A Mulher Samaritana (João 4:1-54)

A Mulher Samaritana (João 4:1-54)


A Mulher Samaritana (João 4:1-54)1. A MULHER SAMARITANA (Jo 4:1-30) Uma vez que os fariseus tentavam provocar uma competição entre Jesus e João Batista (Jo 3:25-30), Jesus saiu da Judeia e se dirigiu para o norte da Galileia. Poderia escolher entre três caminhos para chegar a seu destino: (1) seguindo pela costa; (2) atravessando o Jordão e subindo pela Pereia; ou (3) indo por Samaria. Os judeus ortodoxos evitavam passar por Samaria por causa do ódio antigo e profundo existente entre eles e os samaritanos. Os samaritanos eram uma raça mestiça, parte judia e parte gentia, que havia se formado durante o cativeiro assírio das dez tribos do norte a partir de 727 a.C. Rejeitados pelos judeus por não poderem provar sua genealogia, os samaritanos estabeleceram seu próprio templo e cultos religiosos no monte Gerizim, o que só serviu para aumentar o preconceito. A aversão dos fariseus pelos samaritanos era tal que oravam para que nenhum samaritano fosse revivido no dia da ressurreição! Numa tentativa de insultar Jesus, seus inimigos o chamaram de samaritano (Jo 8:48). Uma vez que operava dentro do plano de Deus, era necessário que Jesus passasse por Samaria. Lá, encontraria uma mulher e a conduziria à fé salvadora, o tipo de fé que teria impacto sobre uma vila inteira. Jesus não fazia acepção de pessoas. Em uma ocasião anterior, havia aconselhado um judeu moralista (Jo 3) e, agora, estava prestes a testemunhar a uma mulher samaritana imoral! Chegou ao poço de Jacó por volta das 6 horas da tarde, horário em que as mulheres iam buscar água. Os discípulos foram à cidade mais próxima para buscar comida, enquanto Jesus esperou, de propósito, ao lado do poço. Estava cansado, faminto e sedento. João não mostra Jesus apenas como o Filho de Deus, mas também como um homem. Cristo passou pelas experiências normais da vida humana e é capaz de identificar-se conosco em cada uma delas. Ao ler o diálogo entre Jesus e essa mulher, é interessante observar como o conhecimento da samaritana a respeito de Jesus vai crescendo até o ponto de reconhecer que ele é o Cristo. Sua experiência pode ser dividida em quatro estágios. 

Ele é "um judeu" (vv. 7-10). Naquele tempo, não era considerado apropriado qualquer homem, especialmente um rabino, dirigir-se a uma mulher desconhecida em público (Jo 4:27). Mas Jesus colocou os costumes sociais de lado, pois o que estava em jogo era a salvação de uma alma. Sem dúvida, a mulher ficou surpresa quando ele lhe pediu um pouco de água. Supôs que fosse um rabino judeu; quem sabe, tentou "ler nas entrelinhas" e descobrir se havia uma segunda intenção em seu pedido. O que ele realmente desejava? Em João 4:9, o apóstolo acrescenta uma informação entre parênteses para seus leitores gentios. Uma vez que os discípulos haviam ido até a cidade comprar comida, é evidente que, de uma forma ou de outra, os judeus tratavam com os samaritanos, mas essa relação não era amigável. A explicação parentética pode ser traduzida por "não pedem favores aos samaritanos" ou "não usam os mesmos jarros que os samaritanos". Então, por que Jesus, um judeu, pediria para usar o jarro "contaminado" da mulher para beber água? É evidente que o pedido de Jesus foi apenas uma forma de começar a conversa e de lhe falar sobre a "água viva". Quando testemunhava às pessoas, Jesus não usava uma "conversa de vendedor" padronizada. Com Nicodemos, falou de um novo nascimento; com essa mulher, falou da água viva. Jesus mostrou-lhe que ela não tinha conhecimento de três fatos importantes: quem ele era, o que ele tinha para lhe oferecer e como ela receberia essa oferta. Ele era o Deus eterno dirigindo-se a ela e lhe oferecendo vida eterna! Os samaritanos eram tão cegos quanto os judeus (Jo 1:26), mas as palavras de Jesus despertaram o interessa da mulher, de modo que ela continuou a conversa. 

"Maior do que Jacó" (vv. 11-15). Jesus falava da água espiritual, mas ela entendeu as palavras em sentido literal. Vemos, mais uma vez, como as pessoas confundem com facilidade as coisas materiais e as espirituais. Além disso, a mulher estava preocupada em saber como obter essa água, em vez de simplesmente pedir que Jesus lhe desse de beber. Por certo, Jesus é maior do que Jacó - e maior do que o próprio poço! Podemos parafrasear sua resposta como: "quem continuar a beber dessa água material (ou de qualquer coisa que o mundo tenha para oferecer) voltará a ter sede. Mas quem beber um gole da água que eu ofereço jamais terá sede outra vez!" (ver Jo 4:13, 14). Trata-se de uma grande verdade, pois as coisas deste mundo nunca satisfazem completamente. Hoje, as pessoas no inferno clamam: "tenho sede!" Observamos anteriormente que a vida é um dos conceitos centrais de João. Ele usa esse termo pelo menos 38 vezes. Como Campbell Morgan disse, a humanidade precisa de ar, água e alimento para viver (podemos acrescentar, ainda, que precisamos de luz), e Jesus Cristo provê todas essas coisas. Ele provê o "ar" (Espírito) de Deus (Jo 3:8; 20:22). Ele é o Pão da Vida (Jo 6:48) e a Luz da Vida (Jo 1:4, 5), e também nos dá a água da vida. A reação imediata da mulher foi pedir essa dádiva, mas ainda não sabia o que dizia. A semente da Palavra caiu em solo raso, e os brotos nasceram sem raízes (Mt 13:20, 21). Havia feito algum progresso, mas precisava percorrer um longo caminho, de modo que Jesus tratou-a com paciência. 

"Um profeta" (vv. 16-24). A única maneira de preparar o solo do coração para a semente é ará-ío com a convicção do pecado. Por isso, Jesus mandou que fosse chamar o marido. Ele a forçou a admitir seu pecado. Não é possível haver conversão enquanto a pessoa não estiver convencida de seu pecado. Só depois dessa convicção e do arrependimento é que a fé salvadora poderá agir. Jesus havia despertado sua mente e suas emoções, mas também era preciso tocar em sua consciência e, para isso, deveria tratar de seu pecado. A declaração: "Não tenho marido" é sua fala mais curta nesse diálogo todo. Isso porque o convencimento do pecado se dá "para que se cale toda boca" (Rm 3:19). Mas foi a melhor coisa que poderia ter acontecido! Mas, em lugar de dar ouvido a Jesus, ela tentou levá-lo por um "desvio", discutindo as diferenças entre a religião judaica e a religião samaritana. É muito mais confortável discutir religião do que encarar os próprios pecados! Mas Jesus confrontou-a, mais uma vez, com sua ignorância espiritual: ela não sabia a quem adorar, onde adorar nem como adorar! Deixou claro que nem todas as religiões são iguais e aceitáveis aos olhos de Deus e que a adoração de alguns é fruto de ignorância e de incredulidade. A única fé que Deus aceita é aquela dada ao mundo por meio dos judeus. A Bíblia tem origens judaicas, e o Salvador era judeu, como também o eram os primeiros cristãos. Um obreiro religioso em um aeroporto explicou-me que o salvador do mundo viera da Coréia, mas Jesus afirmou que "a salvação vem dos judeus". Somente os que têm o Espírito Santo habitando dentro de si e que obedecem à verdade podem adorar a Deus de modo aceitável. 

Dizer que a adoração não se limitava mais ao templo dos judeus era uma declaração arrasadora, a qual pode ser ligada a João 2:19-21 e também às palavras de Estêvão em Atos 7:48-50. O Evangelho de João revela claramente que existe um novo sacrifício (Jo 1:29), um novo templo (Jo 2:1 9-21; 4:20- 24), um novo nascimento (Jo 3:1-7) e uma nova água (Jo 4:11). Os judeus que lessem este Evangelho veriam que Deus havia estabelecido em Jesus Cristo um sistema totalmente novo. A Lei da antiga afiança havia sido cumprida e colocada de lado. 

"O Cristo" (vv. 25-30). Apesar de sua ignorância, a mulher sabia de uma coisa: o Messias viria e revelaria os segredos do coração. Não sabemos onde aprendera essa verdade, mas essa semente se encontrava enterrada em seu coração até aquele momento e estava prestes a dar frutos. A resposta de Jesus a sua declaração foi, literalmente: "Eu que falo contigo sou o 'Eu Sou'!". Ele havia ousado proferir o nome santo de Deus! Nesse momento, a mulher creu em Jesus Cristo e se converteu. Seu primeiro desejo foi compartilhar sua fé com outros, de modo que foi até a vila e contou aos homens que havia encontrado o Cristo. Quando consideramos como essa mulher conhecia pouca coisa das verdades espirituais, sentimo-nos envergonhados diante de seu zelo e de seu testemunho. Deus usou seu testemunho simples, e muitos foram até o poço encontrar Jesus. Os rabinos costumavam dizer: "É melhor todas as palavras da Lei serem queimadas do que serem entregues a uma mulher!" Ma s Jesus não concordava com esse preconceito tacanho. Por que a mulher largara seu pote, quando saiu correndo para a cidade? Por um só motivo: possuía, agora, a água viva em seu interior e estava satisfeita. Também, pretendia voltar; talvez, nesse meio-tempo, os discípulos e Jesus usassem o recipiente para satisfazer sua sede. Foram desfeitas as barreiras raciais e as desavenças que havia entre eles! Todos eram um só na fé e no amor! Essa mulher não veio a crer em Cristo imediatamente. Jesus foi paciente com ela, e, com isso, deixou um bom exemplo para nosso trabalho evangelístico de hoje. Certamente, a mulher não era exatamente um protótipo de convertida, mas ainda assim Deus usou sua vida para ganhar quase toda sua vila para Cristo! 

2. OS DISCÍPULOS (Jo 4:31-38) Quando os discípulos voltaram com a comida, ficaram estarrecidos ao ver Jesus conversando com uma mulher e, especialmente, com uma samaritana; ainda assim, não o interromperam. Aprenderam que seu Mestre sabia o que fazia e não precisava de seu conselho. Mas, depois que a mulher partiu, insistiram para que Jesus comesse com eles, pois sabiam que estava faminto. Mas sua resposta foi: "Um a comida tenho para comer, que vós não conheceis", e, como de costume, os discípulos não entenderam. Pensaram que Jesus estava falando literalmente e imaginaram onde havia conseguido esse alimento. Então, Jesus explicou que fazer a vontade do Pai - nesse caso, conduzir a mulher à salvação - era o que verdadeiramente nutria sua alma. Os discípulos saciavam-se com pão, mas ele se saciava com a realização da obra do Pai. "Procure o sustento de sua vida no trabalho de sua vida", disse Phillips Brooks. A vontade de Deus deve ser a fonte de força e de satisfação do filho de Deus, como se estivesse participando de um banquete suntuoso. Se o que fazemos nos destrói em vez de nos edificar, devemos questionar se é, de fato, a vontade de Deus para nós. Jesus não considerava a vontade de Deus um fardo pesado nem uma tarefa desagradável. Para ele, seu trabalho nutria sua alma. Fazer a vontade do Pai o alimentava e satisfazia interiormente. "Agrada-me fazer a tua vontade, ó Deus meu; dentro do meu coração, está a tua lei" (SI 40:8). Agora a samaritana fazia a vontade do Pai, descobrindo nela empolgação e enriquecimento. Em seguida, Jesus passou da imagem do alimento para a imagem da colheita, que é a fonte do alimento. Citou um provérbio judaico sobre esperar pela colheita e, em seguida, apontou para as pessoas da vila a caminho do poço para se encontrar com ele graças ao testemunho da mulher. Os discípulos foram até a vila buscar alimento para si, mas não evangelizaram ninguém; no final, foi a mulher quem fez o trabalho deles! A imagem da colheita é usada com freqüência na Bíblia e se aplica ao ministério de ganhar almas. Tanto a Parábola do Semeador quanto a Parábola do Joio (Mt 13:1- 30) são relacionadas a esse tema, do qual Paulo também trata em suas epístolas (Rm 1:13; 1 Co 3:6-9; Gl 6:9). Plantamos a semente da Palavra de Deus no coração dos que ouvem e procuramos cultivar essa semente com amor e oração. No devido tempo, a semente pode dar frutos para a glória de Deus. Imagino que, ao chegarem perto de Sicar, os discípulos disseram: "Não pode haver colheita aqui! Essa gente despreza os judeus e não aceitaria nossa mensagem". Mas era justamente o contrário: aqueles campos estavam prontos para a ceifa e só precisavam de trabalhadores dedicados. Por algum motivo, quando se trata de testemunhar de Cristo, parece sempre ser o lugar errado e a hora errada! É preciso fé para lançar a semente, e devemos fazê-lo mesmo quando as circunstâncias parecem desanimadoras. Devemos atentar para o que diz Eclesiastes 11:4. Na ceifa do Senhor, não há competição. Cada um recebe uma tarefa, e todos fazem parte do trabalho uns dos outros (1 Co 3:6- 9). Um semeia, o outro colhe, mas todos os trabalhadores recebem a recompensa justa por seu trabalho. João 4:38 dá a entender que outros haviam trabalhado em Samaria e feito preparativos para essa colheita. Não sabemos quem foram esses obreiros fiéis, nem precisamos saber, pois Deus os recompensará. Talvez algumas dessas pessoas tivessem ouvido as pregações de João Batista ou talvez alguns dos discípulos de João tivessem alcançado esse campo tão difícil. Alguns arqueólogos situam "Enom, perto de Salim" (Jo 3:23), próximo à cidade bíblica de Siquém, não muito distante de Sicar. Se esse é o caso, João Batista preparou o solo e plantou a semente, e Jesus e seus discípulos fizeram a colheita. Por certo, a própria mulher plantou algumas sementes por meio de seu testemunho àquela gente. Os discípulos estavam aprendendo uma lição importante que lhes serviria de estímulo nos anos por vir. Não se encontravam sozinhos na obra do Senhor e não deveriam jamais considerar uma oportunidade de testemunhar como desperdício de tempo e de energia. É preciso fé para arar o solo e plantar a semente, mas Deus prometeu a colheita (SI 126:5, 6; Gl 6:9). Poucos anos depois, Pedro e João participariam de outra colheita entre os samaritanos (At 8:5-25). Os que semeiam talvez não vejam o resultado de seu trabalho, mas os que colhem vêem e dão graças pelo esforço dos semeadores. A palavra grega traduzida por "trabalho", em João 4:38, é o mesmo termo traduzido por "cansado", em João 4:6. Semear, cultivar e colher são tarefas difíceis não apenas no plano físico, mas também no plano espiritual. A seara não tem lugar para preguiçosos. O trabalho é difícil demais, e os trabalhadores são muito escassos. 

3. OS SAMARITANOS (Jo 4:39-42) Vários samaritanos creram por causa do testemunho da mulher, e outros tantos creram quando ouviram Jesus pessoalmente. Tamanha era sua empolgação com Jesus que lhe pediram que ficasse algum tempo com eles. Jesus concordou e passou dois dias com os samaritanos. Durante essa estadia curta, a palavra do Mestre produziu frutos na vida dessas pessoas. É importante que os recém-convertidos edifiquem sua fé sobre os alicerces da Palavra - a Bíblia. Esses samaritanos começaram sua jornada espiritual crendo nas palavras da mulher, mas logo aprenderam a crer na Palavra ensinada pelo Salvador. Sua salvação não foi "por tabela". Sabiam que haviam sido salvos, pois haviam crido na mensagem de Jesus. "Agora sabemos!", testemunharam com alegria. Poderia se esperar desses samaritanos uma fé restritiva, tendo Jesus como Salvador somente de judeus e de samaritanos. Mas declaram que ele era "o Salvador do mundo" (Jo 4:42). Converteram-se havia poucos dias, mas já possuíam visão missionária! Na verdade, sua visão mostrou-se mais ampla do que a dos apóstolos! É interessante acompanhar o roteiro que levou Jesus a Samaria. Estava em Jerusalém (Jo 2:23) e foi para a Judeia (Jo 3:22). Da Judeia dirigiu-se à Samaria (Jo 4:4), onde os samaritanos o declararam "o Salvador do mundo". Trata-se de um paralelo perfeito com Atos 1:8 - "e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judeia e Samaria e até aos confins da terra". Jesus deu o exemplo. Se o seguirmos, ele também dará a colheita. Essa mulher samaritana anônima foi uma cristã prolífica: deu frutos ("muitos samaritanos daquela cidade creram"), deu mais frutos ("muitos outros creram") e continua a dar "muitos frutos" para a glória de Deus (ver Jo 15:1-5). Ninguém sabe quantos pecadores tiveram um encontro com o Salvador por causa do testemunho dessa mulher registrado em João 4. 

4. O ARISTOCRATA (Jo 4:43-54) Jesus continuou sua viagem para a Galileia (Jo 4:3) e chegou novamente a Caná. A Galileia era conhecida como "ha goyim - Galileia dos gentios". Ao que parece, Jesus sentira na Judeia (sua terra) a hostilidade crescente dos líderes religiosos, apesar de a verdadeira oposição só se manifestar meses depois. Mesmo tendo nascido em Belém, Jesus nunca se identificou totalmente com a Judeia. Era conhecido como um profeta da Galileia (Mt 21:11; Jo 7:52). Jesus sabia que a resposta do povo a seu ministério em Jerusalém havia sido hipócrita e superficial (Jo 2:23-25), que não lhe dava honra alguma. Por que Jesus voltou a Caná? Talvez desejasse cultivar a semente que havia plantado ali, quando compareceu à festa de casamento. Natanael era de Caná, de modo que talvez houvesse algum motivo pessoal para essa visita. Em Caná, Jesus foi recebido por um aristocrata de Cafarnaum, uma cidade a cerca de 30 quilômetros de lá. O homem ouvira falar de seus milagres e percorrera essa distância toda para interceder pelo filho, que estava morrendo. O primeiro milagre de Caná foi realizado a pedido da mãe de Jesus (Jo 2:1-5), e nesse segundo milagre, Jesus atendeu ao pedido de um pai (Jo 4:47). Não sabemos ao certo se esse homem era judeu ou gentio, e o texto também não diz exatamente qual era seu cargo no governo (era um "oficial do rei"). É possível que fosse membro da corte de Herodes, mas qualquer que fosse sua situação nacional ou social, fica claro que havia chegado ao fim da linha e precisava desesperadamente da ajuda do Salvador. O homem "rogou" que Jesus o acompanhasse até Cafarnaum para curar seu filho. João 4:48 não é uma repreensão desse aristocrata. Antes, é o lamento de Jesus pela situação espiritual do povo em geral, tanto na Judeia quanto na Galileia. "Ver para crer" sempre foi a filosofia "pragmática" do mundo perdido e, até mesmo, do mundo religioso. O aristocrata acreditava que Jesus era capaz de curar seu filho, mas havia duas falhas em seu raciocínio: achou que Jesus precisaria ir a Cafarnaum para salvar o menino e que, se a criança morresse enquanto estivessem a caminho, seria tarde demais. A fé desse homem é admirável. Jesus simplesmente disse: "Vai [...] teu filho vive" (Jo 4:50). E o homem creu e se pôs a caminho de casa! Tanto a mulher samaritana quanto o aristocrata devem ter alegrado o coração de Jesus quando creram em sua palavra e agiram pela fé. O menino foi curado no mesmo instante em que Jesus fez essa declaração, de modo que os servos do homem foram procurá-lo para lhe dar as boas notícias (mais um exemplo no qual os servos são os que sabem o que está acontecendo; ver Jo 2:9; 15:15). O menino havia sido curado na sé- tima hora, que, pelo sistema romano, correspondia às 7 horas da noite. Por certo, nem o pai nem os servos viajaram durante a noite, uma vez que era arriscado demais. A fé do pai era tão forte que adiou sua volta, mesmo ansiando ardentemente ver seu filho amado. 

Quando o pai e os servos se encontraram no dia seguinte, o relato dos servos confirmou a fé do pai. É interessante observar que o pai pensou que a cura havia sido gradual ("se sentira melhor"), mas os servos relataram um restabelecimento completo e instantâneo. Esse homem começou a ter fé em tempo de crise. Estava prestes a perder seu filho e não lhe restava outro recurso senão procurar o Senhor Jesus Cristo. Muita gente procurou Jesus em momentos de crise, e ele nunca as mandou embora. A fé que se manifestou em um momento crítico transformou-se em fé confiante: ele creu na Palavra e teve paz no coração. Foi capaz até de adiar sua viagem para casa, sabendo que o menino não corria mais perigo. Sua fé confiante tornou-se uma fé confirmada. De fato, o menino havia sido completamente restabelecido! A cura ocorrera no instante exato em que Jesus ordenou. Foi esse fato que transformou a vida do aristocrata e de sua família. Ele creu que Jesus era o Cristo, o Filho de Deus, e compartilhou essa fé com seus familiares. Demonstrou, assim, uma fé contagiante e contou a outros sua experiência. Esse é um dos vários milagres realizados por Jesus "à distância". Foi desse modo que ele curou o servo do centurião (Mt 8:5-13; é interessante observar que ele também vivia em Cafarnaum) e a filha de uma mulher cananeia (Mt 15:21-28). Essas duas pessoas eram gentias e, em termos espirituais, também estavam "separadas" e "longe" (Ef 2:12, 13). Não sabemos ao certo, mas talvez esse aristocrata também fosse um gentio. João 4:54 não diz se essa cura foi o segundo milagre de Jesus, pois cairia em contradição com João 2:23 e 3:2. Esse foi o segundo milagre realizado por ele em Caná da Galileia (ver Jo 2:1, 11). Sem dúvida, o povo daquela região foi privilegiado. Mas devemos observar que esses dois milagres foram "particulares", não públicos. Maria, os discípulos e os servos sabiam da proveniência do vinho excelente na festa de casamento, mas os convidados não faziam ideia (é claro que os servos podem ter passado a história adiante). O filho do aristocrata foi curado em Cafarnaum, não em Caná, mas as notícias espalhavam-se rapidamente e, por certo, muitas pessoas ficaram sabendo. O primeiro milagre de Jesus, realizado no casamento, revelou seu poder sobre o tempo. O Pai está sempre transformando água em vinho, mas esse processo leva uma ou duas estações para ser concluído. Jesus produziu o vinho de modo instantâneo. Nesse sentido, os milagres de Jesus foram réplicas instantâneas do trabalho que o Pai está sempre realizando. "Meu Pai trabalha até agora, e eu trabalho também" (Jo 5:17). Estação após estação, o Pai sempre multiplica o pão, mas Jesus fez a mesma coisa num instante. No segundo milagre relatado, Jesus demonstrou seu poder sobre o espaço. Jesus estava em Caná, e o menino enfermo, em Cafarnaum, mas isso não foi empecilho para que a cura se realizasse. O fato de o pai crer na Palavra e de só ficar sabendo do resultado no dia seguinte mostra sua fé confiante. Ele creu na palavra de Jesus, e devemos fazer o mesmo.