Estudo sobre João 6
Estudo sobre João 6
Os pães e os peixes - 6:1-13
O significado de um milagre - 6:1-13 (cont.)
A resposta da multidão - 6:14-15
Uma ajuda bem presente em momentos de necessidade - 6:16-21
A busca equivocada - 6:22-27
A única obra verdadeira - 6:28-29
O pedido de um sinal - 6:30-34
O pão da vida - 6:35-40
O fracasso dos judeus - 6:41-50
Sua carne e seu sangue - 6:51-59
Sua carne e seu sangue - 6:51-59 (cont.)
O espírito fundamental - 6:60-65
Atitudes para com Cristo - 6:66-71
Os pães e os peixes - 6:1-13
O significado de um milagre - 6:1-13 (cont.)
A resposta da multidão - 6:14-15
Uma ajuda bem presente em momentos de necessidade - 6:16-21
A busca equivocada - 6:22-27
A única obra verdadeira - 6:28-29
O pedido de um sinal - 6:30-34
O pão da vida - 6:35-40
O fracasso dos judeus - 6:41-50
Sua carne e seu sangue - 6:51-59
Sua carne e seu sangue - 6:51-59 (cont.)
O espírito fundamental - 6:60-65
Atitudes para com Cristo - 6:66-71
OS PÃES E OS PEIXES
Estudo sobre João 6:1-13
Havia momentos em que Jesus sentia desejos de afastar-se da multidão de
pessoas que o seguiam. Estava sob uma tensão contínua e precisava descansar. Às
vezes era necessário ficar a sós com os discípulos para conduzi-los com maior
profundeza para uma melhor compreensão de sua pessoa. Necessitava tempo para
orar e para entrar em contato com o poder e a presença de Deus. E nesta
oportunidade era muito acertado afastar-se antes de provocar um enfrentamento
direto com as autoridades, porque ainda não tinha chegado o momento do conflito
final.
De Cafarnaum até a outra margem do mar da Galiléia havia uns sete quilômetros
de distância. Assim Jesus empreendeu a travessia. Mas o povo estivera
observando maravilhada as coisas surpreendentes que fazia. Era fácil ver que
direção tomava o barco, e se apressaram para chegar ao outro lado do lago por
terra. O rio Jordão desembocava no mar da Galiléia pelo extremo Norte. A três
quilômetros da desembocadura estavam os vaus do Jordão. Perto dos vaus havia
uma cidade chamada Betsaida Julia para diferenciá-la da outra Betsaida na
Galiléia, e Jesus se dirigiu a esse lugar (Lucas 9:10). Perto da Betsaida
Julia, quase à beira do lago, há uma pequena planície sempre coberta de erva.
chama-se El-Batiya e seria o cenário deste milagroso acontecimento. Em primeiro
lugar, Jesus subiu pela ladeira até a planície e se sentou ali com seus
discípulos. Logo a multidão começou a aparecer por grupos. Era preciso caminhar
uns quatorze quilômetros para bordejar o lago e cruzar os vaus e o tinham feito
com toda a rapidez de que podiam. Sabemos que se aproximava a festa da Páscoa.
Devia haver mais gente que o habitual nos caminhos.
É muito provável que houvesse muita gente que se dirigia a Jerusalém.
Muitos peregrinos da Galiléia viajavam para o Norte, cruzavam o vau,
atravessavam a Peréia e logo voltavam a cruzar o Jordão perto de Jericó. O
caminho era mais longo mas se evitava o território dos temidos e odiados
samaritanos. É muito possível que a multidão se viu acrescida por peregrinos
que se dirigiam à festa da Páscoa e que já estavam a caminho. Ao ver a
multidão, acendeu-se a compaixão de Jesus. Estavam famintos e cansados e era
preciso dar-lhes de comer. Era natural que se dirigisse a Filipe, porque vinha
de Betsaida (João 1:44) e sem dúvida conheceria o lugar. Jesus lhe perguntou
onde se podia obter comida. Filipe deu uma resposta desesperada. Disse que
embora se pudesse conseguir comida, seriam necessários mais de duzentos
denários para dar uma mínima quantidade a cada um dos componentes dessa vasta multidão.
Um denário representava a diária normal de um operário. Filipe calculou que se
necessitariam as diárias de mais de seis meses para começar a alimentar uma
multidão como esta. Então apareceu André em cena. Tinha encontrado um garoto
que tinha cinco pães de cevada e dois peixinhos. É muito possível que o garoto
os tivesse levado para almoçar. Possivelmente tinha saído para passar o dia
fora e, tal como faria qualquer garoto, se uniu à multidão. André como era seu costume
levava gente à presença de Jesus. O garoto não tinha muito que oferecer. O pão
de cevada era o mais econômico de todos, e o menosprezava.
Na Mishnah há uma disposição a respeito da oferta que uma mulher adúltera
deve apresentar. É obvio que deve levar uma oferta por seu pecado. Em todos os
sacrifícios se fazia uma oferta consistente em uma mescla de farinha, vinho e
azeite. Em geral se empregava farinha de trigo; mas estava estabelecido que, no
caso de uma oferta por adultério, devia empregar-se farinha de cevada, porque a
cevada é a comida das bestas e o pecado da mulher era um pecado bestial. O pão
de cevada era aquele que comiam os muito pobres. Os peixes não seriam muito maiores
que uma sardinha. O peixe em vinagre proveniente da Galiléia era muito
conhecido em todo o Império Romano. Naqueles dias o peixe fresco era um luxo desconhecido
visto que não havia forma de transportá-lo e mantê-lo em boas condições de
consumo. No mar da Galiléia abundavam pequenos peixes semelhantes à sardinha.
Eram pescados e conservados em vinagre como uma espécie de drinque. O garoto
tinha seu peixe em vinagre para acompanhar o seco pão de cevada. Jesus, pois,
disse a seus discípulos que fizessem as pessoas sentarem. Tomou os pães e os
peixes e os abençoou. Ao fazê-lo estava agindo como um pai de família. A ação
de graças que pronunciou provavelmente fora a que se empregava na maioria das
casas judaicas: "Bendito és tu, Senhor nosso Deus, que fazes crescer o pão
da terra". E o povo comeu e se sentiu saciada. Inclusive a palavra que se
usa para significar satisfeito (chortazesthai) resulta sugestiva. Em suas
origens, no grego clássico, era empregada para denominar a alimentação dos cavalos
com forragem, e quando era empregada com respeito às pessoas queria dizer que
estavam empachados, cheios.
Quando o povo ficou saciado, Jesus fez seus discípulos recolherem os
pedaços que tinham sobrado. Por que os pedaços? Nas festas judaicas se
acostumava deixar algo para os servos. O que sobrava recebia o nome do Peah.
Sem dúvida as pessoas deixavam uma parte para aqueles que tinham servido os
pães. Recolheram-se doze cestas de pedaços. Sem dúvida cada um dos discípulos
tinha sua cesta (kofinos). As cestas tinham forma de garrafa. Nenhum judeu saía
de viaje sem sua cesta. Juvenal fala em dois ocasiões (3:14; 6:542) de "o
judeu com sua cesta e seu maço de palha". (O maço de palha era para usar
como cama, porque muitos judeus levavam uma vida nômade). O judeu com sua
inseparável cesta era uma figura muito conspícua. Levava-a, em parte porque era
naturalmente aquisitivo, e em parte porque precisava levar sua própria comida
se tinha que observar as normas judaicas de limpeza e impureza. De maneira que
cada discípulo encheu sua cesta com os pedaços que sobraram. E assim a multidão
faminta foi alimentada com acréscimo.
O SIGNIFICADO DE UM MILAGRE
Estudo sobre João 6:1-13 (continuação)
Nunca saberemos com exatidão o que foi que aconteceu nessa verde
planície da Betsaida Julia. Podemos vê-lo em três formas. (a) Podemos vê-lo
simplesmente como um milagre no qual Jesus multiplicou, literalmente, pães e
peixes. Pode haver aqueles que achem muito difícil imaginar algo semelhante. E
haverá aqueles que achem muito difícil conciliá-lo com o fato de que isso foi
justamente o que Jesus se negou a fazer durante suas tentações, quando declinou
converter as pedras em pães (Mateus 4:3-4). Se podemos crer no caráter puramente
milagroso deste fato, continuemos crendo. Mas se nos sentimos intrigados, há
duas explicações possíveis. (b) Pode ser que em realidade se tratou de uma
comida sacramental. No resto do capítulo a linguagem que Jesus emprega é
idêntica ao da Última Ceia, quando se refere a comer sua carne e beber seu
sangue. Pode ser que nesta refeição em El-Batiya o que cada pessoa recebeu não foi
mais que um fragmento, como no sacramento; e que a emoção e maravilha da
presença de Jesus e da realidade de Deus converteram esta migalha sacramental
em algo que nutriu e saciou os corações e as almas dos homens. Isto é o que
acontece em cada mesa de comunhão até nossos dias. (c) Pode haver outra explicação,
muito bonita. Não se deve pensar que a multidão empreendeu uma expedição de
quatorze quilômetros sem fazer nenhum preparativo. Se entre eles havia
peregrinos, sem dúvida teriam provisões para a viagem. Mas pode ser que nenhum
deles tenha querido oferecer o que tinha, porque com todo egoísmo — e muito
humanamente — queriam guardar tudo para si. Pode ser que Jesus, com seu
estranho sorriso, tirou a pequena provisão que tinha com seus discípulos, com
uma fé radiante deu graças a Deus por ela e a compartilhou com todos. Comovidos
por seu exemplo, todos os que tinham algo o imitaram; e ao final houve comida
suficiente, e mais que suficiente, para todos. Pode ser que se trate de um
milagre no qual a presença de Jesus e seu amor converteram a uma multidão de homens
e mulheres egoístas em uma comunidade disposta a compartilhar tudo. Pode ser
que na presença de Jesus aqueles cuja única idéia consistia em guardar tudo
para si, se tornassem pessoas cuja única idéia era dar.
Possivelmente este relato represente a maior das histórias: um milagre que
trocou a natureza humana, e transformou, não pães e peixes, a não ser homens e
mulheres.
Seja como for, houve algumas pessoas sem as quais o milagre teria sido
impossível.
(1) André é uma delas. Há um contraste entre André e Filipe. Filipe foi
o homem que disse: "A situação é desesperada, não há nada a fazer." André
disse: "Verei o que posso fazer, e confio em que Jesus fará o resto."
Foi André quem levou o garoto a Jesus, e ao fazê-lo fez possível o milagre.
Ninguém nunca sabe o que acontecerá e o que resultado terá o levar alguém à
presença de Jesus. Se um pai educar a seu filho no conhecimento, no amor e no
temor de Deus, ninguém pode dizer que grandes coisas pode realizar esse menino
algum dia para Deus e para os homens. Se o professor de uma escola dominical
aproxima um menino de Cristo, ninguém pode predizer o que esse menino pode
fazer algum dia por Cristo e sua Igreja.
Conta-se uma história a respeito de um ancião alemão, professor de escola,
que ao entrar na sala-de-aula pela manhã costumava tirar o chapéu e fazer uma
reverência a seus alunos. Um deles lhe perguntou por que o fazia. Sua resposta
foi: "A gente nunca sabe o que pode chegar a ser algum dia um destes
garotos." Tinha razão, porque um dos alunos se chamava Martinho Lutero.
André não sabia o que estava fazendo quando aproximou esse garoto a Jesus, mas
estava provendo o material para um milagre. Nunca sabemos que possibilidades
estamos liberando quando levamos alguém a Jesus.
(2) O garoto era outra dessas pessoas. Não tinha muito que oferecer mas
no que ofereceu Jesus encontrou o material para fazer um milagre. Teria havido
um brilhante acontecimento a menos na história se esse garoto se negasse a
aproximar-se ou se tivesse guardado para si seus pães e peixes. A verdade é que
Jesus necessita o que podemos lhe trazer. Pode ser que não tenhamos muito a
oferecer, mas ele necessita o que temos. Pode ser que neguemos ao mundo triunfo
após triunfo e milagre após milagre porque não queremos entregar a Cristo o que
temos e o que somos. Se, tal como somos, nos oferecêssemos no altar do serviço
de Jesus Cristo, ninguém pode dizer as coisas que Cristo poderia fazer conosco
e por meio de nós. Podemos sentir tristeza e vergonha por não poder oferecer
mais coisas, e é correto que o sintamos; mas essa não é
razão para evitar ou negar-se a levar o que temos e o que somos. Um pouco
sempre é muito nas mãos de Cristo.
A RESPOSTA DA MULTIDÃO
Estudo sobre João 6:14-15
Aqui temos a reação da multidão. Os judeus esperavam o profeta que,
conforme criam, Moisés lhes tinha prometido. “O SENHOR, teu Deus, te suscitará
um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim; a ele ouvirás”
(Deuteronômio 18:15). Esperavam o Messias, o escolhido de Deus. Tinham estado
esperando durante toda sua história, e estavam esperando nessa época. Nesse
momento, na Betsaida Julia estavam dispostos a aceitar a Jesus como esse
Profeta e esse Rei.
Estavam dispostos a carregá-lo, a entronizá-lo no poder em um arroubo de
ardor popular e entusiasmo maciço. Mas não muito depois outra multidão clamava:
"Crucifica-o! Crucifica-o!" Por que foi que nesse momento a multidão
aclamava a Jesus?
Por um lado, a multidão estava disposta a apoiar a Jesus quando dava o
que eles queriam. Tinha-os curado e os havia alimentado; e nesse momento
estavam dispostos a convertê-lo em seu chefe. Existe uma lealdade comprada, uma
lealdade que depende dos favores, os presentes, para dizê-lo com toda
crueldade, do suborno. Existe um amor falso, um amor que se baseia no que
podemos tirar das pessoas e no que essas pessoas podem fazer por nós.
Em um de seus momentos de maior cinismo, o doutor Johnson definiu a
gratidão como "um vivo sentido dos favores que estão por vir". O
simples pensar nessa multidão nos revolta. Mas somos acaso muito diferentes
dela? Quando necessitamos compaixão na dor, quando necessitamos fortaleza em
meio das dificuldades, quando queremos paz no meio do tumulto, então, nesses
momentos, não há ninguém tão maravilhoso como Jesus. Então falamos com Ele, e
caminhamos a seu lado e lhe abrimos nossos corações.
Mas quando Ele se aproxima de nós com uma severa exigência de sacrifícios,
com algum desafio que exige um esforço, com o oferecimento de alguma cruz,
então não queremos ter nada que ver com Ele. Pode ser que ao examinar nossos
corações descubramos que nós também amamos a Jesus pelo que podemos obter dele,
e que quando Ele nos aborda com exigências e desafios também nos enfraquecemos,
e nos voltamos ressentidos e hostis para com esse Cristo perturbador e
exigente.
Por outro lado, queriam usá-lo para seus próprios fins e moldá-lo segundo
seus sonhos. Estavam esperando o Messias. Mas imaginavam a seu modo. Esperavam
um Messias que seria Rei e Conquistador. Alguém que pisaria na cabeça da águia
e tiraria os romanos da Palestina, que mudaria o status de Israel e de uma
nação submetida a converteria em uma potência mundial. Alguém que a libertaria
do destino de ser um país ocupado e que o tornaria em conquistador de outros
países.
Tinham visto as coisas que Jesus podia fazer, e o que imaginavam era:
"Este homem tem poder, um poder milagroso e maravilhoso. Se podemos
adequá-lo a seu poder à medida de nossos sonhos, planos e desejos, começarão a
acontecer coisas." Se tivessem sido sinceros teriam que reconhecer que
estavam tratando de usar a Cristo. Mais uma vez, somos nós muito diferentes?
Quando nos dirigimos a Cristo, é para encontrar forças para seguir com nossos
propósitos, planos e idéias, ou para aceitar com humildade e obediência seus
planos e desejos? Nossa oração é: "Senhor, dá-me forças para eu fazer o
que queres que faça" ou, "Senhor, dá-me forças para fazer o que eu
quero
fazer"?
Essa multidão de judeus estava disposta a seguir a Cristo nesse momento
porque lhes estava dando o que eles queriam, e desejavam usá-lo para satisfazer
seus planos, propósitos e idéias. Essa atitude com relação a Cristo ainda
subsiste no coração dos homens. Queríamos obter os dons de Cristo sem a cruz de
Cristo; queríamos usar a Cristo em lugar de permitir que ele nos use .
UMA AJUDA BEM PRESENTE EM MOMENTOS DE NECESSIDADE
Estudo sobre João 6:16-21
Este é um dos relatos mais maravilhosos do quarto Evangelho. E se torna
mais maravilhoso quando penetramos no significado original no idioma grego e o
significado do incidente original, e quando descobrimos que o que descreve em
realidade não é um milagre extraordinário, mas um acontecimento muito simples
nAquele que João descobriu, e jamais pôde esquecer como era Jesus.
Em primeiro lugar, reconstruamos o relato. Depois de alimentar os cinco
mil, e depois do intento por parte da multidão de torná-lo rei, Jesus se tinha
afastado sozinho à montanha. Passou o dia. Chegou o momento que os judeus
denominam "a segunda tarde", entre o crepúsculo e a escuridão. Jesus
ainda não tinha chegado. Não devemos pensar que os discípulos foram esquecidos
ou descorteses ao deixar Jesus para atrás, porque, conforme Marcos conta, Jesus
mandou-os ir diante dele (Marcos 6:45), enquanto convencia a multidão de que
voltasse para suas casas. Sem dúvida sua intenção era bordejar o lago enquanto
eles o cruzavam remando, e reunir-se com eles em Cafarnaum. Agora, João estava presente,
e se alguma vez houve um relato de uma testemunha ocular, este é um deles. Não
há dúvida que se trata de um incidente em que João participou e sobre o qual
pensou durante setenta anos; e à medida que pensava nele, convertia-se em algo
simples rodeado de maravilha.
De maneira que os discípulos começaram a navegar. Levantou-se o vento,
como pode fazê-lo nesse lago estreito, rodeado de terra; e as águas se cobriram
de espuma. Devemos lembrar que era a época da Páscoa e a época da Páscoa era
tempo de Lua cheia (João 6:4). Na montanha Jesus orou e se comunicou com Deus;
quando ficou em caminho, a Lua cheia fazia que a cena parecesse desenvolver-se
à luz do dia; e podia ver
no lago o barco e os remadores lutando com seus remos e sabia que estava
dando muito trabalho avançar. Por isso desceu. Agora, aqui devemos lembrar duas
coisas. Já vimos que no extremo norte o lago não tinha mais de seis quilômetros
de largura; e João nos diz que os discípulos tinham remado entre cinco e seis
quilômetros; quer dizer que estavam chegando quase no fim da viagem. É natural
e inevitável supor que, em vista do vento que soprava, tinham tentado
aproximar-se da margem o mais possível para obter maior amparo.
Esse é o primeiro dado; agora vejamos o segundo. Viram que Jesus andava
sobre o mar. A tradução literal do grego é exatamente a mesma frase que aparece
em João 21:1, onde diz que Jesus se manifestou outra vez a seus discípulos
junto ao mar de Tiberíades. Em João 21:1 esta frase significa sem nenhuma ajuda
— nunca foi questionada —, que Jesus estava caminhando pela margem. E isso é o
que significa nossa frase também. Jesus estava caminhando epites thalassis,
junto à margem.
Os atarefados discípulos levantaram os olhos; e de repente o viram. Foi algo
tão inesperado, tinham estado reclinados nos remos durante tanto tempo que se
sentiram alarmados porque criam que o que viam era um espírito. Então, por cima
das águas, chegou essa voz tão amada: "Sou Eu; não temais." Gostariam
que subisse a bordo; o grego, muito mais naturalmente significa que seu desejo
não se cumpriu. Por que? Lembremos da largura do extremo Norte do lago e
lembremos o quanto tinham avançado. A largura era de seis quilômetros. Tinham
remado cinco e seis quilômetros. A razão muito simples pela qual seu desejo não
foi completo foi que antes que pudessem recebê-lo a bordo, a barco tocou a
margem, e já tinham chegado.
Este é o tipo de relato que um pescador como João sentiria prazer em
ouvir e recordar. Cada vez que o recordasse voltaria a sentir o que sentiu
aquela noite, o cinza prateado da Lua, o tosco remo em sua mão, as sacudidas da
vela, o uivar do vento e o som da água enfurecida, a surpreendentemente
inesperada aparição de Jesus, o som de sua voz por cima das ondas, e o rangido
da barco ao tocar a margem da Galiléia.
E ao recordar tudo isto João via coisas maravilhosas no relato, milagres
que ainda estão presentes para que nós os leiamos. (1) Viu que Jesus vigia. Na
montanha Jesus estava observando-os. Não os tinha esquecido. Não estava muito
ocupado com Deus para pensar neles. Até na hora da devoção seus discípulos
estavam presentes em seu coração. João se deu conta de que durante todo o tempo
que eles estiveram lutando com seus remos, o olhar amoroso de Jesus estava sobre
eles. Enquanto estamos lutando, Jesus vigia. Não nos faz as coisas fáceis.
Deixa-nos travar nossas próprias batalhas e obter nossa própria vitória. É como
um pai que observa seu filho ou filha fazer um grande esforço em alguma
competição de atletismo, e se sente orgulhoso de nós.
Ou como alguém que observa a outro fazendo um trágico abandono, e se entristece.
Vivemos a vida com o olho amoroso de Jesus sobre nós. (2) Viu que Jesus vem.
Jesus desceu da montanha para permitir que os discípulos pudessem fazer o
último esforço que os faria chegar a terra a salvo. Não nos observa conservando
uma distância serena e incomovível. Não nos observa como se estivesse na tribuna principal, do lado
de fora. Justo quando fraquejam as forças e a vida fica muito dura, Ele vem, e
com Ele vem o último esforço e o último fôlego que levam à vitória e ao logro
de nosso objetivo.
(3) Viu que Jesus ajuda. Vigia, vem e ajuda. A maravilha da vida cristã
é que não há nada que devamos fazer completamente sozinhos. Margaret Avery
conta que uma professora de uma escola rural contou esta historia a seus
meninos, e deve tê-la contado muito bem. Pouco tempo depois houve uma tormenta
de chuva e neve. Quando terminou a hora da lição, a professora acompanhou os
meninos até sua casa. Em certos momentos tinha que arrastá-los em meio da
tormenta.
Quando todos se sentiam quase exaustos, escutou que um dos garotinhos murmurava
para si mesmo: "Seria bom que esse Senhor Jesus estivesse aqui
agora."
Sempre nos faz bem a companhia de Jesus e jamais poderemos estar sem
Ele.
(4) Viu que Jesus nos leva ao porto. Ao João recordar, parecia-lhe que
logo que Jesus chegou, a quilha da barco tocou no chão, e chegaram. Como diz o
salmista: “Então, se alegraram com a bonança; e, assim, os levou ao desejado
porto” (Salmo 107:30). De algum modo, com a presença de Jesus até a viagem mais
longa parece curta e a batalha mais dura se apresenta como algo fácil.
Uma das coisas mais bonitas do quarto Evangelho é que João, o velho
pescador convertido em evangelista, encontrou toda a riqueza de Cristo na
lembrança de um relato de pescadores.
A BUSCA EQUIVOCADA
Estudo sobre João 6:22-27
A multidão ficou do outro lado do lago. Na época de Jesus as pessoas não
precisavam cumprir horários de escritório. Podiam esperar até que Jesus se
aproximasse deles. Aguardaram porque tinham visto uma só barco no qual os
discípulos foram, sem Jesus. Portanto deduziram que Jesus devia estar perto
desse lugar. Depois de esperar durante um momento, deram-se conta de que Jesus
não voltaria.
Chegaram à baía outros pequenos barcos, procedentes do Tiberíades. Sem
dúvida o vento as tinha desviado nessa direção e se refugiaram ali para
proteger-se da tormenta da noite. De maneira que a gente que tinha estado esperando
junto ao lago se embarcou nelas e cruzou o lago, de retorno a Cafarnaum.
Ao chegar se sentiram perplexos por descobrir que Jesus já estava ali.
Perguntaram-lhe quando tinha chegado, e como tinha conseguido voltar tão rápido
visto que seus discípulos foram sozinhos no barco.
Agora, deve-se observar que Jesus se limitou a não responder a esta pergunta.
Não era o momento para falar sobre essas coisas; a vida era muito curta para
ocupá-la em conversa sobre viagens. Foi direto ao assunto. "Vocês viram coisas",
disse, "coisas maravilhosas. Viram como a graça de Deus tornou possível
alimentar uma multidão. Seus pensamentos deveriam dirigir-se para o Deus que
fez essas coisas; mas, em vez disso, vocês só pensam no pão. Em sua torpe
cegueira pensam em pão, não em Deus." É como se Jesus tivesse dito:
"Vocês não podem pensar em sua alma porque estão ocupados pensando em seus
estômagos." Reprova o ponto de vista deles centrado na Terra. Tinham recebido
o pão como pão e não como um dom de Deus. Como diz Crisóstomo: "Os homens
estão cravados às coisas desta vida." Eram pessoas que jamais elevavam os
olhos além das muralhas do mundo aos horizontes e eternidades que jazem do
outro lado.
Conta-se um relato sobre o Napoleão. Em uma oportunidade estava conversando
com um conhecido sobre a vida. Era tarde e a noite era escura. Napoleão e seu
amigo se aproximaram da janela e olharam para fora. No céu havia estrelas muito
longínquas, não muito maiores que a cabeça de um alfinete. Napoleão tinha uma
vista excelente e seu amigo não via muito bem. Napoleão apontou para o céu:
"Vê essas estrelas?", perguntou a seu amigo. "Não",
respondeu este, "não as vejo." "Essa", disse Napoleão,
"é a diferença entre nós dois." O homem que está atado à Terra só
vive a metade da vida. O homem grande é aquele que tem visão, aquele que olha
para o horizonte e vê as estrelas.
Jesus, pois, expressou seu mandamento em uma frase:
"Trabalhai", disse, "não pela comida que perece, mas pela que
permanece para vida eterna." Muitos anos antes, o profeta Isaías tinha
formulado a mesma pergunta: “Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão,
e o vosso suor, naquilo que não satisfaz?” (Isaías 55:2). Há duas classes de
fome.
A fome física que se pode satisfazer com a comida física; mas também existe
a fome espiritual que a comida física jamais pode satisfazer. Um homem pode ser
tão rico como Creso e, entretanto, experimentar essa torturante insatisfação,
esse desejo insatisfeito em seu coração, esse sentimento de falta de plenitude
em sua vida. Assinalou-se que nos anos posteriores aos 60 D.C. o luxo da
sociedade romana não tinha comparação. Essa era a época em que os romanos
serviam banquetes com miolos de perus reais e línguas de rouxinóis; quando
descobriram a peregrina prática de vomitar entre um prato e outro para poder
saborear melhor o seguinte; em que as comidas que custavam milhares de dólares eram
moeda corrente. Foi nessa época em que Puniu relata que uma mulher romana se
casou com um vestido tão ricamente bordado e encravado com pedras que custou o
equivalente de um milhão de dólares. Tudo isto tinha uma razão de ser: uma
profunda insatisfação, uma fome que nada podia saciar. Procuravam algo que lhes
produzira emoções novas e que desse um gosto novo à vida, porque eram imensamente
ricos e estavam imensamente famintos.
A fome insatisfeita estava presente.
O que queria dizer Jesus era que a única coisa que interessava a esses
judeus era a satisfação física. Tinham recebido, sem esperá-lo, uma comida
grátis e opípara; e queriam mais. Mas há outras fomes — e essas outras fomes só
Jesus Cristo pode satisfazê-las. Existe a fome da verdade — e ele é o único que
pode dar a verdade aos homens. Existe a fome da vida — e ele é o único que pode
dar a vida aos homens, e pode dá-la com maior abundância. Existe a fome de amor
— e ele é o único que pode dar aos homens o amor que supera o pecado e a morte.
Cristo é o único que pode satisfazer os desejos de imortalidade e a fome
insaciável do coração e da alma humana.
Por que pode fazê-lo? Há uma enorme riqueza de significados na frase: “A
porque a este o Pai, Deus, o selou.”
Em seu livro Eastern Customs in Bible Lands (Os costumes orientais nas
terras bíblicas), H. B. Tristram inclui uma seção muito interessante sobre os
selos na antiguidade. Em Oriente o que dá autenticidade a algo não é a
assinatura e sim o selo. Nos documentos comerciais e políticos, o que dá
validez aos papéis é o selo, posto com o anel que se usava com esse propósito.
No mundo helênico, o que dava autenticidade a um testamento era o selo, o selo
posto na boca de um saco ou na tampa de uma caixa era o que garantia seu
conteúdo. Tristram diz que nos países orientais até as pessoas mais humildes
usam um selo de autenticação. Em suas próprias viagens por aqueles países,
quando fazia um trato com seus arrieiros e seus carregadores, estes punham seu selo
sobre ele em sinal de que aceitavam as condições e que se comprometiam às
cumprir. Os selos eram feitos de argila, metal ou jóias.
No Museu Britânico se encontram os selos da maioria dos reis assírios. O
selo era impresso em argila e essa argila se unia ao documento. O documento
desapareceu faz muitos anos, mas ainda fica o selo, e sem ele o documento não
era válido. Os rabinos tinham uma frase: "O selo de Deus é a
verdade."
O Talmud diz: “Um dia a grande sinagoga (a assembléia dos judeus
doutores em leis) estava lamentando-se, orando e jejuando quando caiu um
pequeno cilindro do firmamento, em meio deles. Abriram-no e só continha uma
palavra, Ameth, que significa verdade. 'Esse', disse o rabino, 'é o selo de
Deus’.” Ameth se escreve com três letras hebréias, Aleph, que é a primeira
letra do alfabeto, Min, a letra do meio, e Tau, a última. A verdade de Deus é o
princípio, o meio e o fim da vida.
É por isso que Jesus pode satisfazer a fome dos homens, porque tem o
selo de Deus, é a verdade de Deus que se fez carne. Vê-lo é ver a Deus; obedecê-lo
é obedecer a Deus, recebê-lo é receber a Deus; e Deus é e único que pode
satisfazer a fome da alma que ele mesmo criou e na qual pôs fome dele.
A ÚNICA OBRA VERDADEIRA
Estudo sobre João 6:28-29
Quando Jesus falou a respeito de fazer as obras de Deus, os judeus pensaram
imediatamente em fazer boas obras. Eles sempre creram que se um homem levava
uma vida boa e moral podia merecer e obter o favor de Deus. Sustentavam que se
podia dividir os homens em três classes: os bons, os maus e os que estavam no
meio e que, se faziam mais uma boa obra, podiam passar à categoria dos bons. De
maneira que quando perguntaram a Jesus qual era a obra de Deus, esperavam que
lhes indicasse uma lista de regras e normas sobre as coisas que deviam fazer.
Mas isso não é absolutamente o que diz Jesus.
A resposta de Jesus está muito resumida e devemos abri-la e buscar descobrir
o que há por trás dela. Jesus disse que a obra de Deus, o que Deus queria que
os homens fizessem, era crer naquele que Deus enviou.
Podemos expressá-lo de outro modo; podemos dizê-lo como Paulo teria dito.
A única obra que Deus espera do homem é a fé. Agora, o que significa a fé? A fé
significa uma determinada relação com Deus. A fé significa uma relação tal com
Deus que somos seus amigos, que já não nos sentimos aterrados por Ele, que Deus
não é nosso inimigo nem nosso fiscal, a não ser nosso Pai e amigo, significa
que damos a Deus a confiança, a obediência e a submissão que surgem
naturalmente desta nova relação. E como se relaciona com isso crer em Jesus?
Toda a essência do cristianismo radica em que jamais nos teríamos informado de
que Deus é assim, se Jesus não tivesse vindo a viver e morrer para nos dizer
isso O fato de sabermos que Deus é nosso Pai, que nos ama, que se preocupa
conosco, que a única coisa que deseja é nos perdoar, deve-se única e
exclusivamente ao fato de que Jesus veio para nos dizer isso E é por isso que
desaparece a antiga separação, a distância e a desconfiança que sentíamos por
Deus e é possível uma nova relação.
Mas essa nova relação aparece em certo tipo de vida. Agora sabemos como
é Deus, e nossas vidas devem responder àquilo que sabemos de Deus. Nossa
resposta apontará em três direções, cada uma das quais corresponde ao que Jesus
nos diria a respeito de Deus.
(1) Deus é amor, e portanto em nossa vida deve haver um amor e um
serviço para com os outros que corresponda ao amor e ao serviço de Deus. Deve
haver uma atitude de perdão para com os outros que corresponda ao perdão de
Deus.
(2) Deus é santidade, e portanto em nossa vida deve haver uma pureza que
corresponda à santidade de Deus. Devemos ser Santos porque Deus é santo. Só os
de coração puro podem ver deus.
(3) Deus é sabedoria, e portanto deve haver em nossa vida submissão e
confiança totais e perfeitas que correspondam à sabedoria de Deus. Se Deus for
totalmente sábio a única coisa que resta a fazer é aceitar totalmente sua guia
em tudo e em tudo o que nos envia.
O que Jesus ensina é que a essência da vida cristã é uma nova relação
com Deus, uma relação oferecida por Deus, uma relação que só foi possível pela
revelação que Jesus nos fez de Deus, uma relação que se manifesta no serviço,
na pureza e na confiança que são um reflexo de Deus. Entrar em uma relação
semelhante implica numa vida tal, e essa é a obra que Deus deseja que façamos e
para a qual nos dá os meios necessários.
O PEDIDO DE UM SINAL
Estudo sobre João 6:30-34
Aqui a discussão se faz especificamente judaica em sua expressão, pressupostos
e alusões. Jesus acabava de fazer uma afirmação muito grave. A verdadeira obra
de Deus era crer em Jesus. "Muito bem", disseram os judeus,
"prove-o. Isso significa afirmar que é o Messias. Dênos uma prova."
Seus pensamentos continuavam na alimentação da multidão e portanto o
relacionaram imediatamente com o maná do deserto. Era inevitável que relarem
ambas as coisas. Sempre se tinha considerado que o maná era o pão de Deus (Sal.
78:24; Êxo. 16:15).
Agora, os rabinos judeus estavam absolutamente convencidos de que quando
viesse o Messias voltaria a dar o maná. Considerava-se que a entrega do maná
tinha sido a obra suprema da vida de Moisés, e não havia dúvida de que o
Messias faria o mesmo que ele, ou mais. "Como foi o primeiro redentor
assim será o último redentor; assim como o primeiro redentor fez o maná cair do
céu, assim também o segundo redentor fará cair o maná." "Não
encontrarão o maná nestes tempos mas o encontrarão nos tempos que virão."
"Para quem se preparou o maná? Para os justos na era vindoura. Todos os
que crêem são justos e comem dele."
Cria-se que tinha sido escondida uma panela com maná no primeiro templo
e que, quando se destruiu o templo, Jeremias a tinha escondido e voltaria a
fazê-la aparecer quando viesse o Messias. Em outras palavras, os judeus estavam
desafiando a Jesus a que fizesse aparecer o pão de Deus para corroborar suas
afirmações. Não consideravam que o pão com que se alimentou os cinco mil era
pão de Deus; tinha começado em pães
terrestres e terminou como pão terrestre. Segundo eles, o maná era algo diferente
e era uma verdadeira prova.
Jesus dá uma dupla resposta. Em primeiro lugar, recorda-lhes que não foi
Moisés quem lhes deu o maná, mas Deus. Em segundo lugar lhes diz que o maná não
era em realidade o pão de Deus; não era mais que o símbolo desse pão. O pão de
Deus é aquele que desce do céu e dá aos homens, não só a satisfação de sua fome
física, mas também a vida. Jesus estava afirmando que nele estava a única
satisfação autêntica.
O PÃO DA VIDA
Estudo sobre João 6:35-40
Estas é uma das grandes passagens do quarto Evangelho e, de fato, de
todo o Novo Testamento. Há nele duas linhas fundamentais de pensamento que
devemos tentar analisar. Em primeiro
lugar, o que quis dizer Jesus quando afirmou: "Eu sou o pão da vida?"
Não basta ver esta frase como algo bonito e poético.
O que significa? Examinemo-la passo a passo. Numeraremos os passos para
que se veja claramente o movimento do raciocínio.
(1) O pão sustenta a vida. O pão é a substância da vida. O pão é aquilo
sem o qual a vida não pode continuar. O pão é essencial para a vida.
(2) Mas, o que é a vida? É evidente que toda esta discussão se move acima
e além do plano físico. Quando se fala da vida trata-se de algo muito superior
à mera existência. Qual é este novo significado espiritual da vida?
(3) A vida é a nova relação com Deus. A verdadeira vida é a nova relação
com Deus, essa relação de confiança, intimidade, obediência e amor sobre a qual
já meditamos.
(4) Mas essa relação só é possível graças a Jesus Cristo. Sem Ele e separados
dele ninguém pode entrar nessa nova relação com Deus.
(5) Quer dizer que Jesus dá vida. Sem Jesus é impossível a vida em todo
o sentido da palavra. Sem Ele, a vida pode ser existência, mas não é vida.
(6) Portanto, se Jesus der a vida, se for o essencial da vida, Ele pode ser
descrito como o Pão de Vida. Para expressá-lo em forma muito menos bela, Jesus
é o essencial sem o qual a vida não pode nem começar nem continuar. Mas, uma
vez que o conhecemos, aceitamo-lo e o recebemos, desaparecem todos os desejos
insatisfeitos, os desejos insaciáveis do coração e da alma. A fome e a sede da
situação humana se apagam quando conhecemos Cristo, e quando, através dele,
conhecemos a Deus. A alma inquieta encontra a paz; o coração faminto se sente satisfeito.
Em segundo lugar, esta passagem nos mostra os passos da vida cristã.
Jesus se refere àqueles que vêm a Ele, e que lhe são dados por
Deus.
Uma vez mais devemos numerar estes passos para poder seguir o processo
divino.
(1) Vemos Jesus. É-nos dada a visão de Jesus. Vemo-lo nas páginas do
Novo Testamento; vemo-lo no ensino da Igreja; às vezes o vemos
face a face.
(2) Uma vez que o vimos, aproximamo-nos dele. Consideramo-lo não como um
herói ou um modelo distante, como alguém que é uma ilustração em um livro, mas sim
como alguém a quem nos aproximamos.
(3) Cremos nele. Quer dizer, aceitamo-lo como a autoridade suprema
quanto a Deus, o homem, a vida. Isso quer dizer que nossa aproximação não é uma
questão de interesse; não é um encontro em termos iguais; é essencial e
fundamentalmente uma submissão e uma
entrega.
(4) Todo este processo nos dá vida. Quer dizer, situa-nos em uma nova e
bonita relação com Deus, na qual Deus torna um amigo íntimo; agora nos sentimos
à vontade com alguém a quem antes temíamos ou nunca tínhamos chegado a
conhecer.
(5) A possibilidade de obter isto é grátis e universal. O convite se formula
a todos os homens e consiste em um convite a receber e a dar. O pão de vida é
nosso basta que o peçamos e o tomemos.
(6) O único caminho para alcançar essa nova relação é através de Jesus.
Sem ele jamais teria sido possível; e fora dele continua sendo impossível.
Nenhuma busca da mente humana e nenhum desejo do coração do homem podem
encontrar na verdade a Deus além de Jesus.
(7) Por trás de todo o processo está Deus. Aqueles que se aproximam de
Cristo são aqueles que Deus lhe deu. Deus não provê só a meta: Deus se move no
coração humano para suscitar o desejo de aproximar-se dele; e obra no coração
do homem para tirar a rebelião e o orgulho que nos impediriam de chegar a essa
grande submissão. Jamais teríamos podido sequer buscá-lo se ele não nos tivesse
encontrado.
(8) Mas ainda subsiste esse impedimento que nos permite rechaçar o
oferecimento de Deus, desprezar sua obra dentro de nosso coração. Em última
instância, a única coisa que vence a Deus é o desafio do coração humano. A vida
está aí para que a aceitemos, ou a rechacemos.
E quando a aceitamos, o que acontece? Acontecem duas coisas.
Em primeiro lugar, entra uma nova satisfação em nossa vida.
Desaparecem a fome e a sede. O coração humano encontra o que estava procurando
e a vida deixa de ser uma mera existência e se converte em algo que é motivo de
excitação e de paz de uma vez.
Em segundo lugar, estamos seguros até além da vida. Até o último dia,
quando se terminam todas as coisas, estamos seguros. Como disse um grande
comentarista: "Cristo nos leva a um porto além do qual não existe nenhum
perigo."
O que Cristo oferece é vida no tempo e vida na eternidade.
Privamo-nos dessa grandeza e dessa glória quando rechaçamos o convite de
Cristo e a iniciativa de Deus.
O FRACASSO DOS JUDEUS
Estudo sobre João 6:41-50
O grande interesse desta passagem reside em que mostra as razões pelas
quais os judeus rechaçaram a Jesus e, ao fazê-lo, rechaçaram a vida eterna.
(1) Julgaram as coisas segundo valores humanos e de acordo a normas
externas. Sua reação frente às afirmações de Jesus foi ressaltar o fato de que
era o filho de um carpinteiro a quem eles viram crescer em Nazaré. Era-lhes
impossível entender como alguém que era filho de um carpinteiro e comerciante e
que provinha de um lar humilde podia ser um mensageiro especial de Deus.
Rechaçaram a Jesus porque o avaliavam segundo atributos humanos, valores
sociais e normas mundanas.
T. E. Lawrence era amigo pessoal do poeta Thomas Hardy. Na época em que
Lawrence servia como aviador na Força Aérea Real inglesa estava acostumada a
visitar Hardy e sua esposa vestido com o uniforme de seu exército. Aconteceu
que numa oportunidade sua visita coincidiu com a da esposa do prefeito de
Dorchester. A senhora se sentiu muito ofendida por ter que encontrar-se com um
simples aviador, pois ignorava de quem se tratava. Disse à senhora de Hardy, em
francês, que jamais precisou sentar-se a tomar o chá com um simples soldado.
Ninguém respondeu, até que T. E. Lawrence lhe disse, em perfeito francês:
"Perdão, senhora, posso lhe servir como intérprete? A senhora de Hardy não
fala francês". Uma mulher orgulhosa e descortês tinha cometido um
flagrante engano por ter julgado pelas aparências e por normas sociais
mundanas.
Isso foi o que fizeram os judeus. Devemos nos cuidar muito bem de ignorar
uma mensagem de Deus por desprezar ou não levar em conta a pessoa que o
transmite. Ninguém rechaçaria um cheque de milhares de dólares simplesmente porque
vem em um envelope que não se ajusta às normas mais aristocráticas de
apresentação epistolar. Deus tem muitos mensageiros. A maior mensagem de Deus
veio através de um carpinteiro da Galiléia, e foi por isso que os judeus não
lhe deram atenção.
(2) Os judeus protestavam e discutiam entre eles. Estavam tão ocupados
em suas próprias discussões que jamais lhes passou pela mente deixar a decisão
nas mãos de Deus. Estavam muito interessados em fazer todo mundo se inteirar de
sua opinião sobre o tema; não tinham nenhum interesse em averiguar o que Deus
pensava. Seria muito conveniente que nas reuniões que celebram as comissões e
reuniões administrativas, em que cada um tenta convencer o outro com suas
próprias idéias, que parássemos, meditássemos e orássemos pedindo a Deus que
nos diga o que Ele pensa e o que quer que nós façamos. Depois de tudo o que nós
pensamos não tem muita importância mas o que pensa Deus sim: e são muito
escassas as oportunidades em que fazemos algo por averiguá-lo.
(3) Os judeus ouviram, porém aprenderam. Há formas muito distintas de
ouvir. Pode-se ouvir com ânimo de criticar, pode-se ouvir com ressentimento.
Pode-se ouvir com um sentimento de superioridade ou de indiferença. A pessoa
que ouve pela simples razão de que ainda não teve a oportunidade de falar e a
está esperando. A única forma de ouvir que vale a pena é a de que ouve e
aprende. Não há nenhuma outra forma de ouvir a Deus.
(4) Os judeus resistiram o aproximar-se de Deus. Os únicos que aceitam a
Jesus são os que Deus aproximou dele. A palavra que João emprega para trazer ou
aproximar é interessante. É a palavra que se emprega na tradução grega do
hebraico ao Jeremias ouvir Deus dizer: “Com amor eterno te amei” (Jeremias
31:3). Mas o que é interessante a respeito da palavra (helkuein) é que em geral
implica algum tipo de resistência. É a mesma palavra que se emprega para tirar
ou arrastar uma rede muito carregada até a margem (João 21:6-11). É a palavra
que se emprega quando quer indicar que Paulo e Silas foram levados perante os magistrados
de Filipos (Atos 16:19). É a mesma palavra que se emprega para indicar que se
tira uma espada do cinto ou da bainha (João 18:10).
Sempre está presente esta idéia de resistência; Deus pode atrair e de
fato atrai homens para si, mas a resistência do homem pode vencer a atração de
Deus.
Agora, Jesus era o pão de vida; já vimos que isto quer dizer que Jesus é
o essencial para a vida. Portanto, rechaçar o convite e a guia de Jesus
significa perder a vida e morrer. Os rabinos estavam acostumados a dizer:
"A geração do deserto não tem nenhuma participação na vida vindoura. No
antigo relato de Números o povo que se negou a superar os perigos que a terra
prometida oferecia tal como os descreveram os enviados a espiá-la, foram
condenados a vagar pelo deserto até o momento da morte. Por não aceitar a guia
de Deus as portas da terra
prometida lhes foram fechadas para sempre."
Mas os rabinos criam que os antepassados que morreram no deserto não só
perderam a terra prometida mas também a vida eterna.
Rechaçar o oferecimento de Jesus significa rechaçar o essencial da vida;
portanto significa perder a vida neste mundo e no mundo vindouro. Enquanto que
aceitar o oferecimento de Jesus significa achar a vida, uma vida que dá vida
autêntica neste mundo e glória no mundo vindouro.
SUA CARNE E SEU SANGUE
Estudo sobre João 6:51-59
Para a maioria de nós esta é uma passagem muito difícil. Usa uma linguagem
e se move em um mundo de idéias que nos é muito estranho e que até pode
parecer-nos fantástico e grotesco. Mas devemos lembra o seguinte: para o mundo
antigo estas idéias eram muito conhecidas; trata-se de idéias que se remontam à
origens da raça. Estas idéias eram normais e cotidianas para qualquer que
tivesse sido educado nos antigos sacrifícios. Nos antigos sacrifícios quase nunca
se queimava todo o animal. Em geral só se queimava uma pequena parte no altar
embora se oferecia ao deus o animal inteiro. Uma parte da carne se entregava
aos sacerdotes e outra ao que tinha devotado o sacrifício para que desse uma festa
a seus amigos dentro do recinto do templo. Considerava-se que nessa festa um
dos convidados era o próprio Deus. Estava sentado com seu povo e com aqueles
que lhe ofereciam sacrifícios.
Mais ainda, uma vez oferecida a carne ao deus afirmava-se que este tinha
entrado na carne; de maneira que quando aquele que tinha devotado o sacrifício
comia a carne, literalmente comia ao deus; estava incorporando ao deus no mais
recôndito de seu ser, nutrindo-se com a própria vida e a força do deus. Quando
os participantes de um banquete semelhante se retiravam, eram convencidos de
que estavam literalmente cheios de deus. Podemos considerá-lo um culto pagão e
idólatra, podemos considerá-lo uma grande ilusão; mas não poderemos negar a realidade
concreta de que essa gente se retirava completamente segura de que tinha dentro
de si a vitalidade dinâmica de seu deus. Podemos dizer e pensar o que quisermos
sobre este tipo de cultos. Esta experiência vital era algo que ocorria. Para
pessoas que estavam acostumadas a ela, uma
passagem como esta não apresentava nenhuma dificuldade.
Mais ainda, nesse mundo antigo a única forma viva de religião era preciso
procurá-la nas religiões de mistérios. O que estas religiões ofereciam era a
comunhão e até a identidade com algum deus Se desenvolvia desta maneira: em
essência, todas as religiões de mistérios eram a representação de uma paixão.
Eram a história de algum deus que tinha vivido e sofrido muito e que morreu e
ressuscitou. Essa história era convertida em uma dramatização comovedora. Antes
de poder presenciá-la, o iniciado devia passar por um extenso curso de instrução
sobre o significado profundo do relato.
Devia passar por todo tipo de purificações rituais. Também devia passar
um longo período de jejum e de abstinência de toda relação sexual. No próprio
momento da dramatização se organizavam as coisas de maneira tal que produziam uma
profunda atmosfera emocional.
Planejava-se com todo detalhe a iluminação, queimava-se um incenso
sensual, tocava-se música excitante, a liturgia era algo formoso; em uma
palavra, tudo era pensado de maneira a produzir no iniciado uma intensidade e
profundidade emocional que nunca tinha experiente antes.
Chame-se isso de alucinação; ou uma mistura de hipnotismo e
autoconvencimento mas a verdade é que algo acontecia. E esse algo era a identidade
com aquele deus. Enquanto o iniciado, muito bem treinado, observava a
representação, se fazia um com o deus. Compartilhava as tristezas e os
sofrimentos; a morte, a ressurreição, a vida do deus; o deus e ele se tornavam
um para toda a eternidade; e dessa maneira obtinha segurança tanto na vida como
na morte.
Algumas das frases e orações das religiões de mistérios são muito bonitas.
Nos mistérios de Mitra o iniciado dizia: "Habita com minha alma; não me
abandone, para que eu possa ser iniciado e o espírito santo possa estar em
mim". Nos mistérios herméticos, o iniciado orava: "Eu te conheço
Hermes e você me conhece; eu sou tu e tu és eu". Nesses mesmos mistérios
há uma oração que diz: "Vem a mim, Senhor Hermes, como as crianças ao seio
de sua mãe". Nos mistérios de Isis, o adorador diz: "Assim como vive
Osíris, assim viverão seus seguidores. Assim como Osíris não está morto, seus
seguidores tampouco morrerão".
Devemos ter em mente que todas essas pessoas da antiguidade conheciam a
luta, o desejo, a esperança de chegar à identidade com seu deus, de alcançar a
bênção de incorporar ao deus dentro de si mesmos e de incorporar a si mesmos ao
deus. Não liam frases como a de comer a carne de Cristo e beber seu sangue com
um realismo cru e escandalizado. Sem dúvida sabiam algo sobre essa inefável
experiência da união, mais íntima que qualquer união terrena, da que fala esta
passagem. Trata-se de uma linguagem que o mundo antigo entendia muito bem e que
nós também podemos entender.
Possivelmente fosse conveniente lembrar que neste caso João está fazendo
algo que está acostumado a fazer com freqüência. Não está dando ou tentando dar
as palavras exatas que Jesus pronunciou. Passou setenta anos pensando no que
Jesus disse; e agora, guiado, inspirado e iluminado pelo Espírito Santo nos
transmite o significado, o sentido profundo das palavras de Jesus. O que
escreve não são as palavras; isso não seria mais que uma façanha da memória. É
o sentido essencial das palavras; a iluminação do Espírito Santo.
SUA CARNE E SEU SANGUE
Estudo sobre João 6:51-59 (continuação)
Vejamos se podemos tirar algo a limpo do que Jesus quis dizer e do João
que entendeu sobre estas palavras. Podemos interpretar esta passagem em dois
sentidos, e se supõe que o interpretamos nesses dois sentidos.
(1) Podemos tomá-lo em um sentido muito general. Jesus falou a respeito
de comer sua carne e beber seu sangue. Agora, a carne de Jesus era sua
humanidade total e completa. Em sua primeira epístola João o expressa quase com
paixão: “Nisto reconheceis o Espírito de Deus: todo espírito que confessa que
Jesus Cristo veio em carne é de Deus; e todo espírito que não confessa a Jesus
não procede de Deus” De fato, todo espírito que nega que Jesus veio em carne é
do anticristo (1 João 4:2-3). João insistia em que devemos entender e nos
convencer, e não permitir nos esqueçamos da realidade da humanidade total de
Jesus, o fato de que Jesus era osso de nosso osso e carne de nossa carne.
Agora, o que quer dizer isto? Como o vimos uma e outra vez, Jesus era a
mente de Deus feita pessoa. De maneira que isto significa que em Jesus vemos a
Deus tomando sobre si a vida humana, enfrentando nossa situação humana, lutando
com nossos problemas humanos, debatendo-se com nossas tentações humanas,
elaborando nossas relações humanas. Ou seja que é como se Jesus dissesse:
"Nutram seus corações, suas mentes, suas almas pensando em minha
humanidade. Quando se sentirem abatidos e sem esperanças, quando estiverem
cansados da vida, vencidos e chateados de sua existência, lembrem que eu tomei
sobre minhas costas essa vida e essas lutas que lhes pertencem". De
repente a vida e a carne se cobrem de glória porque estão tocadas por Deus. A
grande crença da cristologia ortodoxa grega era e é até agora que Jesus
deificou a carne ao assumi-la sobre si mesmo. Comer o corpo de Cristo significa
nutrir-se com a idéia de sua humanidade até que nossa humanidade se fortalece,
purifica-se e irradia a Cristo. Jesus disse que devemos beber seu sangue. No
pensamento judeu o sangue simboliza a vida. É fácil compreender por que se
pensava assim. Quando o sangue flui de uma ferida a vida escapa. E para o
judeu, o sangue pertencia a Deus. É por isso que até o dia de hoje nenhum judeu
ortodoxo come carne da qual não se extraiu tudo o sangue. “Carne, porém, com
sua vida, isto é, com seu sangue, não comereis” (Gên. 9:4). “Somente empenha-te
em não comeres o sangue, pois o sangue é a vida” (Deuteronômio 12:23).
Agora vejamos o que diz Jesus: "Devem beber meu sangue — devem
incorporar minha vida ao próprio centro de seu ser — e essa minha vida é a vida
que pertence a Deus." Quando Jesus disse que devíamos beber seu sangue
quis dizer que devemos incorporar sua vida ao próprio centro de nossos
corações.
O que significa isso? Pensemos deste modo. Nesta biblioteca há um livro
que seu dono nunca leu. Pode tratar-se de alguma das grandes obras mestras do
gênio humano. Pode ter comprado esse livro, mas enquanto não o ler é algo
exterior a ele. Fica fora dele. Mas um dia toma em suas mãos e o lê. Sente-se
fascinado, entusiasmado, comovido. O conteúdo do livro fica dentro de seu
espírito; as palavras permanecem em sua memória, a partir de então em qualquer
momento pode tirar de si essa maravilha, recordá-la, meditar sobre ela e nutrir
sua mente e seu coração com ela. Em algum momento o livro foi algo externo a
ele, algo que estava sobre uma prateleira. Agora penetrou nele e pode nutrir
seu espírito com o conteúdo.
O mesmo acontece com qualquer experiência fundamental da vida.
É algo exterior até que a incorporamos a nosso ser. O mesmo acontece com
Jesus. Aqui está Jesus, a vida de Deus. Enquanto seja uma imagem de um livro é
algo exterior a nós; mas quando penetra em nossos corações está dentro de nós,
podemos nutrir-nos com a vida, a fortaleza e a vitalidade dinâmica que Cristo
nos dá. Jesus disse que devíamos beber seu sangue. Diz: "Devem incorporar
minha vida a seu ser; devem deixar de pensar em mim como uma imagem de um livro
e como um tema apropriado para uma discussão teológica; devem me incorporar a
seu interior e vir a meu interior, e então terão a vida, a vida
autêntica". Isto é o que Jesus quis dizer ao falar sobre nossa permanência
nele e sua permanência em nós. Quando Jesus nos disse que comêssemos sua carne
e bebêssemos seu sangue nos estava dizendo que nutríssemos nossos corações,
almas e mentes com sua humanidade, e que revitalizássemos nossas vidas com sua
vida até que estivéssemos impregnados, saturados, cheios com a vida de Deus.
(2) Mas João queria dizer algo mais que isto; e neste segundo aspecto
pensava a forma em que toda a experiência de Jesus Cristo o tinha remontado aos
dias passados na Galiléia. Não há dúvida de que João pensava na Santa Ceia, no
sacramento. Diz o seguinte: "Se quiserem a vida, devem aproximar-se e
sentar-se a essa mesa, onde podem comer do pão que se partiu e beber o vinho
servido de algum modo, pela graça de Deus, eles trazem para um contato vivo com
o amor e a vida de Jesus Cristo." João dizia aos homens: "Não podem
enriquecer com a plenitude da vida e maravilha cristãs a menos que ses sentem à
mesa do amor".
Mas — e este é o aspecto surpreendente do ponto de vista de João —
devemos notar que o quarto Evangelho não inclui o relato da Santa Ceia.
Introduz seu ensino sobre ela, não na narração sobre o Cenáculo, mas no relato
de uma refeição campestre nos Montes próximos a Betsaida Julia junto às águas
azuis do mar da Galiléia. Não há dúvida alguma sobre o que diz João. Ele afirma
que para o verdadeiro cristão cada refeição se transformou em um sacramento.
Bem pode ser que houvesse aqueles que —se nos permite a expressão —
estavam dando muita importância ao sacramento dentro da Igreja, estavam
convertendo o sacramento em um fetiche e em algo mágico, estavam dizendo ou
implicavam que o sacramento era o único lugar onde se podia encontrar,
alegrar-se e descansar na presença mais próxima do Cristo ressuscitado. É certo
que o sacramento é um encontro especial com Deus; mas João sustentava com todo
seu coração que toda refeição, no mais humilde dos lares, no palácio mais
luxuoso, sob o teto do céu e com a erva como tapete, é um sacramento. João se
negava a limitar a presença de Cristo a um ambiente eclesiástico e a um culto liturgicamente
perfeito. Dizia: "Em qualquer refeição podem encontrar mais uma vez esse
pão que fala da humanidade do Mestre, esse vinho que fala do sangue que é
vida".
O maravilhoso pensamento de João é que a mesa da comunhão, a mesa da
refeição caseira e o lanche na praia ou na montanha são idênticos no sentido de
que em todos eles podemos provar, tocar e provar do pão e do vinho que nos
aproximam de Cristo. O cristianismo seria algo muito pobre se Cristo estivesse
confinado às Igrejas. João sustenta que podemos encontrar a Cristo em qualquer
parte em um mundo cheio de Cristo. Não é que reste importância ao sacramento,
mas sim o amplia.
De maneira que encontramos a Cristo na mesa de sua Igreja e logo saímos
e o encontramos em qualquer parte em que homens e mulheres ser reúnem para
desfrutar dos dons de Deus.
O ESPÍRITO FUNDAMENTAL
Estudo sobre João 6:60-65
Não é estranho que as palavras de Jesus tenham parecido duras aos discípulos.
A palavra grega é skleros, que não significa difícil de entender, e sim difícil
de aceitar, de tolerar. Os discípulos sabiam muito bem o que Jesus tinha dito.
Sabiam que tinha afirmado que era a própria vida de Deus que desceu do céu, e
que ninguém podia viver esta vida ou enfrentar a eternidade se antes não o
aceitava e se submetia a Ele.
Aqui nos deparamos com uma verdade que volta a aparecer em todas as
épocas. Com freqüência o que impede homens de converter-se em cristãos não é a
dificuldade intelectual para aceitar a Cristo, e sim o elevado de suas
exigências morais. Quando nos pomos a pensar com sinceridade sobre o assunto,
vemo-nos obrigados a comprovar que no fundo de toda religião deve haver um
mistério, pela simples razão de que no fundo de toda religião está Deus. Pela
mesma natureza das coisas, o finito jamais pode compreender o infinito, a mente
humana nunca pode terminar de entender os atos de Deus, o homem jamais pode
entender por completo a Deus. Qualquer pensador honesto se vê obrigado a
aceitar esta realidade. Se pudéssemos entender a Deus por completo deixaria de ser
Deus para não ser mais que uma espécie de homem gigantesco, fora de série.
Qualquer pensador honesto estará disposto a aceitar o mistério.
A verdadeira dificuldade do cristianismo é dupla. Exige um ato de entrega
a Cristo; uma aceitação de Cristo como a autoridade suprema; e exige um nível
moral no qual só os puros de coração podem ver a Deus.
Os discípulos tinham entendido muito bem que Jesus havia dito que Ele era
a mente e a própria vida de Deus que veio à Terra: o que era difícil era
reconhecer que isso era verdade e aceitar tudo o que isso implicava.
E até o dia de hoje o rechaço de Cristo por parte de muitos homens obedece
não a que Cristo intrigue e surpreenda a seu intelecto, mas sim a que apresenta
um desafio e uma condenação a suas vidas.
E Jesus continua, não para provar sua afirmação e sim para assegurar que
algum dia os acontecimentos darão prova dela. Diz o seguinte: "É difícil
para vocês crerem que eu sou o pão, o essencial da vida, que desceu do céu.
Muito bem, não será difícil aceitar quando um dia me verem subir ao céu".
Em outras palavras, trata-se de um preanuncio da Ascensão. Jesus diz:
"Quando chegar o momento de Eu voltar ao céu e à minha glória, verão que
minhas afirmações são verdadeiras".
Isto é importante. Quer dizer que a Ressurreição é a garantia de todas
as afirmações de Jesus sobre si mesmo. Não foi alguém que viveu com nobreza e
morreu generosamente por uma causa perdida: foi alguém cujas afirmações ficaram
provadas pelo fato de que morreu e ressuscitou. Não chegou ao final vencido, e
sim triunfante. A ressurreição é a prova do caráter indestrutível das
afirmações de Cristo.
Logo Jesus diz que o fundamental é o poder vivificador do Espírito; que
a carne não aproveita para nada. Podemos expressar isto em forma muito simples
de maneira que manifeste ao menos parte de seu sentido — o mais importante é o
espírito em que se leva a cabo qualquer ação. Alguém o expressou nestas
palavras: "Todas as coisas humanas são corriqueiras se não existirem
absolutamente fora de si mesmas". O valor de algo depende de sua
finalidade. Se comermos por comer, convertemo-nos em glutões e é muito provável
que a comida nos faça mais mal que bem; se comermos para manter a vida, para
fazer melhor nosso trabalho, para conservar nosso corpo na melhor condição
possível, então a comida tem sentido. Se alguém passar grande parte de seu
tempo fazendo esportes pelo esporte em si, está em certa medida perdendo seu
tempo.Mas se dedicar tempo ao esporte para manter seu corpo em forma de maneira
que possa servir melhor a Deus e aos homens, o esporte deixa de ser algo
corriqueiro e se converte em um elemento muito importante.
As coisas da carne obtêm seu valor pelo espírito com que são feitas. Jesus,
pois, continua: "Minhas palavras são espírito e vida". Cristo é o
único que nos pode dizer o que é a vida, que pode insuflar em nós o espírito em
que devemos viver a vida, e que nos pode dar a fortaleza e o poder para vivê-la
desse modo. A vida é como qualquer outra atividade. Seu valor depende de seu
propósito e de sua finalidade. Cristo é o único que nos pode dar uma meta para
a vida, o espírito da vida e o propósito que deve ter. E Cristo é o único que
nos pode dar a vida, a fortaleza e o poder para alcançar esse espírito, essa meta
e esse propósito, contra a oposição constante que nos vem tanto do exterior
como de nosso interior. Em suas palavras está o espírito da vida e a fortaleza
para vivê-la.
Mas Jesus sabia muito bem que havia aqueles que não só rejeitariam seu
oferecimento, mas também o fariam em forma hostil. Jesus via a natureza humana
e a conhecia muito bem; podia ler o coração dos homens; e a grande
responsabilidade do coração humano é que em seu centro há algo que só nós
podemos controlar. Nenhum homem pode aceitar a Jesus a menos que o espírito de
Deus o mova a fazê-lo, mas qualquer homem pode rechaçar esse espírito até o fim
de seus dias, e esse homem não foi deixado de lado por Deus, mas sim por si
mesmo.
ATITUDES PARA COM CRISTO
Estudo sobre João 6:66-71
Esta é uma passagem animada pela tragédia, porque nele está o princípio
do fim. Houve um momento em que parecia que as pessoas iriam em massa a Jesus.
Quando esteve em Jerusalém para a Páscoa muitos viram seus milagres e creram em
seu nome (2:23). Tantos eram os que iam para ser batizados por seus discípulos
que chegaram a constituir uma moléstia 4:1-3). Em Samaria tinham acontecido
coisas maravilhosas (4:1,39, 45). Na Galiléia no dia anterior a multidão o
tinha seguido (6:2). Mas agora as coisas tinham mudado de tom; de agora em diante
o ódio iria aumentar até culminar na cruz. João nos introduz no último ato da
tragédia. Circunstâncias como estas são as que revelam o coração dos homens e
os mostram tal qual são. E nesta ocasião se davam três atitudes diferentes para
Jesus.
(1) Abandono. Houve aqueles que lhe deu as costas e não voltaram a
segui-lo. Agruparam-se a seu redor e agora começavam a abandoná-lo. Afastavam-se
por diferentes razões. Alguns viam com toda clareza para onde se dirigia Jesus.
Não era possível desafiar desse modo às autoridades e ao poder constituído e
sair ileso. Dirigia-se ao desastre e eles se retiravam a tempo. Eram pessoas
que estavam acostumados a estar onde esquentava o Sol. Tem-se dito que a prova
de fogo de um exército é a maneira como luta quando está cansado. Os que se
afastaram teriam seguido a Jesus enquanto sua carreira ascendia mas quando
viram a primeira sombra da cruz, desapareceram.
Havia aqueles que se afastavam porque os atemorizava o desafio e a ordem
que Jesus tinha dado. Fundamentalmente, seu ponto de vista era que se
aproximaram de Jesus para obter algo dele; quando se tratou de sofrer por Ele e
de lhe entregar algo, desapareceram. Quando o fato de segui-lo era algo
romântico e agradável, estavam dispostos a fazê-lo; quando o caminho se tornou
acidentado e duro, abandonaram-no. Em realidade, tinham pensado em ser
discípulos por razões muito egoístas. Não há ninguém que possa nos dar tanto
como Jesus mas, sem dúvida alguma, se nos aproximarmos dele com o único
propósito de receber sem dar nada, em seguida lhe daremos as costas. Aquele que
quer seguir a Jesus deve sempre ter em mente que no caminho de Jesus sempre há
uma cruz.
(2) Deterioração. Em quem mais vemos esta deterioração é em Judas. Jesus
deve ter visto nele um homem a quem podia usar para seu propósito. Mas Judas,
que poderia haver-se convertido em herói, converteu-se em vilão. E aquele que
poderia ter sido um santo se converteu no próprio nome da vergonha.
Há uma história terrível a respeito da experiência de um pintor que estava
pintando a Santa Ceia. Era um quadro grande e levou muitos anos concluí-lo.
Saiu a procurar um modelo para o rosto de Cristo, e encontrou um jovem de uma
beleza e pureza tão transcendente que o usou para pintar a Jesus. O quadro foi
adiantado pouco a pouco e um a um foi pintando os discípulos. Chegou o dia em
que precisou um modelo para Judas cujo rosto tinha deixado para o final. Saiu
para buscá-lo nos bairros mais pobres da cidade, onde havia todos os vícios e
perversões.
Por fim encontrou um homem com uma cara tão depravada e viciosa que o
escolheu como modelo para o rosto de Judas. Quando estava por terminar a
figura, o homem lhe disse: "Você me pintou antes". "Por certo que
não", respondeu o pintor. "Sim", respondeu o homem, "e a
última vez fui seu modelo para Cristo".
Os anos tinham arruinado a esse homem. A vida sempre envolve um perigo
terrível. Os anos podem ser cruéis. Podem fazer desaparecer nossos ideais,
nosso entusiasmo, nossos sonhos e lealdades. Podem nos deixar com uma vida que
diminuiu em vez de crescer. Podem nos deixar um coração mesquinho, cujo amor
por Deus não cresceu. A vida pode fazer perder a beleza. Deus nos livre disso!
(3) Decisão. Esta é a versão que João nos dá da grande confissão de
Pedro que nos outros Evangelhos aparece na Cesaréia de Filipe (Marcos 8:27;
Mateus 16:13; Lucas 9:18). Uma situação como esta evocou a lealdade no coração
de Pedro. Para Pedro, o fato concreto era que não havia nenhum outro a quem
acudir. Para ele o único que tinha as palavras de vida era Jesus.
Agora, devemos assinalar uma coisa. A lealdade de Pedro se baseava em uma relação pessoal com Jesus Cristo. Havia muitas coisas que Pedro não compreendia, estava tão intrigado e surpreso como qualquer dos outros. Mas em Jesus havia algo pelo qual estava disposto a morrer. Em última instância, o cristianismo não é uma filosofia que aceitamos; não é uma teoria a qual nos aderimos; não é uma elaboração do pensamento; não é algo que se alcança intelectualmente. É uma resposta pessoal a Jesus Cristo. É a resposta do coração ao magnetismo de Jesus. É uma lealdade e um amor que o homem entrega porque seu coração não lhe permite agir de outro modo.
Agora, devemos assinalar uma coisa. A lealdade de Pedro se baseava em uma relação pessoal com Jesus Cristo. Havia muitas coisas que Pedro não compreendia, estava tão intrigado e surpreso como qualquer dos outros. Mas em Jesus havia algo pelo qual estava disposto a morrer. Em última instância, o cristianismo não é uma filosofia que aceitamos; não é uma teoria a qual nos aderimos; não é uma elaboração do pensamento; não é algo que se alcança intelectualmente. É uma resposta pessoal a Jesus Cristo. É a resposta do coração ao magnetismo de Jesus. É uma lealdade e um amor que o homem entrega porque seu coração não lhe permite agir de outro modo.