Parábola do Lava-Pés

Parábola do Lava-pés
(Jo 13:1-11)

Temos aqui uma das parábolas de ação de nosso Senhor. Embora nenhuma linguagem figurada tenha sido usada por Jesus sobre a verdade que ele ilustrava, ele nos dá uma parábola pelo exemplo, quando estava sozinho com os doze. Mas, pouco depois dessa parábola, Judas excluiu-se do grupo, e saiu para vender o seu Senhor por trinta moedas de prata. No entanto, Jesus sabia que tinha chegado a sua hora de deixar este mundo e ir para junto do Pai. A constante menção à sua morte amedrontava e entristecia os discípulos, que não compreenderam essa necessidade até a ascensão do Filho de Deus. Mas ainda que tenha discorrido sobre a sua morte e ressurreição, também profetizou e aludiu ao seu futuro reino.

Houve "disputa entre eles sobre quem seria o maior" em seu reino (Lc 12). Os discípulos pensavam somente na proeminência deles, em sua própria posição e poder. Estavam cegos ao fato de que a humildade é o caminho para a honra. Para reforçar essa verdade, Jesus a ilustrou, assumindo o lugar de servo, cujo dever era o de lavar os pés de todos os que entrassem em casa. Jesus tirou a vestimenta externa, que atrapalharia o lava-pés dos discípulos. Porventura não temos aqui uma parábola ilustrativa do que aconteceu em sua encarnação, quando ele despojou-se da glória eterna e vestiu-se com as vestes da nossa humanidade?

Ao assumir a função de escravo, Jesus pôs água numa bacia, lavou os pés dos discípulos e os enxugou com a toalha com que estava cingido. Talvez João, por estar mais perto do Mestre, foi o primeiro a ter seus pés lavados. Então veio Pedro e advertiu a Jesus: "Senhor, tu vais lavar os meus pés?" Pois um ato assim somente seria feito por alguém inferior para um superior; mas aqui o mestre lavava os pés de um discípulo. Esse ato estava além da compreensão de Pedro; por isso Cristo replicou: "O que eu faço não o sabes agora, mas o compreenderás depois". Pedro e João souberam depois e declararam o significado simbólico da ação do auto-esvaziamento de nosso Senhor. Pedro, quando lembrou que a toalha era insígnia da escravidão, desafiou os santos a cin-girem-se com a humildade, ou, como Phillips interpreta, "vestir o avental da humildade" (lPe 5:5). Pela inspiração do Espírito Santo, Pedro viu a manifestação da graça divina na atitude do Mestre. João também percebeu que a humilhação do Senhor conduziu-o à gloriosa exaltação e a insígnia da escravidão transformou-se no cinto de sua realeza. Na revelação da glória de Cristo na ilha de Patmos, João o viu "cingido à altura do peito com uma cinta de ouro". A velha vestimenta de escravo foi transformada em gloriosa e regia roupagem de soberania.

O que nos interessa nessa parábola é a resposta do Senhor ao desejo de Pedro de ser lavado por inteiro: "Não apenas os pés, mas também as mãos e a cabeça". Jesus disse: "Aquele que já se banhou (banhou-se por completo) não necessita de lavar senão os pés; no mais está tudo limpo. Ora, vós estais limpos, mas não todos". A última parte da sua resposta parece referir-se a Judas. Todos os doze foram chamados seus discípulos, mas um, que fora lavado e tornou-se de Cristo pela sua palavra, permitira ao diabo entrar em seu coração e poluí-lo. Ellicott comenta: "Por ter sido negligente depois de purificado, permaneceu na poluição diária do mundo; maus pensamentos abrigaram-se até que corromperam integralmente o homem". Por falta de vigilância em permanecer na Videira, Judas foi cortado como um galho inútil (Jo 15:4).

Há, todavia, a ampla aplicação da linguagem figurada de Cristo. Os termos "lavados" e "banhados" significam lavar toda a pessoa. Assim, o que Jesus disse a Pedro foi: "Aquele que já se banhou, só precisa lavar os pés". Cristo, familiarizado com os costumes orientais, tinha em mente um homem que fora a uma "casa de banhos" e, após lavar-se por inteiro, foi para casa. Enquanto retornava, uma boa quantidade de pó do caminho cobriu parte de seus pés e, ao chegar em casa, precisou limpar os pés da sujeira acumulada pelo caminho. Ele não precisava tomar outro banho, mas apenas lavar uma parte de seu corpo (os pés), que se sujou em sua caminhada.
Charles Wesley, em um de seus grandes hinos, insiste que oremos pela purificação da "culpa" e do "poder" do pecado. Que implica essa dupla purificação? Uma vez que o pecador se arrepende de seus pecados e, pela fé, aceita a Cristo como Salvador pessoal, ele é lavado no sangue, uma vez por todas, da antiga culpa e das penalidades de seu pecado. Mas como pecador salvo, ele precisa lavar-se diariamente das influências poluidoras do pecado. João usa o presente do indicativo quando fala do sangue purificador de Jesus: "Nos purifica (nos mantém limpos) de todo pecado" (Uo 1:7). Nossa permanência diante de Deus está garantida; mas muitas vezes não perma-necemos aqui embaixo em conformidade com a nossa permanência. Ficamos sujos com a caminhada diária e precisamos nos purificar.

A última idéia é a do exemplo, pois Jesus disse: "Eu vos dei o exemplo, para que façais o que eu fiz". Há muitos devotos de certa denominação que tomam literalmente essas palavras, e periodicamente realizam a cerimônia do "lava-pés" em suas igrejas, quando os seus adeptos lavam os pés uns dos outros. Mas certamente nosso Senhor queria que praticássemos o que ele ilustrou por essa parábola, a saber, mansidão e humildade de coração, e não necessariamente repetir a ação em si. O "lava-pés" espiritual é o que Paulo recomenda, quando, ao escrever à igreja na Galácia, diz: "Irmãos, se alguém for surpreendido nalguma ofensa, vós, que sois espirituais, corrigi-o com espírito de mansidão. Mas olha por ti mesmo, para que não sejas também tentado" (Gl 6:1). Mesmos homens purificados contrairão sujeiras pelo caminho e, quando isso acontecer, não devemos atrair a atenção à sua falta; e, numa atitude de santidade superior, desprezá-los. A nossa obrigação (se nossos próprios pés estiverem limpos) é restaurá-los com espírito de mansidão. Entre as honras e distinções que as pessoas ambicionam, há uma, infelizmente negligenciada e que qualquer um de nós está qualificado a possuir. É a Ordem da Toalha. Todos os que pertencem a essa, que é a maior de todas as "ordens", assemelham-se ao seu Fundador, quando são mansos e humildes de coração, e vestidos com o avental da humildade. A glória da graça divina manifesta-se na semente, e por intermédio dela. Como o Mestre, eles revelarão "A transfiguração do serviço dos humildes à soberania do alto".



Fonte: Todas as Parábolas da Bíblia de Herbert Lockyer, São Paulo, Editora Vida, 2006.