Estudo sobre João 10

Estudo sobre João 10
Estudo sobre João 10


O pastor e suas ovelhas - 10:1-6
O pastor das ovelhas - 10:1-6 (cont.)
A porta rumo à vida - 10:7-10
O pastor verdadeiro e o pastor falso - 10:11-15
A unidade final - 10:16
A escolha do amor - 10:17-18
Louco ou Filho de Deus - 10:19-21
A afirmação e a promessa - 10:22-28
A afirmação e a promessa - 10:22-28 (cont.)
A grande confiança e a tremenda afirmação - 10:29-30
Um convite à prova amarga - 10:31-39
A paz que precede a tormenta - 10:40-42




O PASTOR E SUAS OVELHAS
Estudo sobre João 10:1-6

A imagem de Jesus que mais agrada é a que o apresenta como o Bom Pastor. A imagem do pastor está profundamente enraizada na linguagem e nas imagens bíblicas. Não podia ser de outro modo. A maior parte da Judéia é uma planície central. estende-se desde Betel ao Hebrom, cobrindo 56 Km. Sua largura é de 22 a 27 Km. A maior parte do terreno é rochoso e desnivelado. Portanto, e como é natural, Judéia é uma região muito mais dedicada ao pastoreio que à agricultura. De modo que era inevitável que a imagem mais cotidiana da zona montanhosa da Judéia fosse o pastor. A vida do pastor palestino era muito dura.

Na Palestina, nenhum pastor pastoreia sem um rebanho, e o pastor nunca está fora de seu posto. Há pouco pasto e as ovelhas vão muito longe. Não há cercos protetores e é necessário cuidar dos animais o tempo todo. De ambos os lados da estreita planície, o terreno se confunde com o deserto rochoso e sempre é possível que as ovelhas se afastem e se percam. O trabalho dos pastores era constante e perigoso visto que, além disso, deviam proteger a seus rebanhos dos animais selvagens, em particular contra os lobos, e sempre havia ladrões e assaltantes dispostos a roubar as ovelhas.

Sir George Adam Smith, que viajou pela Palestina, escreve: “No topo de algum monte através do qual se ouve o grito das hienas durante as noites, quando o encontra sem dormir, com o olhar fixo na distância, açoitado pelo clima, apoiado sobre sua fortificação e cuidando das ovelhas dispersas, cada uma das quais ocupa um lugar em seu coração, entende-se por que o pastor da Judéia chegou a ocupar o primeiro lugar na história de seu povo; por que deram seu nome ao rei e o converteram no símbolo da providência; por que Cristo o tomou como exemplo de renunciamento.”

A vigilância constante, a coragem ilimitada, o amor paciente para com seu rebanho, eram as qualidades necessárias do pastor. No Antigo Testamento, costuma-se falar de Deus como o pastor, e do povo como seu rebanho. "O SENHOR é meu pastor; nada me faltará" (Salmo 23:1). “Guiaste o teu povo, como a um rebanho, pela mão de Moisés e de Arão” (Salmo 77:20). “Assim, nós, teu povo e ovelhas de teu pasto, te louvaremos eternamente” (Salmo 79:13). “Dá ouvidos, ó pastor de Israel, tu que conduzes a José como um rebanho” (Salmo 80:1). “Ele é o nosso Deus, e nós, povo do seu pasto e ovelhas de sua mão” (Salmo 95:7). “Somos o seu povo e rebanho do seu pastoreio” (Salmo 100:3). O Ungido de Deus, o Messias, também é apresentado como o pastor das ovelhas. “Como pastor, apascentará o seu rebanho; entre os seus braços recolherá os cordeirinhos e os levará no seio; as que amamentam ele guiará mansamente” (Isaías 40:11). "Apascentará o rebanho do Senhor com fidelidade e justiça e não permitirá que nenhuma tropece. Conduzirá todas com segurança" (Salmo de Salomão 17:45). Os líderes do povo são descritos como pastores do povo e da nação de Deus. “Ai dos pastores que destroem e dispersam as ovelhas do meu pasto!” (Jeremias 23:1-4). Ezequiel expressa uma terrível condenação para os líderes falsos que perseguem seu próprio bem antes que o de seu rebanho. “Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si mesmos! Não apascentarão os pastores as ovelhas?” (Ezequiel 34:2).

Esta imagem passa ao Novo Testamento. Jesus é o Bom Pastor. É o pastor que arriscará sua vida para buscar e salvar a ovelha extraviada (Mateus 18:12; Lucas 15:4). Compadece-se do povo porque são como ovelhas sem pastor (Mateus 9: 36; Marcos 6:34). Os discípulos são seu pequeno rebanho (Lucas 12:32). Quando se fere o pastor, dispersam-se as ovelhas (Marcos 14:27; Mateus 26:31). Ele é o Pastor das almas dos homens (1 Pedro 2:25) e o grande Pastor das ovelhas (Hebreus 13:20).

Tal como na imagem do Antigo Testamento, os líderes da Igreja são os pastores e o povo é o rebanho. O dever do líder é alimentar ao rebanho de Deus, aceitar seu cuidado voluntariamente, não por força, fazê-lo com o ânimo bem disposto, não por amor ao dinheiro, nem fazer uso de sua posição para exercer poder sobre o povo; deve tornar-se exemplo para sua grei (1 Pedro 5:2-3). Paulo incita aos anciãos de Éfeso a cuidar de todo o rebanho sobre o qual os pôs o Espírito Santo (Atos 20:28). A última ordem de Jesus a Pedro é que alimente a seus cordeiros e suas ovelhas (João 21:15-19).

Os judeus tinham uma bonita lenda para explicar por que Deus tinha escolhido a Moisés para conduzir a seu povo. "Quando Moisés apascentava as ovelhas de seu sogro no deserto, escapou um cordeiro. Moisés o seguiu até que chegou a uma garganta onde encontrou um poço para beber água. Quando o alcançou disse: 'Não sabia que escapou porque tinha sede. Agora deve estar muito cansado.' Carregou o cordeiro sobre os ombros e o levou até o rebanho. Então Deus disse: 'Porque mostrou compaixão ao carregar a uma criatura de um rebanho que pertencia a um homem, conduzirá a meu rebanho, Israel.' "Quando pensamos na palavra pastor deveria evocar em nós a vigilância e a paciência incessantes do amor de Deus. E deveria nos recordar nosso dever para com nosso próximo, em especial se ocuparmos algum posto na Igreja de Cristo.

O PASTOR DAS OVELHAS
Estudo sobre João 10:1-6 (continuação)

O pastor palestino tinha certos hábitos que o diferenciavam do de outras regiões. A fim de compreender bem esta imagem devemos ver esse pastor e a forma em que trabalhava.

O equipamento do pastor era muito simples. Tinha sua bolsa. Esta era feita da pele de animal e a usava para levar comida. Não continha nada mais que pão, fruta seca, algumas azeitonas e queijo. Tinha uma funda. A habilidade de muitos homens da Palestina era tal que “atiravam com a funda uma pedra num cabelo e não erravam.” (Juízes 20:16). O pastor usava a funda para defender-se e atacar, mas também, dava-lhe um uso estranho. Na Palestina não havia cães pastores e quando o pastor queria chamar uma ovelha que se afastou muito punha uma pedra na funda e a fazia cair justo frente ao focinho do animal que se estava afastando como advertência para que retornasse. Tinha um cajado. Era um pau de madeira, bastante curto. Em um extremo tinha uma cunha na qual se costumavam pregar os pregos. No extremo superior havia um corte através do qual passava um cordão. Este cordão se usava para pendurar o cajado do cinturão. O cajado era uma arma que empregava para defender-se a si mesmo e a seu rebanho contra os animais e os ladrões. Tinha sua vara. Esta era como o gancho do pastor. Podia usar para agarrar e fazer retornar qualquer ovelha que se afastava mais do conveniente. Ao cair o dia, quando as ovelhas voltavam ao redil, o pastor atravessava a vara na porta, perto do chão, e as ovelhas tinham que passar por baixo (Ezequiel 20:37; Levítico 27:32). À medida que passavam, o pastor olhava se tinham recebido algum golpe ou se tinham sido feridas durante o dia.

A relação entre o pastor e as ovelhas da Palestina é muito peculiar. Em muitos países se criam ovelhas para sacrificá-las; na Palestina, ao contrário, se criam ovelhas em grande medida para obter lã. É por isso que as ovelhas podem estar durante anos com o pastor. Este está acostumado a lhes dar diferentes nomes com os quais descreve alguma de suas características: "pata marrom", "orelha negra".

Na Palestina, os pastores caminhavam diante das ovelhas e estas o seguiam. O pastor ia na frente para assegurar-se de que o caminho era seguro e que não havia nenhum perigo. Às vezes tinha que alentar as ovelhas para que o seguissem. Uma viajante relata que em uma oportunidade viu um pastor que guiava a suas ovelhas chegar a um vau. As ovelhas resistiam a cruzar.

Por fim o pastor solucionou o problema carregando um dos cordeiros. Quando a mãe viu sua cria do outro lado também cruzou; o resto do rebanho não demorou para seguir seu exemplo. É estritamente certo que as ovelhas conhecem e entendem a voz do pastor oriental e que jamais responderão à voz de um estranho. H. V. Morton nos dá uma bela descrição da forma em que o pastor fala com as ovelhas.

“Às vezes lhes fala com voz elevada, seguindo algum tipo de ritmo e com uma linguagem estranha que não se parece com nenhuma outra. A primeira vez que escutei este idioma de ovelhas e cabras estava nas serras que jazem detrás de Jericó. Um pastor de cabras tinha descido a um vale e estava escalando a ladeira da serra de frente quando, ao dar a volta, viu que as cabras ficaram atrás para comer um pasto muito tenro. Elevou a voz e falou com suas cabras na mesma linguagem que Pão deve ter empregado para dirigir-se às montanhas da Grécia. Era estranho porque não tinha nenhum característico humano. As palavras eram sons animais dispostos em algum tipo de ordem. Logo que falou se ouviu um balido no rebanho e um ou dois animais voltaram suas cabeças em direção ao pastor. Entretanto, não o obedeceram.

“Então o pastor gritou uma palavra e emitiu um som misturado com um tipo de risada. Imediatamente uma cabra que tinha um guizo ao redor do pescoço deixou de comer, abandonou o rebanho e trotou rumo ao vale, cruzou-o e subiu a outra serra. O homem, acompanhado por este animal, continuou caminhando e desapareceu depois de uma rocha. Em seguida estendeu o pânico no rebanho. Esqueceram-se do pasto. Buscaram o pastor com o olhar. Tinha desaparecido. Deram-se conta de que a cabra que levava o guizo já não estava ali. De longe chegou o estranho chamado do pastor e ao ouvi-lo o rebanho inteiro saiu em uma correria, cruzou o vale e subiu a serra” (H. V. Morton, In the Steps of the Master, págs. 154-155). W. M. Thomson, em seu livro The Land and the Book descreve a mesma imagem.

“O pastor dá um guincho de vez em quando, para lhes recordar que está ali. Reconhecem sua voz e a seguem. Mas se aquele que grita é um estranho, ficam imobilizadas, levantam as cabeças assustadas e, se for repetir, saem correndo porque não reconhecem a voz de um estranho. Fiz a prova várias vezes.”

Trata-se a mesma imagem que João descreve.

H. V. Morton descreve uma cena que viu em uma cova perto de Belém. Dois pastores tinham reunido a suas ovelhas para passar a noite. Como as separariam? Um dos pastores se afastou um pouco e emitiu seu chamado peculiar que só suas próprias ovelhas conheciam. Em pouco tempo, todo o rebanho tinha deslocado para ele porque conheciam sua voz. Não se tivessem aproximado se se tratasse de qualquer outro, mas conheciam o chamado de seu próprio pastor.

Um viajante do século XVIII relata de que maneira as ovelhas da Palestina dançavam, com distinto ritmo, quando escutavam um assobio ou uma melodia que seu próprio pastor interpretava na flauta. Todos os detalhes da vida do pastor arrojam luz sobre a imagem do Bom Pastor cuja voz suas ovelhas ouvem e cuja preocupação constante se dirige ao rebanho.

A PORTA RUMO À VIDA
Estudo sobre João 10:7-10

Os judeus não compreenderam o sentido do relato do Bom Pastor. Por isso Jesus abertamente, de maneira franca e sem rodeios, aplicou-o a si mesmo.

Começou dizendo: "Eu sou a porta." Nesta parábola Jesus se referiu a duas classes de redis. Nas aldeias e nos povoados havia currais comunais nos quais se refugiavam todos os rebanhos da aldeia quando retornavam de noite. Estes currais estavam protegidas por uma porta muito forte cuja chave estava na mão do guardião da porta e de ninguém mais. A essa classe de curral é ao que se refere Jesus nos versos 2 e 3. Mas quando as ovelhas estavam nas serras na estação cálida e não voltavam de noite para a aldeia, eram reunidas em currais construídos nas serras. Estes eram espaços abertos cercados por uma parede. Tinham uma abertura pela qual entravam e saíam as ovelhas mas careciam de qualquer espécie de porta. O próprio pastor se deitava através da abertura e nenhuma ovelha podia sair ou entrar sem passar por cima dele. No sentido mais literal, o pastor era a porta; não se podia ter acesso ao curral exceto através dele.

Era nisso que Jesus pensava ao dizer: "Eu sou a porta." Através dele, e só através dele, os homens se encontram com Deus. "Por meio dele", disse Paulo, "os uns e os outros temos entrada por um mesmo Espírito ao Pai" (Efésios 2:18). O autor disse aos hebreus, "Ele é o novo e vivo caminho" (Hebreus 10:20). Jesus abre o caminho rumo a Deus. Até Jesus chegar, os homens só podiam pensar em Deus de duas maneiras: no melhor dos casos, como um estranho e, no pior dos casos, como um inimigo. Mas Jesus precisou dizer e mostrar aos homens como era Deus e lhes abrir o caminho rumo a Ele. É como se Jesus nos apresentasse a Deus, coisa que jamais teríamos podido descobrir ou obter por nossa conta. Jesus abriu aos homens a porta que conduz para Deus. É a única porta através da qual os homens podem aproximar-se a Deus.

A fim de descrever, em parte, o que significa esse acesso a Deus, Jesus emprega uma frase muito conhecida pelos hebreus. Diz que através dele podemos entrar e sair. A possibilidade de ir de um lado para outro sem problemas era a forma que tinham os judeus de descrever uma vida absolutamente segura e protegida. Quando um homem pode sair e entrar sem temor significa que seu país está em um estado de paz, que as forças da lei e a ordem exercem uma autoridade suprema e que desfruta de uma segurança perfeita em sua vida. O líder de uma nação deve ser alguém que possa sair diante deles e entrar diante deles (Números 27:17). Ao referir-se ao homem que obedece a Deus se diz que é bendito quando entra e bendito quando sai (Deuteronômio 28:6). Um menino é alguém que ainda não é capaz de sair e entrar por seus próprios meios (1 Reis 3:7). O salmista está seguro de que Deus guardará sua saída e sua entrada (Salmo 121:8). Uma vez que o homem descobre, através de Jesus Cristo, como é Deus, experimenta um sentimento novo de segurança e amparo em sua vida. Se a vida estiver nas mãos de um Deus como esse, desaparecem os temores e as preocupações.

Há uma grande diferença entre Jesus e os homens que o precederam. Jesus disse que esses eram ladrões e salteadores. É obvio que ao dizer isso não se referia à grande sucessão de profetas e de heróis. Fazia referência aos aventureiros que apareciam com freqüência na Palestina e prometiam uma idade de ouro àqueles que os seguissem. Todos eles eram revolucionários e insurretos. Criam que para chegar à idade de ouro os homens deveriam atravessar rios de sangue. Nesta mesma época, Josefo relata que houve dez mil desordens na Judéia; tumultos provocados por guerreiros. Fala de homens como os zelotes que não se importavam perder a própria vida e matar a seus seres queridos se com isso podiam cumprir seus planos de triunfo e conquista. O que diz Jesus é o seguinte: "Houve homens que afirmavam que eram líderes que Deus lhes enviava. Criam na guerra, no assassinato, na morte. Seu caminho só conduz cada vez mais longe de Deus. Meu caminho é o da paz, do amor e da vida. E meu caminho, se vocês se animarem a escolhê-lo, conduz cada vez mais perto de Deus."

Houve e ainda há gente que pensa que terá que alcançar a idade de ouro por meio da violência, da luta de classes, do ódio, da destruição. A mensagem de Jesus é que o único caminho que conduz a Deus no céu e à idade de ouro na Terra é o caminho do amor.

Jesus afirma que veio para que os homens tivessem vida e para que a tivessem com abundância. A frase que se emprega para expressar que a tenham em abundância é uma expressão grega que significa ter um excedente, uma superabundância de algo. Seguir a Jesus, saber quem é e o que significa é ter uma superabundância de vida. Conta-se a história de um soldado romano que se apresentou a Júlio César para lhe pedir permissão para suicidar-se e pôr fim a sua vida.. Era uma criatura desgraçada, triste, desanimada, sem a menor vitalidade. César o olhou. "Homem", disse, "alguma vez esteve vivo?" Quando tratamos de viver nossa própria vida, é-nos um pouco aborrecida, escura. Quando caminhamos junto a Jesus, quando reconhecemos sua presença em nossas vidas, estas se enchem de uma nova vitalidade, de uma superabundância de vida. Só quando vivemos com Cristo, a vida se converte em algo vale a pena viver e começar a vivê-la em todo o sentido do termo.


O PASTOR VERDADEIRO E O PASTOR FALSO
Estudo sobre João 10:11-15

Esta passagem estabelece o contraste entre o bom pastor e o mau pastor, o pastor leal e o pastor desleal. Na Palestina, o pastor era o único responsável pelas ovelhas. Se a estas acontecia algo, tinha que apresentar algum tipo de prova para demonstrar que não tinha sido culpa dela. Amós diz que o pastor resgata da boca de um leão duas pernas ou a ponta de uma orelha (Amos 3:12). A Lei estabelecia: “Se for dilacerado, trá-lo-á em testemunho disso” (Êxodo 22:13).

A idéia é que o pastor devia levar uma prova de que a ovelha tinha morrido e que ele tinha sido incapaz de evitá-lo. Davi relata a Saul que quando cuidava as ovelhas de seu pai lutava contra o leão e o urso (1 Samuel 17:34-36). Isaías fala do grupo de pastores que foram chamados para lutar contra o leão (Isaías 31:4). Para o pastor, o mais natural do mundo era arriscar sua vida por seu rebanho. Às vezes o pastor tinha que fazer algo mais que arriscar sua vida pelas ovelhas, devia entregar sua vida por elas. Isto acontecia em particular quando os ladrões e os salteadores se aproximavam para atacar o rebanho.

Em seu livro The Land and the Book, o Dr. W. M. Thomson escreve: “Ouvi com profundo interesse suas descrições gráficas das lutas cruéis e desesperadas com estas bestas selvagens. E quando o ladrão e o salteador se aproximam (coisa que fazem, por certo! o pastor está acostumado a ter que arriscar sua vida para defender o rebanho. Conheci mais de um caso no qual entregou a vida na luta. Um pobre moço lutou a primavera passada entre Tiberíades e Tabor, contra três salteadores beduínos até que o destroçaram com suas armas e morreu entre as ovelhas que defendia”.

O pastor autêntico jamais titubeia em arriscar, e até oferecer, a vida por suas ovelhas.

Mas, por outro lado, também havia o pastor falso e desleal. A diferença é a seguinte. O verdadeiro pastor nascia para desempenhar sua tarefa. Era enviado a cuidar o rebanho logo que tinha a idade suficiente para fazê-lo. A vocação de pastor ia desenvolvendo-se nele: as ovelhas se convertiam em suas amigas e companheiras e assumiam como algo natural o fato de pensar nas ovelhas antes que em si mesmo. O falso pastor, ao contrário, ocupava-se do rebanho não como vocação mas sim como um meio de ganhar dinheiro. A única e exclusiva razão pela qual se ocupavam das ovelhas era para cobrar dinheiro. Até podia ser alguém que foi às montanhas porque a cidade lhe resultava muito hostil. Não tinha noção da importância e da responsabilidade inerentes a seu chamado. Era um mercenário. Os lobos constituíam uma ameaça para o rebanho. Jesus disse que enviava a seus discípulos como ovelhas em meio de lobos (Mateus 10:16). Paulo advertiu aos anciãos de Éfeso que chegariam lobos rapaces que não perdoariam às ovelhas (Atos 20:29). Estes lobos atacavam e o pastor mercenário abandonava tudo para salvar sua própria vida. Zacarias assinala como característica de um pastor falso o fato de que não faz nenhum esforço para reunir as ovelhas dispersas (Zacarias 11:6).

Em uma oportunidade, o pai de Carlyle usou esta imagem de maneira amarga. No Ecclefechan tinham problemas com o ministro e se tratava da pior espécie de problemas, um problema de dinheiro. O pai de Carlyle ficou de pé e disse com acuidade: "Dêem seu salário ao mercenário e deixem-no ir."

A idéia central de Jesus é que o homem que só trabalha pela recompensa pensa mais no dinheiro que em qualquer outra coisa. O homem que trabalha por amor pensa mais nas pessoas às quais busca servir que em qualquer outra coisa. Jesus era o Bom Pastor que amou de tal modo a suas ovelhas que estava disposto a arriscar, e até a entregar sua vida por elas.

Podemos assinalar dois detalhes mais antes de passar a outra passagem. Jesus se descreve a si mesmo como o bom pastor. Agora, o grego tem duas palavras para expressar bom. A palavra agathos que descreve a qualidade moral de algo. A palavra kalos que assinala que a coisa ou a pessoa não só é boa mas também na bondade há uma qualidade de atração, de beleza, que a convertem em algo formoso. Quando se diz que Jesus é o bom pastor a palavra que se emprega é kalos. Em Jesus há algo mais que eficiência, mais que fidelidade; há uma certa formosura. Às vezes, nos povos, a gente fala do bom doutor. Quando o dizem, não se referem somente à eficiência e à habilidade do médico, fazem referência à simpatia, a bondade, a gentileza que o acompanham e que o fazem granjear a amizade de todos. Na imagem de Jesus como o bom pastor há um elemento de beleza além de força e poder.

O segundo detalhe é o seguinte. Na parábola, o rebanho é a Igreja de Cristo. Este rebanho se vê ameaçado por um duplo perigo. Está constantemente exposto ao ataque do exterior por parte dos lobos, dos salteadores e dos saqueadores. Sempre está exposto a ter problemas em seu interior provocados pelo falso pastor. A Igreja corre um duplo perigo. Sempre a atacam de fora. Está acostumada a sofrer a tragédia de uma má liderança, do desastre dos pastores que concebem seu chamado como uma carreira e não como uma forma de serviço. O segundo perigo é o pior porque se o pastor for fiel e bom, o rebanho é forte para resistir os ataques do exterior. Pelo contrário, se o pastor for infiel e só está por causa do dinheiro, os inimigos exteriores podem penetrar e destruir o rebanho. O elemento fundamental da Igreja é uma liderança baseada no exemplo de Jesus Cristo.


A UNIDADE FINAL
Estudo sobre João 10:16

Uma das coisas das quais é mais difícil desprender-se é o sentimento de exclusividade. Quando um povo, ou um grupo dentro de um povo, consideram que gozam de um privilégio especial e que são diferentes do resto das pessoas, é-lhes muito difícil dar-se conta de que os privilégios que consideravam exclusivos estão abertos a todos os homens. Isso foi algo que os judeus nunca aprenderam. Criam que eram o povo eleito de Deus e que Deus não queria nenhum relacionamento com outra nação ou grupo humano. Consideravam que, no melhor dos casos, o destino de outros povos era ser escravos dos judeus e, no pior, ser eliminados e apagados do mundo. No entanto, aqui está Jesus afirmando que chegará o dia quando reunirá a todos os homens e todos o reconhecerão como seu pastor.

Nem sequer o Antigo Testamento carece de visões desse dia. Um grande profeta a quem conhecemos com o nome do Isaías teve esse mesmo sonho. Estava convencido de que Deus tinha posto a Israel como luz das nações (Isaías 42:6; 49:6; 56:8). Sempre houve vozes isoladas que insistiram em que Deus não era propriedade exclusiva do povo de Israel mas sim o destino desse povo era fazer conhecer a Deus a todos os homens.

À primeira vista, pode parecer que no Novo Testamento se expressam duas opiniões sobre este tema. Pode ocorrer que algumas passagens nos surpreendam e nos preocupem quando as lemos. Segundo o relato de Mateus, quando Jesus enviou a seus discípulos a pregar, disse-lhes: “Não tomeis rumo aos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos; mas, de preferência, procurai as ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mateus 10:5-6). Quando a mulher cananéia implorou a ajuda de Jesus, sua primeira resposta foi que não tinha sido enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel (Mateus 15:24). Mas há muitos argumentos que indicam o contrário. O próprio Jesus permaneceu e ensinou em Samaria (João 4:40). Declarou que o fato de ser descendente de Abraão não era uma garantia para entrar no Reino (João 8:39). Jesus falava de um centurião romano ao dizer que jamais havia visto semelhante fé em Israel (Mateus 8:10). O único que voltou para agradecer foi um leproso samaritano (Lucas 17:19). Foi o viajante samaritano quem demonstrou a bondade que todos os homens devem copiar (Lucas 10:37). Muitos viriam do Leste e do Oeste, do Norte e do Sul para sentar-se no Reino de Deus (Mateus 8:11; Lucas 13:28). A ordem final foi que deviam sair a pregar o evangelho a todas as nações (Marcos 16:5: Mateus 28:19).

Jesus não era a luz dos judeus e sim a luz do mundo (João 8:12). A que se deve esta diferença? Qual é a explicação das afirmações que parecem limitar a obra de Jesus aos judeus? Em realidade, a explicação é muito singela. O fim último de Jesus era ganhar o mundo para Deus. Mas qualquer capitão sabe que ao princípio deve restringir seus objetivos. Se busca atacar em uma frente ampla, se se propõe golpear em todas partes de uma vez, a única coisa que consegue é dispersar sua força, atomizar seu poder e não triunfa em nenhuma parte. Para obter uma vitória final completa deve começar concentrando suas forças sobre certos objetivos determinados e circunscritos. Isso foi o que Jesus fez. Quando veio e quando enviou a seus discípulos, escolheu de maneira premeditada o objetivo limitado. Se tivesse ido a todas partes e se tivesse enviado a seus discípulos a todos os lados sem impor limitações a sua esfera de ação, não teria sucedido nem conseguido nada. Nesse momento, concentrou-se com plena consciência e predeterminação, no povo judeu, mas seu objetivo final era reunir o mundo inteiro sob seu amor.

Esta passagem contém três grandes verdades.

(1) O mundo pode converter-se em um só unicamente por meio de Jesus Cristo. Edgerton Young foi o primeiro missionário que se aproximou dos corte vermelhas. Saiu a seu encontro no Saskatchewan e lhes falou sobre o amor de Deus Pai. Para os indígenas foi como uma nova revelação.

Quando o missionário terminou de pronunciar sua mensagem, um velho cacique disse: "Quando você falou há pouco do grande Espírito, eu o ouvi dizer 'Nosso Pai'?" "Sim", respondeu Edgerton Young. "Para mim isso é muito novo e muito agradável", disse o cacique. "Nunca pensamos no grande Espírito como um Pai. Nós o ouvimos no trovão, o vimos no raio, na tempestade e no vento e sentimos medo. Por isso quando você nos diz que o grande Espírito é nosso Pai, é-nos muito bonito". O ancião fez uma pausa e logo prosseguiu enquanto um raio de glória lhe iluminou o rosto. "Missionário, disse que o grande Espírito é seu Pai?" "Sim", respondeu o missionário. "E você disse que é o Pai dos índios?" prosseguiu o cacique. "Isso disse", respondeu o missionário. "Então", disse o ancião cacique, como alguém a quem lhe revelou uma grande alegria, "Você e eu somos irmãos!"

A única unidade possível para os homens radica em que são filhos de Deus. No mundo, existem divisões entre uma nação e outra; dentro da nação há divisões entre as classes sociais. Nunca pode haver uma só nação, uma só classe. A única coisa que pode transpor as barreiras e fazer desaparecer as diferencia é o evangelho de Jesus Cristo que fala com os homens sobre a paternidade universal de Deus.

(2) Em algumas traduções da Bíblia se comete um engano de tradução neste versículo. Diz-se: "Haverá um só rebanho e um só pastor." O engano se remonta a Jerônimo e à Vulgata. E sobre essa tradução incorreta a Igreja de Roma baseia seu ensino no sentido de que, visto que há um só rebanho só pode haver uma Igreja, a Igreja Católica Romana, e que não existe a salvação fora dela. Mas não há a menor dúvida de que a tradução correta é: "Haverá um rebanho e um pastor, ou, melhor ainda, "Converter-se-ão em um rebanho e haverá um pastor." A unidade não provém do fato de que se obriga a todas as ovelhas a entrar num mesmo redil mas sim todas as ovelhas ouvem, respondem e obedecem a um só pastor. Não se busca uma unidade eclesiástica mas sim a unidade que provém da lealdade a Jesus Cristo.

Um exemplo humano ilustra isto de maneira clara. A Comunidade Britânica de Nações não é uma unidade na qual cada nação tem o mesmo sistema de governo e obedece à mesma administração. Os países que compõem a comunidade são independentes; podem fazer o que querem, têm seus próprios governos, mas estão unidos por uma lealdade comum à Rainha e à Coroa.

O fato de que há um rebanho não significa que não pode haver mais que uma Igreja, uma forma de culto, um sistema de administração eclesiástica. O que significa é que todas as Igrejas estão unidas por e em uma lealdade comum a Jesus Cristo. A unidade cristã não se baseia na obediência a algum tipo de procedimento eclesiástico, baseia-se sobre a lealdade a uma pessoa: Jesus Cristo.

(3) Mas esta frase de Jesus se converte em algo muito pessoal: um sonho que podemos ajudar a converter em realidade para todos. Os homens não podem ouvir se carecerem de um pregador. As outras ovelhas não se podem unir ao rebanho se não haver quem sai para buscálas. Aqui nos apresenta a tremenda tarefa missionária da Igreja. E não podemos vê-la só como missões estrangeiras. Se conhecermos alguém, aqui e agora, que está fora do amor de Cristo, Cristo o quer para si e devemos agradá-lo. Seu sonho depende de nós. Somos nós aqueles que podemos ajudá-lo a converter o mundo em um rebanho cujo pastor é Cristo.


A ESCOLHA DO AMOR
Estudo sobre João 10:17-18

Há poucas passagens no Novo Testamento que em tão poucas palavras nos digam tanto sobre Jesus.

(1) Diz-nos que Jesus viu toda sua vida como um ato de obediência a Deus. Deus lhe tinha encomendado uma tarefa e estava disposto a levá-la a cabo até suas últimas conseqüências, inclusive se isso incluía a morte. Jesus mantinha uma relação única com Deus. A única forma na qual podemos descrevê-la é dizendo que era o Filho de Deus. Mas a relação não lhe dava o direito de fazer o que quisesse; baseava-se sobre o fato de que, qualquer que fosse o preço, sempre fazia a vontade de Deus. Para Jesus, o fato de ser o Filho de Deus era de uma vez o maior dos privilégios e a maior responsabilidade. Para ele, e para nós, o fato de ser filhos de Deus só pode basear-se na obediência.

(2) Diz-nos que Jesus sempre viu a cruz e a glória juntas. Nunca duvidou de que devia morrer, tampouco duvidou de que ressuscitaria. A razão desta certeza radicava na confiança que Jesus depositava em Deus. Jamais creu que Deus o abandonaria. Cria que, sem dúvida alguma, a obediência a Deus lhe reportaria sofrimento, mas também cria que essa obediência significaria a glória. Mais ainda, cria que esse sofrimento era momentâneo e que a glória era eterna. Toda a vida se baseia sobre o fato de que algo que vale a pena obter-se requer sacrifícios. Deve pagar-se um preço por tudo. O conhecimento só se obtém por meio do estudo; a habilidade em qualquer técnica ou artesanato só se obtém com a prática; a capacidade em qualquer esporte só se obtém com o treinamento e a disciplina. O mundo está cheio de gente que perdeu a oportunidade de cumprir o seu destino porque não estava disposta a pagar o preço que este lhe impunha. Ninguém pode escolher o caminho fácil e alcançar algum tipo de glória ou grandeza. Ninguém pode optar pelo caminho difícil e não alcançar a glória e a grandeza.

(3) Diz-nos de maneira inconfundível que a morte de Jesus foi absolutamente voluntária. Isso é algo que Jesus repete uma e outra vez. No jardim obrigou a seu defensor a guardar a espada. Se quisesse, poderia convocar as legiões do céu para defendê-lo (Mateus 26:53). Quando se defrontou com Pilatos, Jesus deixou bem claro que não era Pilatos quem o condenava mas foi Jesus quem aceitava a morte (João 19:9-10). Jesus não foi uma vítima das circunstâncias. Não foi como um animal a quem se arrasta ao sacrifício contra sua vontade e que se debate nos braços do sacerdote sem saber o que acontece. Jesus entregou sua vida voluntariamente porque escolheu fazê-lo.

Conta-se que durante a Primeira Guerra Mundial havia um soldado francês muito ferido. Tinha o braço tão destroçado que era preciso amputar. Era um magnífico exemplo de virilidade e o cirurgião se sentia dolorido ao pensar que o jovem teria que ir pela vida com um só braço. Esperou junto à cama até que recuperou a consciência para lhe dar a má notícia. Quando o moço abriu os olhos, o cirurgião lhe disse: "Sinto lhe dizer que perdeu o braço." "Senhor", respondeu o jovem, "não o perdi; entreguei-o pela França."

Jesus não caiu indefeso em uma série de circunstâncias das quais não se pôde liberar. Além de qualquer outra coisa, independentemente de qualquer poder e ajuda divina que poderia ter solicitado, é evidente que, até o último momento, pôde ter retrocedido salvando assim sua vida. Não perdeu sua vida; entregou-a. Não o mataram; escolheu morrer. Não lhe foi imposto a cruz, aceitou-a voluntariamente, por nós.


LOUCO OU FILHO DE DEUS
Estudo sobre João 10:19-21

As pessoas que ouviram a Jesus nesta oportunidade se defrontavam com o mesmo dilema diante do qual sempre se encontram os homens. Jesus era um louco megalomaníaco ou era o Filho de Deus. Não há forma de escapar a essa opção. Se alguém falar a respeito de Deus e de si mesmo como o fez Jesus cabem duas possibilidades: ou essa pessoa está completamente transtornada ou tem uma razão profunda para fazê-lo. As afirmações de Jesus podem atribuir-se ou à loucura ou à divindade. Como podemos estar seguros de que essas afirmações eram justificadas e que não provinham do maior dos farsantes?

(1) As palavras de Jesus não pertencem a um louco. Poderíamos mencionar uma testemunha atrás de outra para demonstrar que os homens sempre foram muito conscientes de que o ensino de Jesus corresponde a maior prudência.

Em um livro chamado What I Believe, algumas pessoas escreveram aquelas crenças que consideravam fundamentais. Lionel Curtem afirmou que cria que o objetivo da humanidade deveria ser converter o mundo no que ele denomina a Comunidade de Deus. Continua dizendo, "Quando me perguntam o que quero dizer com esta comunidade, respondo: 'O Sermão da Montanha reduzido a princípios políticos.' "

A Senhora Chiang Kai-shek disse: "Como temos que obedecer os postulados da lei moral a fim de construir um mundo mais moral? Minha resposta, e a resposta absoluta, em minha opinião, é o Sermão da Montanha."

A verdade é que o testemunho de pensadores e pensadoras de todas as épocas assinalam que o ensino de Jesus é a única coisa corda que leva prudência a um mundo enlouquecido. É a única voz que pronuncia o bom sentido de Deus em meio do desespero humano. Não há o menor rastro de loucura nisso.

(2) Os atos de Jesus não são os de um louco. Curou os doentes, deu de comer os famintos, consolou aos afligidos. A loucura do megalômano é egoísta. Busca sua glorifica e prestígio. A vida de Jesus, ao contrário, estava dedicada a servir a outros. Como diziam os próprios judeus, um homem louco não poderia abrir os olhos dos cegos.

(3) O efeito que Jesus tem não é aquele que corresponde a um louco. A realidade inegável é que o poder de Jesus mudou a vida de milhões e milhões de pessoas; milhares de fracos se fortaleceram, pessoas egoístas se esqueceram de si mesmos, gente fracassada triunfou, pessoas afligidas se acalmaram, homens maus se tornaram bons. Não é a loucura quem produz semelhante mudança, é a sabedoria e a prudência perfeitas.

A opção continua vigente: Jesus era louco ou divino. E não existe a pessoa honesta que possa analisar os testemunhos e chegar a outra conclusão que não seja a de que o que Jesus trouxe para o mundo não foi uma loucura alucinada e sim a prudência perfeita de Deus.


A AFIRMAÇÃO E A PROMESSA
Estudo sobre João 10:22-28

João começa dando-nos o lugar e a data desta discussão A data era a festa da dedicação. Esta era a festividade judia de mais recente instituição. Às vezes era denominada a festa das luzes. O nome judeu era Hanukkah. Celebrava-se no dia 25 do mês judeu chamado kislev. Este mês corresponde a dezembro, de maneira que a festa caía muito perto de nossa celebração do Natal. Os judeus do mundo inteiro continuam celebrando tal festa até o dia de hoje.

A origem da festa da dedicação se encontra em uma das épocas mais sublimes de sofrimento e heroísmo da história judia. Havia um rei da Síria chamado Antíoco Epifanes que reinou desde 175 até 164 A. C. Amava e venerava tudo que fosse grego. Decidiu eliminar a religião judia para sempre e introduzir os costumes, as idéias, a religião e os deuses gregos na Palestina. A princípio, tentou levá-lo a cabo mediante uma penetração pacífica de idéias. Alguns judeus receberam estas novidades de bom grado, mas a maioria se manteve tenazmente fiel à sua fé ancestral.

No ano 170 A. C. se desencadeou a tormenta. Nesse ano Antíoco atacou Jerusalém. Afirma-se que morreram 80.000 judeus e outros tantos foram vendidos como escravos. Roubaram-se 1.800 talentos do tesouro do templo. Possuir uma cópia da Lei ou circuncidar um menino se converteram em ofensas muito graves. As mães que ousavam circuncidar seus filhos eram crucificadas com o menino pendurado ao redor do pescoço. Os pátios do templo foram profanados, as habitações do templo se converteram em bordéis. Por último, Antíoco deu um passo terrível: converteu o grande altar das ofertas em um altar ao Zeus Olímpico e ofereceu carne de porco aos deuses pagãos. Poluíram-se os pátios do templo de forma tremenda e com absoluta deliberação. Foi então quando Judas Macabeu e seus irmãos se levantaram para levar a cabo uma luta heróica pela liberdade de seu povo. No ano 164 se obteve a vitória; esse ano se limpou e se purificou o templo. Reconstruiu-se o altar e se substituíram as vestimentas e os utensílios depois de quatro anos de contaminação. A festa da dedicação se instituiu para comemorar essa purificação do templo. Judas Macabeu estabeleceu que "cada ano, ao seu devido tempo e durante oito dias a contar do vinte e cinco do mês de Kislev, celebrasse com alvoroço e regozijo o aniversário da dedicação do altar" (1 Macabeus 4:59). É por isso que se havia acostumado a chamar a festividade de festa da dedicação do altar ou da Comemoração da purificação do templo.

Entretanto, já vimos que tinha outro nome. Era costume denominá-la a festa das luzes. Havia uma grande iluminação no templo e também em cada lar judeu, coisa que se pode ver até na atualidade. Ficavam luzes na janela de cada casa judia. Segundo Shamai, ficavam oito luzes na janela e cada dia se apagava uma até que só ficava acesa a do último dia. Segundo a versão do Hillel, acendia-se uma luz o primeiro dia e se adicionava uma cada dia até que o último dia estavam acesas as oito luzes. Ainda podemos ver as luzes no lar de qualquer judeu piedoso. Estas luzes tinham dois sentidos. Em primeiro lugar, afirmava-se que com elas se recordava que a primeira vez que se celebrou a festa a luz da liberdade tinha retornado a Israel. Em segundo lugar, remontavam a uma lenda muito antiga. Contava-se que quando se purificou o templo e era preciso acender o grande candelabro dos sete braços, só se encontrou um pequeno cântaro com azeite para as lâmpadas que tinha escapado à contaminação. Estava intacto e conservava o selo com a marca do anel do sumo sacerdote. Segundo todas as medidas normais, o azeite que continha era suficiente apenas para acender as lâmpadas de um só dia. Entretanto, e devido a um milagre, durou oito dias até que se preparou o azeite novo segundo a fórmula correta e foi consagrado para seu uso sagrado. Portanto, afirmava-se que as luzes iluminavam o templo e os lares durante oito dias em comemoração desse cântaro que Deus tinha feito durar oito dias em lugar de um.

Não deixa de ser significativo que deve ter sido muito perto deste período de iluminação quando Jesus disse: "Eu sou a luz do mundo." No momento em que se acendiam todas as luzes da cidade em comemoração da liberdade que se obteve para adorar a Deus da única maneira correta, Jesus disse: "Eu sou a luz do mundo, sou o único que pode iluminar os homens para que cheguem ao conhecimento e à presença de Deus." João também nos diz qual foi o lugar onde se desenvolveu esta discussão. Foi no pórtico de Salomão. Quando o povo ingressava nos recintos do templo, o primeiro pátio que encontrava era o dos gentios. Ao longo de dois de seus lados, estendiam-se duas colunatas magníficas chamadas o pórtico real e o pórtico de Salomão. Tratava-se de fileiras de esplêndidos pilares de quase doze metros de altura, cobertas. O povo caminhava por ali para orar e meditar. Os rabinos passeavam pelos pórticos enquanto conversavam com seus discípulos e expor as doutrinas da fé. Ali era onde Jesus caminhava porque, como diz João com um toque pictórico, "era inverno". De maneira que a discussão se desenvolveu neste momento de comemoração e ação de graças nacional, e entre os rabinos e seus discípulos.


A AFIRMAÇÃO E A PROMESSA
Estudo sobre João 10:22-28 (continuação)

Enquanto Jesus caminhava pelo pórtico de Salomão os judeus se aproximaram. "Durante quanto tempo", perguntaram-lhe, "manterá-nos em suspense? nos diga abertamente é ou não é o Ungido de Deus que este nos prometeu?" Não há a menor dúvida que havia duas posições por trás dessa pergunta. Havia aqueles que, autenticamente, queriam saber a verdade. Estavam ansiosos pela expectativa. Sua idéia sobre o Ungido de Deus não seria semelhante a de Jesus. Mas estavam desejosos de saber se por fim tinha chegado o Salvador prometido e longamente esperado. Mas também havia os outros, e eles formularam a pergunta como uma armadilha. Queriam cercar Jesus para que pronunciasse uma afirmação que logo pudessem tergiversar; já seja para convertê-la em uma blasfêmia da que se podiam ocupar seus próprios tribunais ou para acusá-lo de insurreição, em cujo caso seria o governador romano quem se ocuparia do problema.

A resposta de Jesus foi que já lhes havia dito quem era. É certo que não o tinha feito abertamente. Segundo a versão de João, as duas grandes afirmações de Jesus se pronunciaram em particular. Revelou-se à mulher samaritana como o Messias (João 4:26) e ao cego de nascimento tinha dito que era o Filho de Deus (João 9:37). Não obstante, há certas afirmações que não é necessário expressar em palavras, em especial quando o público que as recebe está qualificado e capacitado para recebê-las. Havia duas coisas que livravam de toda dúvida a afirmação de Jesus mesmo se a pronunciasse ou não. Em primeiro lugar, suas ações. O sonho do Isaías sobre a idade de ouro era o seguinte: “Então, se abrirão os olhos dos cegos, e se desimpedirão os ouvidos dos surdos; os coxos saltarão como cervos, e a língua dos mudos cantará" (Isaías 35:5-6). Isso era exatamente o que estava fazendo Jesus. Cada um de seus milagres era uma afirmação que exclamava pessoalmente que tinha chegado a idade de Deus, que tinha vindo o Messias. Em segundo lugar, suas palavras. Moisés tinha prometido e profetizado que Deus levantaria o profeta a quem se deveria ouvir (Deuteronômio 18:15).

O mesmo acento de autoridade que continham as palavras de Jesus, a maneira em que deixou de lado a Lei antiga e pôs seus próprios ensinos em seu lugar, indicavam com toda clareza que Deus falava por meio dEle, que nEle tinha chegado aos homens a voz encarnada de Deus. Qualquer um que ouvia Jesus falar e via Jesus agir, não necessitava nenhuma afirmação verbal. As palavras e as ações de Jesus eram uma afirmação contínua de que Ele era o Ungido de Deus.

Mas a grande maioria dos judeus não tinham aceito essa afirmação. Como vimos, as ovelhas da Palestina conheciam o chamado especial de seu próprio pastor e respondiam a ele. Pertenciam ao pastor e conheciam sua voz. Estes judeus não pertenciam ao rebanho de Jesus. Atrás de todo o Quarto Evangelho aparece uma doutrina da predestinação. As coisas aconteciam todo o tempo tal como Deus as tinha previsto.

O que João diz, em realidade, é que estes judeus estavam predestinados a não seguir e não responder a Jesus. De uma ou outra maneira todo o Novo Testamento mantém um equilíbrio entre duas idéias opostas: o fato de que tudo se desenvolve segundo o plano de Deus e, entretanto, tudo acontece de maneira tal que o responsável é o livre arbítrio do homem. Estes judeus se desenvolveram de maneira tal que estavam predestinados a não aceitar a Jesus. Entretanto, tal como o João vê, isso não significa que serão condenados.

Não obstante, embora eles não aceitavam a Jesus havia aqueles que estava dispostos a aceitá-lo. E a eles, Jesus ofereceu e prometeu três coisas.

(1) Prometeu-lhes a vida eterna. Prometeu-lhes a possibilidade de perceber uma amostra dessa vida que é própria de Deus. Prometeu-lhes que se o aceitavam como Mestre e Senhor, se eles se uniam a seu rebanho, toda a pequenez da vida terrestre desapareceria e conheceriam o esplendor e a magnificência da vida de Deus.

(2) Prometeu-lhes uma vida que não teria fim. Jamais pereceriam. Para eles, a morte não significaria nada; não seria o fim e sim o começo. Jamais desapareceriam ou penetrariam nas trevas. Conheceriam a glória da vida indestrutível.

(3) Prometeu-lhes uma vida segura. Nada os poderia arrancar de sua mão. Isto não significava que seriam livres da dor, o sofrimento ou a morte. Significava que no momento mais amargo e na hora mais escura continuariam sendo conscientes dos braços eternos que os rodeavam e os sustentavam. Conheceriam uma segurança que todos os perigos e os alarmes do mundo não poderiam fazer naufragar. Até em um mundo que se desmoronada rumo ao desastre, eles conheceriam a serenidade de Deus.


A GRANDE CONFIANÇA E A TREMENDA AFIRMAÇÃO
Estudo sobre João 10:29-30

Esta passagem nos mostra tanto a grande confiança de Jesus como sua tremenda afirmação a respeito de si mesmo. A confiança de Jesus buscava a origem de todas as coisas em Deus. Logo tinha falado sobre suas ovelhas e seu rebanho. Acabava de dizer que nunca ninguém arrebatará a suas ovelhas de sua mão, que Ele é o pastor que sempre manterá a salvo as ovelhas. À primeira vista e se ficasse ali, teria parecido que Jesus cifrava toda sua confiança em sua própria atração e em seu poder de liderança. Mas agora vemos o outro lado. Foi seu Pai quem lhe deu as ovelhas; tanto Ele como suas ovelhas estão a salvo na mão de seu Pai. Jesus estava tão seguro de si mesmo porque estava muito seguro de Deus. A atitude de Jesus rumo à vida não era de confiança em si mesmo mas sim de confiança em Deus. Jesus estava seguro não por seu próprio poder mas sim pelo poder de Deus. Jesus não duvidava da segurança e da vitória finais não porque se atribuía todo o poder mas sim porque atribuía todo o poder a Deus.

E agora chegamos à suprema afirmação. "Eu e o Pai somos um", disse Jesus. O que quis dizer com isso? Tratava-se de um mistério absoluto ou podemos entender pelo menos uma parte? Vemo-nos impelidos a interpretá-lo em termos de essência e hipóstase e todas as demais noções metafísicas e filosóficas sobre as quais lutaram, discutiram e brigaram aqueles que elaboraram os credos? Acaso é necessário ser um teólogo profundo e um filósofo para compreender sequer um fragmento do significado desta tremenda afirmação? Se nos remetermos à própria Bíblia para interpretar esta passagem descobriremos que é tão simples que até a mente mais simples o pode compreender. O que Jesus quis dizer ao afirmar que ele e o Pai são um? Nos adiantemos um pouco e leiamos João capítulo 17. Aí João nos fala sobre a oração que Jesus ensinou aos seus antes de ir rumo à morte. Orou assim: “Pai santo, guarda-os em teu nome, que me deste, para que eles sejam um, assim como nós” (João 17:11). Aí fica claro que Jesus concebia a unidade entre os cristãos como algo idêntico à unidade entre Ele e seu Pai. Ele o expressa com a maior clareza. Na mesma passagem continua: “Não rogo somente por estes, mas também por aqueles que vierem a crer em mim, por intermédio da sua palavra; a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; para que o mundo creia que tu me enviaste. Eu lhes tenho transmitido a glória que me tens dado, para que sejam um, como nós o somos” (João 17:20-22).

Aí Jesus diz com simplicidade e clareza que ninguém pode duvidar que a meta final da vida cristã é que os cristãos devem ser um como o são Ele e seu Pai.

Agora, qual é essa unidade que deve existir entre os cristãos? O que é o que faz que um cristão seja um com seu próximo? O segredo dessa unidade é o amor. “Novo mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros; assim como eu vos amei, que também vos ameis uns aos outros” (João 13:34). Os cristãos são um porque se amam uns aos outros. Do mesmo modo, Jesus é um com Deus por seu amor para com Deus. Mas podemos ir mais longe. Qual é a única prova e garantia do amor? Voltemos às palavras de Jesus. “Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor; assim como também eu tenho guardado os mandamentos de meu Pai e no seu amor permaneço” (João 15:10). “Se alguém me ama, guardará a minha palavra” (João 14:23-24). “Se me amais, guardareis os meus mandamentos” (João 14:15). “Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama” (João 14:21).

Este é o nó da questão. O laço de união é o amor; a prova do amor é a obediência. Os cristãos são um quando estão unidos pelo laço da unidade e quando obedecem as palavras de Cristo. Jesus é um com Deus porque obedeceu e amou a Deus como ninguém o fez antes. Sua unidade com Deus é uma união de amor perfeito que se manifesta em uma obediência perfeita.

Quando Jesus disse: "Eu e o Pai somos um", não se estava movendo no mundo da filosofia, da metafísica e das abstrações; movia-se no âmbito das relações pessoais. Ninguém pode entender com clareza o que significa a frase "unidade de essência", mas qualquer um compreende o que significa a unidade de corações. A unidade de Jesus com Deus surgia de duas coisas: o amor perfeito e a obediência perfeita. Era um com Deus porque o amava e o obedecia à perfeição. E veio a este mundo para nos fazer igual a Ele.


UM CONVITE À PROVA AMARGA
Estudo sobre João 10:31-39

Para os judeus, a afirmação de Jesus de que ele e o Pai eram um constituía uma blasfêmia, um insulto contra Deus. Era a invasão da parte de um homem do lugar que pertencia exclusivamente a Deus. Tratava-se de um ser humano que afirmava ser igual a Deus. A Lei judia estabelecia que a blasfêmia se devia castigar com o apedrejamento. “Aquele que blasfemar o nome do SENHOR será morto; toda a congregação o apedrejará” (Levítico 24:16). De maneira que os judeus se prepararam para apedrejar a Jesus. A frase grega significa, em realidade, que foram buscar pedras para lançar-lhe. Jesus saiu ao encontro de sua hostilidade com três argumentos.

(1) Disse-lhes que tinha passado todos os dias de sua vida fazendo coisas bonitas: curando os doentes, alimentando os famintos e consolando aqueles que sofriam. Estas ações estavam tão cheios de poder, beleza e ajuda que era evidente que provinham de Deus. Por qual dessas boas obras queriam apedrejá-lo? A resposta dos judeus foi que não era por nenhuma de suas obras que queriam apedrejá-lo mas sim pelas afirmações que fazia.

(2) Qual era essa afirmação? Afirmava ser o Filho de Deus. Jesus empregou dois argumentos para sustentar essa afirmação. O primeiro é estritamente judeu e nos é difícil entendê-lo. Citou o Salmo 82:6. Esse salmo é uma advertência contra os juízes injustos. É uma advertência àquelas pessoas a quem foi confiado a função de juízes para que cessem em suas práticas injustas e defendam os pobres e os inocentes. O chamado termina assim: "Eu disse: Vós sois deuses, e todos vós filhos do Altíssimo". Deus encarrega o juiz de levar seu ajuda e sua justiça aos homens. O juiz é Deus para os homens. Esta idéia aparece com toda clareza em algumas dos regulamentos de Êxodo. Êxodo 21:1-6 diz de que maneira o servo hebreu pode ficar livre ao sétimo ano. O versículo 6 diz: "Então seu amo o levará perante os juízes". Mas na versão hebraica, a palavra que se traduz por juízes é elohim, que significa deuses. Em Êxodo 22:9,28 se usa a mesma expressão. Até as Escrituras, ao falar dos homens aos quais Deus encarregou uma tarefa, referiam-se a eles como deuses. Portanto, Jesus disse: "Se as Escrituras podem falar assim sobre os homens, por que não posso usar os mesmos termos para falar de mim mesmo?

Jesus afirmou duas coisas a respeito de si mesmo.

(a) Deus o santificou para cumprir uma tarefa especial. A palavra que designa santificar é hagiazein. Deste verbo procede o adjetivo hagios, que significa santo. Agora, esta palavra sempre indica a idéia de converter uma pessoa, um lugar ou uma coisa em algo diferente de outros porque é separada para um fim especial ou para cumprir uma tarefa determinada. Uma coisa ou uma pessoa é santa porque foi separada para cumprir uma tarefa que é diferente das tarefas comuns de todos os dias. É assim como o sábado, por exemplo, é santo (Êxodo 20:11). É distinto dos outros dias porque era separado para algo especial. O altar é santo (Levítico 16:19). Não é igual a qualquer outra parte de pedra ou a qualquer outra estrutura porque foi construído e separado para um fim determinado. Os sacerdotes são santos (2 Crônicas 26:18). São diferentes dos outros homens porque foram separados para cumprir um trabalho e uma tarefa especiais. O profeta é santo (Jeremias 1:5). É distinto dos outros homens porque lhe foi encomendada uma tarefa especial e diferente.

Quando Jesus disse que Deus o tinha santificado, consagrado, quis dizer que Deus o tinha separado dos outros homens porque lhe tinha encomendado uma tarefa especial. O fato mesmo de que Jesus usasse esta palavra demonstra quão consciente era de que Deus lhe tinha encarregado um trabalho especial.

(b) Jesus disse que Deus o enviou ao mundo. A palavra que se emprega é a que se aplicaria quando se fala de despachar um mensageiro, um embaixador, um exército ou uma brigada de trabalho. Quando Jesus empregou essa palavra demonstrou que não se via si mesmo tanto como alguém que tinha vindo ao mundo, mas sim como alguém que tinha sido enviado. Sua vinda foi um ato de Deus, veio para representar a Deus, veio para cumprir com a tarefa que Deus lhe encomendou.

De maneira que Jesus disse: "Nos tempos da antiguidade a Escritura podia referir-se aos juízes como a deuses porque Deus lhes tinha encarregado que levassem sua verdade e sua justiça ao mundo. Agora, me separado de outros para cumprir uma tarefa especial. Deus me enviou ao mundo como podem objetar se digo ser o Filho de Deus? Só faço o mesmo que fazem as Escrituras." Busca-se um argumento bíblico cujo poder nos é difícil perceber. Entretanto, seria absolutamente convincente para qualquer rabino judeu. Tratava-se do tipo de argumentação, baseado sobre as palavras das Escrituras, que os rabinos usavam com maior prazer e que era quase impossível contradizer.

(3) Logo Jesus os convidou a passar por uma prova amarga. "Não lhes peço", disse, "que aceitem minhas palavras. O que sim lhes peço é que aceitem minhas obras". Qualquer um pode discutir a respeito das palavras; mas não há nenhuma discussão a respeito das obras. Qualquer um pode duvidar e discutir com todo direito sobre as afirmações que alguém faz a respeito de si mesmo; mas não pode discutir quando se enfrenta com as obras dessa mesma pessoa. Jesus é o mestre perfeito porque não baseia suas afirmações sobre o que disse e sim sobre o que é e o que faz. Convoca à prova amarga, a prova das obras. O convite que fez aos judeus foi que fundassem seu veredicto a respeito dele, não baseando-se em suas palavras e sim em suas obras. E todos os seus discípulos deveriam ser capazes de passar por essa prova. A tragédia da Igreja é que são muito poucos aqueles que podem fazê-lo, e menos ainda aqueles que podem convidar a outros a passar por ela.


A PAZ QUE PRECEDE A TORMENTA
Estudo sobre João 10:40-42

O tempo de Jesus chegava a seu fim, mas Jesus sabia qual era seu tempo. Não estava disposto a brincar com o perigo de maneira irresponsável e desperdiçar sua vida. Tampouco evitaria o perigo com covardia para conservar a vida. Mas desejava afastar-se para um lugar tranqüilo antes de enfrentar a luta final. Jesus sempre saía da presença de Deus para chegar à presença dos homens. Sempre se fortalecia e se preparava para encontrar-se com os homens mediante um encontro com Deus. Essa é a razão pela qual se retirou ao outro lado do Jordão Não estava escapando; preparava-se para o último combate.

Entretanto, o lugar aonde foi é muito significativo. Foi ao lugar onde João estava acostumado a batizar; onde ele mesmo tinha sido batizado. Ali foi onde ouviu a voz de Deus que lhe assegurou que tomou o caminho reto e a decisão adequada. É muito o que se pode dizer sobre o homem que retorna de vez em quando ao lugar onde teve a maior experiência de sua vida.

Quando Jacó estava na parte mais bravia de sua luta, quando todas as coisas andavam muito mal, voltou para Betel (Gênesis 35:1-5). Quando necessitava a Deus, retornou ao lugar onde encontrou a Deus. Antes do fim, Jesus retornou ao lugar onde se produziu o princípio. Em mais de uma ocasião, significaria um imenso bem para nossas almas se retornássemos ao lugar onde Deus nos encontrou e onde nós o encontramos.

Apesar de que estava em um ponto afastado do Jordão, os judeus se aproximaram de Jesus e eles também pensaram em João. Recordaram que tinha falado com as palavras de um profeta mas não tinha feito obras maravilhosas. Viam que havia uma diferença entre Jesus e João. À proclamação de João, Jesus adicionava o poder de Deus. João tinha podido diagnosticar a situação; Jesus havia trazido o poder necessário para enfrentá-la. Estes judeus tinham considerado que João era um profeta. Agora viam que tudo o que João tinha profetizado sobre Jesus era certo. E muitos deles creram.


Acontece com muita freqüência que o homem a quem se augurou um grande futuro e em quem muitos cifraram suas esperanças, defrauda esse futuro e frustra as esperanças. A grandeza de Jesus, ao contrário, radica em que inclusive superou o que João tinha anunciado. Jesus é a única pessoa que jamais defrauda àqueles que cifram suas esperanças nEle. É a única pessoa que faz com que os sonhos sempre se convertam em realidade.