Comentário sobre João 17:9-10
A oração
de Jesus vale para pessoas nessa situação. Não pode valer para o mundo enquanto
“mundo”. Jesus não pode orar por um mundo formado por uma multiformidade
indefinida de pessoas. O Filho está vinculado ao Pai. “É por eles que eu
rogo. Não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus.”
Não foi ele que, com a magnitude de seu intelecto e sua arrebatadora força de
persuasão, conquistou as pessoas pelas quais intercede nessa oração. O fato de
que pessoas chegaram a Jesus e até esse momento permaneceram junto dele reside
exclusivamente na dádiva de Deus. Esse “dar” acontece com liberdade
divina. Deus dispõe das pessoas, elas “são dele” porque Ele é seu
Criador.702
Mas precisamente nesse momento, numa oração dessas, Jesus precisa articular
mais uma vez toda a unidade que o liga ao Pai de maneira bem real. “Ora,
todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas.” Aqui,
“vontade própria” não é possível nem necessária. O Pai concede ao Filho com
amor pleno. Mas o Filho não segura nada para si, porém alegremente coloca à
disposição do Pai o que foi adquirido por meio de sua atuação.703
“Todas as minhas coisas são tuas”: essa não é o discurso de uma
submissão forçada, e sim, do mais livre amor. “As tuas coisas são minhas”:
essa não é uma afirmação reivindicatória. Quem fala é a gratidão que aceita a
dádiva do amor que presenteia. Por isso, somente no relacionamento entre “Pai”
e “Filho” reconhecemos o que é o amor verdadeiro e integral.
Precisamente desse modo as pessoas que o Pai
concedeu a Jesus servem à glorificação deste. “E sou glorificado neles.”
Essa glorificação de Jesus não se alicerça sobre a competência e grandiosidade
dos discípulos. Não há nada para admirar nos discípulos como tais. Contudo,
Jesus comprou ao preço da sua vida justamente pessoas tão imprestáveis,
pervertidas e perdidas, introduzindo-as numa nova vida de fé e oração, amor e
esperança. Ele é “glorificado neles” por meio desse seu poder misericordioso de
Salvador.704[1]
702 Não é possível
verificar se, ao olhar para seus discípulos, Jesus pensava neles como membros
do povo da aliança que ainda “pertenciam” de uma maneira especial a Deus. A
última oração de Jesus é totalmente universal e irrestrita, não permitindo
entrever um relacionamento especial com Israel em momento algum.
704 Paul Gerhardt
[1607-1676] expressou essa verdade de forma clássica: “Em mim e minha vida não
há nenhum valor, por Cristo é concedida a luz ao pecador” [HPD Nº 160].
Verificamos um reflexo disso no momento em que Paulo considera os
tessalonicenses salvos por meio de seu ministério como “sua alegria e sua coroa
na qual exulta” perante Jesus em sua parusia (1Ts 2.19).
[1]Boor, W. d. (2002; 2008). Comentário Esperança,
Evangelho de João; Comentário Esperança, João (383). Editora Evangélica
Esperança; Curitiba.