João 6:1-13 — Estudo Bíblico
Estudo Bíblico sobre João 6:1-13
por William Barclay
(João 6:1-13)
Havia momentos em que Jesus sentia desejos de afastar-se da multidão de pessoas que o seguiam. Estava sob uma tensão contínua e precisava descansar. Às vezes era necessário ficar a sós com os discípulos para conduzi-los com maior profundeza para uma melhor compreensão de sua pessoa. Necessitava tempo para orar e para entrar em contato com o poder e a presença de Deus. E nesta oportunidade era muito acertado afastar-se antes de provocar um enfrentamento direto com as autoridades, porque ainda não tinha chegado o momento do conflito final.
De Cafarnaum até a outra margem do mar da Galileia havia uns sete quilômetros de distância. Assim Jesus empreendeu a travessia. Mas o povo estivera observando maravilhada as coisas surpreendentes que fazia. Era fácil ver que direção tomava o barco, e se apressaram para chegar ao outro lado do lago por terra. O rio Jordão desembocava no mar da Galileia pelo extremo Norte. A três quilômetros da desembocadura estavam os vaus do Jordão. Perto dos vaus havia uma cidade chamada Betsaida Julia para diferenciá-la da outra Betsaida na Galiléia, e Jesus se dirigiu a esse lugar (Lucas 9:10). Perto da Betsaida Julia, quase à beira do lago, há uma pequena planície sempre coberta de erva. chama-se El-Batiya e seria o cenário deste milagroso acontecimento.
Em primeiro lugar, Jesus subiu pela ladeira até a planície e se sentou ali com seus discípulos. Logo a multidão começou a aparecer por grupos. Era preciso caminhar uns quatorze quilômetros para bordejar o lago e cruzar os vaus e o tinham feito com toda a rapidez de que podiam. Sabemos que se aproximava a festa da Páscoa. Devia haver mais gente que o habitual nos caminhos. É muito provável que houvesse muita gente que se dirigia a Jerusalém. Muitos peregrinos da Galileia viajavam para o Norte, cruzavam o vau, atravessavam a Pereia e logo voltavam a cruzar o Jordão perto de Jericó. O caminho era mais longo mas se evitava o território dos temidos e odiados samaritanos. É muito possível que a multidão se viu acrescida por peregrinos que se dirigiam à festa da Páscoa e que já estavam a caminho.
Ao ver a multidão, acendeu-se a compaixão de Jesus. Estavam famintos e cansados e era preciso dar-lhes de comer. Era natural que se dirigisse a Filipe, porque vinha de Betsaida (João 1:44) e sem dúvida conheceria o lugar. Jesus lhe perguntou onde se podia obter comida. Filipe deu uma resposta desesperada. Disse que embora se pudesse conseguir comida, seriam necessários mais de duzentos denários para dar uma mínima quantidade a cada um dos componentes dessa vasta multidão. Um denário representava a diária normal de um operário.
Filipe calculou que se necessitariam as diárias de mais de seis meses para começar a alimentar uma multidão como esta. Então apareceu André em cena. Tinha encontrado um garoto que tinha cinco pães de cevada e dois peixinhos. É muito possível que o garoto os tivesse levado para almoçar. Possivelmente tinha saído para passar o dia fora e, tal como faria qualquer garoto, se uniu à multidão. André como era seu costume levava gente à presença de Jesus. O garoto não tinha muito que oferecer. O pão de cevada era o mais econômico de todos, e o menosprezava.
Na Mishnah há uma disposição a respeito da oferta que uma mulher adúltera deve apresentar. É obvio que deve levar uma oferta por seu pecado. Em todos os sacrifícios se fazia uma oferta consistente em uma mescla de farinha, vinho e azeite. Em geral se empregava farinha de trigo; mas estava estabelecido que, no caso de uma oferta por adultério, devia empregar-se farinha de cevada, porque a cevada é a comida das bestas e o pecado da mulher era um pecado bestial. O pão de cevada era aquele que comiam os muito pobres. Os peixes não seriam muito maiores que uma sardinha.
O peixe em vinagre proveniente da Galileia era muito conhecido em todo o Império Romano. Naqueles dias o peixe fresco era um luxo desconhecido visto que não havia forma de transportá-lo e mantê-lo em boas condições de consumo. No mar da Galileia abundavam pequenos peixes semelhantes à sardinha. Eram pescados e conservados em vinagre como uma espécie de drinque. O garoto tinha seu peixe em vinagre para acompanhar o seco pão de cevada.
Jesus, pois, disse a seus discípulos que fizessem as pessoas sentarem. Tomou os pães e os peixes e os abençoou. Ao fazê-lo estava agindo como um pai de família. A ação de graças que pronunciou provavelmente fora a que se empregava na maioria das casas judaicas: "Bendito és tu, Senhor nosso Deus, que fazes crescer o pão da terra". E o povo comeu e se sentiu saciada. Inclusive a palavra que se usa para significar satisfeito (chortazesthai) resulta sugestiva. Em suas origens, no grego clássico, era empregada para denominar a alimentação dos cavalos com forragem, e quando era empregada com respeito às pessoas queria dizer que estavam empachados, cheios.
Quando o povo ficou saciado, Jesus fez seus discípulos recolherem os pedaços que tinham sobrado. Por que os pedaços? Nas festas judaicas se acostumava deixar algo para os servos. O que sobrava recebia o nome do Peah. Sem dúvida as pessoas deixavam uma parte para aqueles que tinham servido os pães. Recolheram-se doze cestas de pedaços. Sem dúvida cada um dos discípulos tinha sua cesta (kofinos). As cestas tinham forma de garrafa.
Nenhum judeu saía de viaje sem sua cesta. Juvenal fala em dois ocasiões (3:14; 6:542) de "o judeu com sua cesta e seu maço de palha". (O maço de palha era para usar como cama, porque muitos judeus levavam uma vida nômade). O judeu com sua inseparável cesta era uma figura muito conspícua. Levava-a, em parte porque era naturalmente aquisitivo, e em parte porque precisava levar sua própria comida se tinha que observar as normas judaicas de limpeza e impureza. De maneira que cada discípulo encheu sua cesta com os pedaços que sobraram. E assim a multidão faminta foi alimentada com acréscimo.