Comentário sobre João 17:3

Em que consiste essa “vida eterna”?686 Surpreendemo-nos com a resposta: “E a vida eterna é esta: Que te conheçam a ti, o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, a quem enviaste.” A “vida eterna” consiste em “conhecer”. Essa não é a opinião fundamental típica da “gnose”?687 Contudo, nos lábios de Jesus essa palavra não tem sentido “gnóstico”, e o “conhecer” não está sobreposto ao mero “crer” como se fosse algo superior. Ela tem uma definição simplesmente “bíblica”, não se contrapondo, já em Jo 6.69, ao crer, mas está firmemente ligada à fé. Precisamos ter em mente a abundância de passagens do AT em que “reconhecer a Deus” é visto como o centro da vida.688 Acima de tudo, a “nova aliança” profetizada por Jeremias possui glória precisamente pelo fato de que todos hão de “reconhecer” a Deus (Jr 31.34). De forma muito significativa, também nesse caso o “conhecer” não está vinculado a forças superiores da razão, mas ao perdão dos pecados e à redenção da culpa. É desse “conhecer” que Jesus está falando. Ele é “vida eterna” pelo fato de que possui o conteúdo mais sublime e eterno. Aqui “o único Deus verdadeiro” é reconhecido. Do mesmo modo podemos traduzir: “o único Deus real”. Na humanidade houve e há em abundância imagens humanas de Deus e “deuses” falsos, inautênticos. Junto deles não encontramos a “vida eterna”. Somente são capazes de nos seduzir e enganar com mentiras sobre a vida. Ao “conhecermos” o único que é Deus verdadeiro é-nos atribuída vida tão eterna e inexaurível quanto o próprio Deus. Então “conhecer” não é o mero raciocinar idéias corretas sobre Deus. Na Bíblia, “conhecer” significa um apreender essencial mediante uma entrega viva e um relacionamento vivo.689 O Deus santo e verdadeiro jamais pode ser objeto de nosso conhecimento intelectual, de nossa investigação científica.690 Já no âmbito humano conhecemos pessoas de um modo completamente diferente: pelo “encontro” com amor, confiança e obediência.691 Deus, porém, nos concede o encontro com ele naquele, “a quem enviou, Jesus Cristo”. Por isso o “e” na frase da oração de Jesus não denota” adição, juntando duas grandezas distintas. Não reconhecemos primeiro a Deus e em segundo lugar a Jesus Cristo, mas em “Jesus” encontramos “o único Deus verdadeiro”. Jesus está apenas sintetizando o que explanou exaustivamente em Jo 14.6-11. Nessa síntese Jesus está vendo o grande acontecimento que resulta de seu sacrifício na cruz tão vivamente diante de si, que fala de si próprio na terceira pessoa. Inúmeras pessoas em todo o mundo encontram em Jesus Cristo o verdadeiro Deus e, por conseqüência, a vida eterna.692[1]




686 Na colocação das palavras gregas o termo “eterno” é salientado enfaticamente. “Vida” nos foi presenteada, até mesmo quando não conhecemos a Deus e Jesus. No entanto, a diferença é que agora se trata de vida “eterna”.
687 A esse respeito, cf. p.25 nota 27.
688 1Sm 3.7; 1Co 8.3; 8.6s; 2Rs 19.19; Sl 46.10; 100.3; Is 52.6; Jr 9.23s; 22.16; 24.7; 31.34. Nessas afirmações “conhecer a Deus” muitas vezes é entendido como “conhecer o seu nome”. Conseqüentemente, Jesus também falará em seguida, no v. 6, da “manifestação se teu nome”.
689 Cf. sobre isso p. 179s; 245; 251s; 257s.
690 Nesse ponto estão errados todos os que alegam ter “demonstrado” Deus ou os que a partir da impossibilidade de demonstrá-lo concluem que ele não existe.
691 Cf. E. Brunner, “Wahrheit als Begegnung”, Furche Verlag, Berlim 1938.
692 Cumpre prestar atenção ao fato de que na presente passagem, e várias vezes durante o capítulo, a oração de Jesus é “contemplativa”, “meditativa”. Por isso, tampouco é errado que em nossas orações digamos a Deus aquilo que ele sabe muito bem, mas que ele apesar disso deseja que seja pronunciado por nós, porque enche e move nosso coração.
[1]Boor, W. d. (2002; 2008). Comentário Esperança, Evangelho de João; Comentário Esperança, João (379). Editora Evangélica Esperança; Curitiba.