Comentário de João 17:12

            Jesus olha outra vez para a transformação profunda na situação dos seus. “Quando eu estava com eles, guardava-os no teu nome, o qual (ou: os quais) me deste, e protegi[-os], e nenhum deles se perdeu, exceto o filho da perdição, para que se cumprisse a Escritura.” De forma alguma os Doze permaneceram naturalmente junto de Jesus durante esses anos. Em Jo 6.60-69 João nos mostrou como essa permanência estava ameaçada pelo “duro discurso” de Jesus e pelo insucesso cada vez mais patente à medida que todas as esperanças terrenas eram desfeitas por parte de Jesus.709 Jesus teve de “guardar” e “proteger” muito para que os Onze agora ainda estivessem ao seu redor.
Esse “guardar” não é algo que tem êxito por si mesmo. O Deus onipotente respeita a liberdade das pessoas. Isso fica claro no fato de que apesar de tudo um dos Doze se “perdeu”. Jesus não consegue orar pelos seus sem se lembrar desse um. Nem mesmo agora o mistério é solucionado por meio de uma fórmula que permitiria calcular a relação entre a atuação divina e a liberdade humana. Jesus tão somente aponta para dois fatos nesse terrível acontecimento com Judas. Judas era um “filho da perdição”. Da maneira como “filhos da luz” se deixam determinar pela luz (cf. Jo 12.36), assim Judas se deixou conduzir e moldar interiormente pelo destruidor e pela perdição. Foi por causa da liberdade pessoal e simultaneamente da necessidade interior (não exterior!) que o “filho da perdição” finalmente “se perdeu”.710 Por isso a sentença “para que se cumprisse a Escritura” jamais poderá significar que Judas foi forçado a fazer algo contra a sua vontade, apenas para o cumprimento formal da Escritura, tornando-se o destruidor de Jesus. A Escritura nunca se cumpre dessa forma mecânica! Essa palavra de Jesus não pode ser entendida diferentemente de Jo 13.18. Mesmo o fato mais incompreensível e terrível é abarcado pelo conhecimento e pela regência de Deus, e por isso já fora previsto na Escritura.711
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709 Em Lc 22.28 Jesus é capaz de afirmar: “Vós sois os que tendes permanecido comigo nas minhas tentações.”
710 A mesma expressão “filho da perdição” se encontra ainda em 2Ts 2.3, usada para o soberano anticristão do mundo. É ele quem traz a perdição e que, por isso, apesar de seu grandioso poder, rapidamente se perde. Em ambos os aspectos ele é um “filho da perdição”.
711 Cf. o exposto sobre Jo 13.18.
[1]Boor, W. d. (2002; 2008). Comentário Esperança, Evangelho de João; Comentário Esperança, João (385). Editora Evangélica Esperança; Curitiba.