Comentário de João 17:25-26

Mais uma vez acrescenta-se um adjetivo ao singelo nome do Pai: “Pai justo.” Precisamente quando se fala do amor de Deus é preciso testemunhar que esse amor jamais se separa da “justiça”. O “Pai justo” rejeita o pecado de forma incondicional. Foi isso que “o mundo” “não reconheceu”, porque não quer conhecê-lo. A unidade de justiça e amor (e por isso também de “amor” e “ira” de Deus) permanece incompreensível para nós até que a reconheçamos na cruz de Jesus, para o nosso juízo e a nossa salvação. “Pai justo, e o mundo não te reconheceu; eu, porém, te reconheci, e também esses reconheceram que tu me enviaste.” Jesus “reconheceu” a Deus justamente no tocante à sua santidade, à sua “justiça”, que tornou a entrega do único Filho e sua exaltação na cruz necessária para satisfazer seu amor pelo mundo dos perdidos. Esse “reconhecer” por parte de Jesus não se limitou a uma contemplação teórica, mas o conduziu em todo o caminho da encarnação até a morte na cruz. Conseqüentemente, os discípulos por sua vez “reconheceram” o envio de Jesus justamente na cruz. É óbvio que com relação à palavra de Jesus em Jo 16.31s temos de afirmar: Jesus antecipa na oração o “reconhecimento” nos discípulos depois da cruz e ressurreição. Desde então, porém, isso não era uma mera teoria teológica para eles, mas transformou-os nas testemunhas que empenharam sua alma em prol de um mundo perdido.
            Os discípulos não produzem esse “reconhecer” de si mesmos. Ele brota do “fazer conhecer” da parte de Jesus: “E eu lhes fiz conhecer o teu nome e ainda o farei conhecer.” Como deve acontecer um “reconhecimento” genuíno, é novamente o “nome” de Deus que está sendo dado a conhecer (cf. o comentário ao v. 6). Os discípulos não apenas sabem “que existe um Deus”, mas têm o privilégio de saber como Deus se chama, ou seja, quem Deus é. Deus lhes foi “apresentado” e “tornado conhecido”. Tratam a Deus corretamente por Seu nome e por isso não falam com o vazio. A revelação que Jesus lhes trouxe não é mística e sentimental, mas uma palavra explícita. Ao acrescentar: “e ainda o farei conhecer”, Jesus pensa no fato de que, apesar de sua nitidez, o reconhecimento de Deus nunca é mera posse, pois o Deus vivo não é um objeto do mundo, do qual eu disponho tão logo o reconheça. Preciso que Jesus me apresente o nome de Deus constantemente, porque esse nome está ameaçado continuamente ameaçado de submergir no barulho do mundo e de ser obscurecido pela escuridão de meu próprio coração. Simultaneamente, o nome de Deus está carregado de uma riqueza tão infinita e de uma profundeza tão impossível de encerrar que o “fazer conhecer” é interminável. Cabe-nos lembrar também que esse “fazer conhecer o nome de Deus” prossegue no serviço apostólico dos discípulos e por isso Jesus o considera como sua própria obra futura nesse último diálogo com o Pai. Quando pessoas aceitam a fé por meio da palavra dos discípulos (v. 20), então o próprio Jesus tornou o nome do Pai conhecido nessa palavra.
A guinada, inicialmente surpreendente, dessa última palavra de oração de Jesus demonstra em seu término que se trata muito pouco de um reconhecimento teórico que posso obter teologicamente em livros. Jesus tornou conhecido o nome de Deus e continuará a divulgá-lo de modo mais amplo e profundo, “a fim de que o amor com que me amaste esteja neles, e eu neles esteja”. Para o israelita, “reconhecer” e “amar” era coisas estreitamente ligadas. Empregava o termo “conhecer” para o amor conjugal (Gn 4.1; 4.17). Quando se “reconhece” alguém, acontecem ligações substanciais. Quando por meio de Jesus os discípulos reconhecem o “nome” do Pai, seu verdadeiro ser, então o amor com que Deus ama seu Filho também flui para o coração deles. Do mesmo modo, Jesus não permanece diante deles como “Mestre”, mas os ensina de tal modo que ele próprio entra neles e vive dentro deles. No entanto, isso não acontece por meio de uma fusão mística, mas pelo Espírito Santo. Jesus continua sendo uma pessoa e o Senhor. Os discípulos continuam sendo pessoas independentes, e, apesar disso, Cristo vive neles e determina todo o seu pensar, falar e agir.733[1]




733 Conseqüentemente, Cristo vivia em Paulo, sem que Paulo deixasse de ser completamente Paulo e de viver na fé no Filho de Deus (Gl 2.20). Da mesma maneira, Paulo vê Cristo vivendo pela fé nos corações dos membros da igreja (Ef 3.17).
[1]Boor, W. d. (2002; 2008). Comentário Esperança, Evangelho de João; Comentário Esperança, João (p. 393). Editora Evangélica Esperança; Curitiba.