia de onde tinha saído. No que respeita a Jesus, não se adequava a essa idéia absolutamente. Para os judeus sua origem não constituía nenhum mistério.

Esta crença é própria de certa atitude mental que prevalecia entre os judeus e que por certo ainda não desapareceu: a atitude mental que busca a Deus no anormal e no fora do comum. Nunca poderiam ser persuadidos de que deviam ver a Deus nas coisas mais cotidianas. As coisas deviam ser extraordinárias para poder pensar que Deus estava nelas. O ensino do cristianismo é justamente o contrário disto. Se Deus só vier ao mundo no anormal, no pouco comum, no extraordinário, quer dizer que estará muito pouco no mundo; enquanto que se podemos buscá-lo e encontrá-lo nas coisas cotidianas quer dizer que Deus sempre está presente. O cristianismo não vê este mundo como um lugar ao que Deus vem muito de vez em quando; vê-o como um mundo impregnado de Deus, do qual Deus nunca está ausente.

Como resposta a estas queixas e objeções do povo Jesus afirmou duas coisas que escandalizaram tanto à multidão como às autoridades. Disse que era muito certo que sabia quem Ele era e de onde tinha vindo; mas também era certo que, em última instância, tinha vindo diretamente de Deus. Indubitavelmente, procedia de Nazaré; mas era mais certo ainda que procedia de Deus. Em segundo lugar, disse que eles não conheciam a Deus mas ele sim. Era um insulto muito cruel dizer ao povo escolhido que não conhecia a Deus.

Que maior insulto que dizer ao povo de Deus que não conhecia a Deus? Era uma pretensão incrível a de afirmar que Ele era o único que conhecia a Deus, que estava em uma relação tão única com Deus, que tinha vindo de maneira tal de Deus e a Ele voltaria, que conhecia a Deus como nenhum outro.

Este é um dos momentos cruciais na vida de Jesus. Até este momento as autoridades o tinham visto como um revolucionário e um rebelde que infringia a Lei do sábado, coisa bastante grave, por certo. Mas de agora em diante é culpado, não de desobedecer a Lei do sábado, mas sim do pecado supremo, o pecado de blasfêmia. Tal como eles o viam Jesus falava sobre Israel e sobre Deus em uma forma que nenhum ser humano tinha direito de falar.

De fato, esta é justamente a opção que continua diante de nós. Ou o que disse Jesus a respeito de si mesmo é falso, em cujo caso é culpado de uma blasfêmia como a que nenhum homem se atreveu a pronunciar jamais; ou o que disse a respeito de si mesmo é verdade, em cujo caso é o que disse ser, e só se pode dizer dele que é o Filho de Deus. Jesus nos deixa a opção; devemos aceitá-lo ou rechaçá-lo por completo. É por isso que todos os homens devem decidir-se em favor ou contra Jesus Cristo.


BUSCA — A TEMPO
Estudo sobre João 7:31-36

Alguns dos que estavam entre a multidão não podiam deixar de crer que Jesus era o Ungido de Deus. Pensavam que ninguém podia fazer coisas maiores das que Ele estava fazendo. De fato, esse foi o mesmo argumento que empregou Jesus quando João Batista se perguntava se Ele era aquele que devia vir ou se tinha que esperar a outro. Quando João lhe enviou seus mensageiros, Jesus respondeu: Vão, e façam João saber as coisas que me viram fazer. Isso o convencerá (Mateus 11:1-6). O mesmo fato de que houvesse alguns que estavam ao bordo da aceitação incitou às autoridades a atuar. Enviaram seus oficiais — é muito provável que fosse a polícia do templo — para prendê-lo. A resposta de Jesus foi que ele só estava com eles por pouco tempo; e que viria o dia em que o buscariam, não para prendê-lo, mas para obter o que ele sozinho podia lhes dar, mas que já seria muito tarde. Teria ido a um lugar onde eles não poderiam segui-lo.

Jesus quis dizer que voltaria para seu Pai, de quem eles se apartaram por sua desobediência e rebeldia. Mas não compreenderam. Durante séculos os judeus tinham estado dispersos por todo mundo. Às vezes foram exilados pela força; em outras ocasiões tinham emigrado a outras terras em épocas de grande sofrimento em seu país. Havia um termo que designava a estes judeus que viviam fora da Palestina. Eram chamados a diáspora, a dispersão. Os especialistas ainda empregam o termo judeus da diáspora quando se referem aos judeus que vivem fora da Palestina. Essa é a frase que o povo usou nesta oportunidade. Perguntavam-se: "Acaso este Jesus irá embora da Palestina? Irá-se à diáspora? Irá unir-se aos gregos perdendo-se assim nas multidões do mundo pagão? Escapará tão longe que ninguém poderá encontrá-lo?" É surpreendente como uma brincadeira se converteu em profecia. O que os judeus disseram como uma piada, à medida que passaram os anos se tornou uma bela realidade; o Cristo ressuscitado se aproximou dos pagãos. Esses judeus zombadores não sabiam a verdade que estavam dizendo.

Esta passagem nos enfrenta com a promessa e a ameaça de Jesus. Jesus havia dito: “Buscai e achareis” (Mateus 7:7). Agora diz: “Vós me buscareis e não me achareis” (João 7:34). Séculos antes o ancião profeta tinha posto as duas coisas em uma frase muito bonita: “Buscai ao SENHOR enquanto se pode achar” (Isaías 55:6). O que caracteriza a esta vida é que o tempo é limitado; a triste realidade da vida é que chega um momento em que a oportunidade de fazer algo, ou até a possibilidade de fazê-lo, desaparecem. A força física declina, e há coisas que um homem pode fazer aos trinta que já não lhe são possíveis aos sessenta. A capacidade mental se debilita e há marcas mentais às quais um homem pode dedicar-se em sua juventude que o superam quando envelhece. A fibra moral é menos vigorosa, e se alguém permite que um hábito o domine pode chegar o dia em que não poderá desfazer-se dele, embora o princípio ele poderia tê-lo rechaçado, até com facilidade. O mesmo acontece conosco e Jesus Cristo. O que Jesus dizia àquele povo é o seguinte: "Vocês podem despertar para um sentimento de necessidade quando for muito tarde."

Um homem pode rechaçar a Cristo durante tanto tempo, pode tomar o caminho equivocado durante tanto tempo, que no final já nem sequer veja a beleza de Cristo, e o mal se converta em seu bem, e o arrependimento se torne impossível. Enquanto haja vida, enquanto o pecado nos doa e enquanto o bem inalcançável nos chame e esteja presente em nossos desejos, ainda existe a possibilidade de procurar e encontrar. Mas o indivíduo deve cuidar para não acostumar-se tanto ao pecado que já não saiba que está pecando, de não fazer-se tão indiferente a Cristo que já não veja nenhuma beleza nele, de rechaçar a Deus durante tanto tempo que no final não saiba que há um Deus, porque nesse caso desaparece o sentido de necessidade, e se não há sentido de necessidade, não podemos buscar, e se não buscarmos nunca encontraremos. Algo que o homem jamais deve perder é seu sentido do
pecado.


A FONTE DE ÁGUA VIVA
Estudo sobre João 7:37-44

Todos os acontecimentos que se relatam neste capítulo se desenvolveram durante a festa dos Tabernáculos. Para poder entender bem esta passagem devemos conhecer o significado, e ao menos parte do ritual, desta festa.

A festa dos Tabernáculos era a terceira do trio de grandes festas judias; todos os judeus adultos varões que vivessem dentro de um raio de trinta quilômetros de Jerusalém tinham a obrigação de assisti-las. As três festas eram a Páscoa, a festa de Pentecostes e a dos Tabernáculos ou das Cabanas. Caía no dia quinze do sétimo mês, quer dizer, ao redor de 15 de outubro. Como todas as grandes festas judias tinha um duplo significado. Em primeiro lugar tinha um sentido histórico. Recebia esse nome porque durante sua celebração o povo abandonava suas casas e vivia em pequenas cabanas. Durante a festa apareciam cabanas por toda parte: sobre os tetos das casas, nas ruas, nas praças, nos jardins e até nos pátios do templo. A Lei indicava que as cabanas não deviam ser estruturas permanentes, mas sim era preciso construí-las especialmente para essa ocasião. As paredes eram feitas de ramos e folhas, e deviam ser feitas de tal maneira que protegessem contra a intempérie mas que deixassem passar o Sol. O teto devia ser de palha mas posto em forma que se pudessem ver as estrelas pelas noites. O significado histórico de tudo isto era lembrar as pessoas de maneira que nunca o esquecessem, que em uma época tinham vagado pelo deserto sem um teto para protegê-los (Levítico 23:40-43). O propósito era "que suas gerações saibam que eu fiz com que o povo do Israel vivesse em cabanas quando os tirei da terra do Egito." Em um princípio tinha durado sete dias, mas na época de Jesus lhe tinham agregado um oitavo. De maneira que o significado histórico da festa das Cabanas era lembrar os judeus que em uma época o povo de Israel tinha vagado pelo deserto antes de estabelecer-se na Terra Prometida.

Em segundo lugar, tinha um significado agrícola. Acima de todas as coisas era um festival de agradecimento pelas colheitas. Às vezes é chamada Festa da Colheita (Êxodo 23:16; 34:22). Para o povo judeu representava a mais popular das festas. É por isso que às vezes só a chamavam a festa (1 Reis 8:2), e às vezes a Festa do Senhor (Levítico 23:39). Sobressaía-me dentre todas as outras celebrações. O povo a chamava "a estação de nossa alegria". Como chegava a fins de outono, era a época mais feliz porque assinalava a colheita de todos os frutos; já se tinha recolhido a cevada, o trigo e a uva. Conforme a Lei o estabelecia, era preciso celebrá-la “à saída do ano, quando tiveres colhido do campo o teu trabalho” (Êxo. 23:16); e era preciso observá-la “quando colheres da tua eira e do teu lagar” (Deut. 16:13). Não era o agradecimento por uma colheita em particular, mas sim por todos os frutos da natureza que faziam possível a vida e que faziam feliz a existência. No sonho de Zacarias sobre o novo mundo este era o festival que era preciso celebrar em todos os rincões do mundo (Zac. 14:16-18).

Josefo o chamou "a mais santa e maior festa entre os judeus" (Antiguidades, 3.10.4). Não era só uma ocasião para os ricos e poderosos e para aqueles que em geral tinham muito. Era estabelecido que o servo, o estrangeiro, a viúva e o pobre deviam compartilhar a alegria universal. Havia uma cerimônia especial relacionada com esta festa. Dizia-se aos adoradores que tomassem “ramos de palmeiras, ramos de árvores frondosas e salgueiros de ribeiras” (Levítico 23:40). Os saduceus diziam que se tratava de uma descrição do material com o qual se deviam construir as cabanas. Os fariseus sustentavam que era uma descrição das coisas que deviam trazer os fiéis quando foram ao templo. Naturalmente, o povo aceitava a interpretação dos fariseus, porque lhes permitia participar de uma cerimônia muito vital.

Esta cerimônia especial está muito relacionada com esta passagem e com as palavras de Jesus. É muito provável que tenha tido isto em mente ao falar e, possivelmente, também o tenha tido como pano de fundo físico. Em cada dia da festa o povo se aproximava do templo com seus ramos de palmeiras e de salgueiros. Formavam uma espécie de teto ou pano de fundo com elas, e partiam em volta do altar maior. Ao mesmo tempo um sacerdote tomava uma jarra de ouro que continha três logs — um pouco mais de um litro — e descia ao lago de Siloé onde o enchia de água. Levava-o de volta passando pela Porta da Água enquanto os fiéis recitavam Isaías 12:3: “E vós, com alegria, tirareis águas das fontes da salvação”. Levava-se a água ao templo e ao altar e a derramava sobre este como oferta a Deus. Enquanto se levava a cabo esta cerimônia, o coro dos levita cantava o Hallel — quer dizer, os Salmos 113-118— com acompanhamento de flautas. Quando chegavam às palavras “Louvai ao SENHOR” (Salmo 118:1), e às palavras “Oh! Salva-nos, SENHOR” (Salmo 118:25), e por último às palavras finais “Rendei graças ao SENHOR” (Salmo 118:29), os fiéis gritavam e sacudiam sua palmas para o altar. Toda a dramática cerimônia era um vívido agradecimento pelo dom divino da água, uma oração para pedir chuva, e uma lembrança da água que surgiu da rocha quando vagavam pelo deserto. O último dia a cerimônia era ainda mais impressionante porque partiam sete vezes ao redor do altar em lembrança das sete vezes que partiram ao redor das muralhas do Jericó, depois do que estas foram derrubadas e o povo tomou a cidade.

Foi nesse cenário, e possivelmente nesse mesmo momento, quando ressonou a voz de Jesus: "Se alguém tiver sede, venha a mim e beba." É como se dissesse: "Vocês agradecem e glorificam a Deus pela água que sacia a sede de seus corpos. Venham a mim se quiserem a água que saciará a sede de suas almas." Jesus estava aproveitando esse momento dramático para dirigir o pensamento dos homens à sua sede de Deus e das coisas eternas.


A FONTE DE ÁGUA VIVA
Estudo sobre João 7:37-44 (continuação)

Agora que vimos o vívido pano de fundo desta passagem, devemos estudá-lo com maior detenção. A promessa de Jesus nos apresenta um problema. Jesus disse: “Quem crer em mim, como diz a Escritura, do seu interior fluirão rios de água viva.” Ele pôs a frase com a expressão "como diz a Escritura". Agora, ninguém pôde encontrar a citação exata a que faz referência; e a pergunta é: O que é que exatamente quer dizer?

Há duas possibilidades muito claras.

(1) Pode referir-se ao homem que vai a Jesus Cristo e o aceita. Esse homem terá em seu interior um rio de água refrescante. Seria outra forma de expressar o que disse Jesus à mulher de Samaria: “A água que eu lhe der será nele uma fonte a jorrar para a vida eterna”" (João 4:14). Seria outra maneira de expressar a formosa frase do Isaías: “O SENHOR te guiará continuamente, fartará a tua alma até em lugares áridos e fortificará os teus ossos; serás como um jardim regado e como um manancial cujas águas jamais faltam” (Isaías 58:11). O sentido seria que Jesus pode dar aos homens a força vitalizadora do Espírito Santo. Os judeus situavam todos os sentimentos, emoções e pensamentos em determinadas partes do corpo. O coração era a sede do pensamento e do intelecto; os rins e o ventre eram a sede das emoções e sentimentos mais íntimos. Como diz o autor de Provérbios: “O espírito do homem é a lâmpada do SENHOR, a qual esquadrinha todo o mais íntimo do corpo” (Provérbios 20:27). Isto significaria que Jesus nos prometia essa corrente purificadora, refrescante, vitalizadora do Espírito Santo para que nossos pensamentos, emoções e sentimentos se purificassem, revitalizassem e fossem cheios com uma vida nova. É como se Jesus tivesse dito: "Venham a mim; me aceitem; e porei em vós através de meu Espírito uma vida nova que lhes dará pureza e satisfação, e que eliminará todas suas frustrações e desejos insatisfeitos e lhes dará o tipo de vida que sempre vocês desejaram mas que jamais conseguiram." Qualquer que seja a interpretação que escolhamos, não há dúvida que é verdadeira.

(2) A outra interpretação é que esta oração pode fazer referência ao próprio Jesus. "Do seu interior fluirão rios de água viva”, pode referir-se a Jesus. Pode ser uma descrição do Messias que Jesus tira de alguma parte que nós não podemos identificar, e a aplica a sua pessoa. Os cristãos sempre identificaram a Jesus com a rocha que deu água aos israelitas no deserto (Êxo. 17:6). Paulo tomou essa imagem da rocha e a aplicou a Cristo (1 Cor. 10:4). João relata que quando o soldado abriu o lado de Jesus com uma lança, brotou sangue e água (João 19:34). A água representa a purificação que vem com o batismo e o sangue a morte expiatória de Jesus. Este símbolo da água que dá vida que provém de Deus aparece várias vezes no Antigo Testamento (Salmo 105:41; Ezequiel 47:1,12). Joel apresenta a imagem: “sairá uma fonte da Casa do SENHOR” (Joel 3:18).

Pode ser que João conceba a Jesus como a fonte da qual flui a corrente purificadora. A água é aquilo sem o qual o homem não pode viver; e Cristo é aquele sem o qual o homem não pode viver e não se anima a morrer. Dele provém o dom do Espírito que poda e fortalece a vida. Mais uma vez, qualquer que seja a interpretação que escolhamos, também é profundamente verdadeira. Já seja que consideremos que esta imagem se refere a Cristo ou ao homem que aceita a Cristo, quer dizer que de Cristo fluem o poder, a força e a purificação que são as únicas coisas que podem nos dar a vida no verdadeiro sentido da palavra.

Nesta passagem há algo surpreendente. No versículo 39, no melhor manuscrito grego, encontramo-nos com esta estranha afirmação: “Pois não havia ainda Espírito” (Bíblia de Jerusalém). O que quer dizer isto? Pensemo-lo deste modo. Durante anos e inclusive séculos pode haver um poder muito grande sem que os homens sejam capazes de descobri-lo. O poder está ali embora os homens não saibam. Para tomar um exemplo muito conspícuo — sempre existiu a força atômica neste mundo. Os homens não a inventaram; sempre esteve ali. Mas só em nosso século os homens a descobriram e a empregaram. O Espírito Santo sempre existiu; mas os homens nunca desfrutaram em realidade de todo o poder do Espírito até depois do Pentecostes. Tinham tido visões do Espírito, breves experiências, mas só depois do Pentecostes se abriram as comportas e a corrente do Espírito se precipitou sobre os homens. E, como se disse com muita acuidade: "Não poderia haver Pentecostes sem o Calvário." Só quando os homens conhecem Cristo chegam a conhecer realmente o Espírito.

Antes disso o Espírito tinha sido um poder, mas agora é uma pessoa, porque o Espírito tornou para nós nada menos que na presença e no poder do Cristo ressuscitado que está sempre conosco. Neste dito aparentemente surpreendente, João não diz que o Espírito não existia; mas que foi preciso a vida e a morte de Jesus Cristo para chegar o Pentecostes, e para abrir as comportas para que o Espírito se tornasse algo real e poderoso para todos os homens.

Mas devemos notar como esta passagem termina. Alguns pensavam que Jesus era o Profeta que Moisés tinha prometido (Deut. 18:15). Outros pensavam que era o Ungido de Deus; e a seguir se estabeleceu uma discussão a respeito de se o Ungido de Deus devia vir de Belém ou não. E aqui está o trágico. Uma experiência religiosa fundamental terminou na aridez de uma discussão teológica.

Isso é o que devemos evitar acima de todas as coisas. Jesus Cristo não é alguém sobre quem discutir; é alguém a quem devemos conhecer, amar e desfrutar. Se nós tivermos uma opinião sobre Ele e outra pessoa tem uma opinião diferente, não tem nenhuma importância enquanto ambos encontremos nele o Salvador e o aceitemos como Senhor. Mesmo que expliquemos nossa experiência religiosa de modos diferentes, isso não deve nos dividir, porque o que importa sempre é a experiência, e não a explicação que alguém faça dela.


ADMIRAÇÃO INVOLUNTÁRIA E DEFESA TÍMIDA
Estudo sobre João 7:45-53

Aqui nos encontramos com reações muito viva para Jesus.

(1) A reação dos soldados foi de surpresa e confusão. Foram para prender Jesus e voltavam sem Ele, porque nunca tinham ouvido ninguém falar como Jesus. Em realidade, escutar a Jesus é uma experiência nova e sem comparação para qualquer homem.

(2) A reação dos sumos sacerdotes e dos fariseus foi de orgulho e zombaria. Os fariseus usavam uma frase para descrever as pessoas comuns, singelas, que não observavam os milhares de normas da Lei ritual. Chamavam-na com ironia o povo da terra. Para eles, essas pessoas estavam ainda além do desprezo. Casar uma filha com um indivíduo deles era como expô-la amarrada e indefesa a uma besta. "As massas que não conhecem a Lei são malditas." A Lei rabínica dizia: "A respeito do povo da terra há seis coisas estabelecidas: não lhes confiem nenhum testemunho, não tomem nenhum testemunho deles, não lhes confiem nenhum segredo, não os façam guardas de um órfão, não os convertam em custódios de recursos de caridade, não os acompanhem em viagens."

Era proibido ser hóspede de uma destas pessoas ou alojá-la em sua casa. Inclusive era estabelecido que, quando fosse possível não era preciso comprar ou vender nada das pessoas da terra. Em sua orgulhosa aristocracia, seu esnobismo intelectual e orgulho espiritual os fariseus olhavam da imensa altura de seu desprezo ao homem comum. Seu argumento era: "Ninguém que tenha alguma importância espiritual ou acadêmica creu neste Jesus. Só os parvos ignorantes o aceitam." Em realidade é algo terrível quando alguém se considera muito inteligente ou muito bom para necessitar a Jesus Cristo; e pode acontecer ainda hoje.

(3) Temos a reação de Nicodemos. Foi uma reação tímida. Porque Nicodemos não defendeu a Jesus em forma direta. Só se animou a citar algumas máximas legais que eram pertinentes para a ocasião. A Lei estabelecia que todo homem devia receber justiça (Êxodo 23:1; Deuteronômio 1:16). E uma parte da justiça era que devia ter direito de expor seu caso e que não se podia condená-lo baseando-se em acusações indiretas. Os fariseus se propunham a desobedecer essa Lei. É evidente que Nicodemos não levou mais longe seu protesto. O coração lhe ditava que devia defender a Jesus, mas a cabeça lhe dizia que não devia correr esse risco. Os fariseus lhe lançaram palavras capciosas; disseram-lhe que era muito evidente que da Galileia não podia sair nenhum profeta e lhe jogaram na cara que devia ter alguma relação com a chusma de Galileia, e Nicodemos não disse mais nada.

Com muita freqüência alguém se encontra em uma situação em que gostaria de defender a Jesus e em que sabe que deve comprometer-se. Está acostumado a fazer uma defesa sem muito entusiasmo e logo se encerra em um silêncio incômodo e envergonhado. Quando se trata de defender a Jesus, é melhor ser arriscados com nosso coração antes que prudentes com a cabeça. Defender a Jesus pode nos conduzir uma falta de popularidade e a risada de outros; pode significar inclusive dificuldades e sacrifícios. Mas subsiste o fato de que Jesus disse que confessará perante seu Pai o homem que o tiver confessado na Terra, e que negará perante seu Pai o homem que o tiver negado. A lealdade a Jesus pode conduzir a uma cruz na Terra mas traz uma coroa na eternidade.