Parábola do Dia e da Noite
(Jo 9:4)
Envolvida pelo milagre de fazer enxergar alguém que era cego de nascença, essa parábola foi transmitida por Jesus para ilustrar as obras de Deus que ele fora enviado a realizar: "Preciso fazer as obras daquele que me enviou enquanto é dia; a noite vem, quando ninguém pode trabalhar". Godet diz que o contraste ente dia e noite "não pode denotar oportunidade ou falta de oportunidade, ou ainda o tempo da graça e o tempo em que não será alcançada. Aqui pode ocorrer apenas o contraste entre o tempo para trabalhar durante o dia, e o descanso noturno. Nada há de sinistro nesta figura: noite".
Porventura Paulo não fala dessa ocasião da vida como "o dia da salvação" e tempo para o homem aceitar a Cristo como a Luz? (2Co 6:2). Esse pode ser o mesmo grande dia da Festa dos Tabernáculos, ao pôr do Sol, em que Jesus alertava que o dia dos seus serviços estava rapidamente se acabando. Ele quis dizer: "Enquanto estou no mundo", mas a noite de sua morte não estava distante, quando cessariam as suas atividades humanas na terra. Assim como a noite natural não pode chegar antes de sua hora certa, Jesus sabia que o dia de sua vida estava marcado por limites não menos claros (Jo 11:9). Mas enquanto ainda era dia claro, ele precisava fazer a obra que seu Pai lhe confiara.
Esta época da graça, quando a Igreja de Cristo dá continuidade à sua obra, sob a liderança do Espírito Santo, é nosso dia de oportunidade, e as horas desse dia devem ser cheias de atividades inspiradas pelo Espírito Santo. Esse é o tempo de ganhar almas, um santo ministério, porque a noite vai chegar. Os ímpios precisam ser advertidos de que hoje é o dia da graça, quando podem ser libertos da culpa e purificados dos seus pecados. Porém, se esse dia da oportunidade for desprezado, passará e nunca voltará.
Trabalhe, pois vem a noite!
Trabalhe ao brilho do Sol.
Preencha com trabalho suas brilhantes obras,
Pois o descanso virá, certo e breve.
Dê a cada minuto que passa
Algo para guardar em depósito.
Trabalhe, pois vem a noite,
Quando ninguém mais trabalha.
Parábola da porta e do porteiro
(Jo 10:1-3,9)
Ainda que a maior parte desse célebre capítulo seja ocupada pela parábola de Jesus como o Bom Pastor, temos dentro dele parábolas ilustrativas distinguíveis, como O Porteiro, a Porta, Ladrões e Assaltantes, Mercenários, tudo como integrantes da figura do Pastor e as Ovelhas, mas que são usadas semelhantemente em sentido espiritual.
A repetição da expressão inicial "em verdade, em verdade", que somente João registra como usada por Jesus em seus ensinamentos, e que ocorre cerca de 25 vezes em seu evangelho, demonstra que ele era um ouvinte atencioso. A dupla afirmação significa realmente amém, amém, e introduz verdades de grande importância ou urgência. Usualmente essa fórmula ocorre em meio a outras declarações, e foi utilizada por Jesus para prender a atenção e focalizá-la em um novo aspecto da verdade que ele abordaria. Aqui, "em verdade, em verdade" (Jo 10:1) não introduz um novo discurso, mas age como desenvolvimento do profundo ensinamento de nosso Senhor (Jo 15:1). O capítulo diante de nós é uma extensão de seus ensinamentos iniciados no capítulo anterior (Jo 9:35), que surgiram do milagre do cego, um acontecimento que proporcionou uma evidência para os fariseus, de sua cegueira espiritual. Jesus refere-se a eles como ladrões e mercenários, e deixa-os muito irados (Jo 10:20,21).
Porta. A figura comum da "porta" não é usada apenas literalmente (Mt 6:6; 27:60), mas em metáforas de diversas maneiras, como mostra W. E. Vine:
Da fé, pela aceitação do evangelho da graça (At 14:22);
Da abertura para o ministério da Palavra de Deus (ICo 16:9; 2Co2:12;Co4:3;Ap3:8);
Da entrada no reino de Deus (Mt 25:10; Lc 13:24, 25);
Da entrada de Cristo no coração do crente arrependido (Ap 3:20);
Da proximidade da segunda vinda de Cristo (Mt 24:33; Mc 13:29; Tg 5:9);
Do acesso, para contemplar visões relativas aos propósitos de Deus (Ap 4:1);
De Cristo como o único, através do qual entramos na graça (Jo 10:7,9).
Por porta do aprisco, pela qual entra o pastor, entendemos como a que leva ao rebanho, e não uma porta pela qual entram as ovelhas. Jesus toma esse recurso material dos pastores e aplica a si mesmo. "Eu sou a Porta". Que idéia impressionante está ligada a esse Eu Sou, de Jesus! Uma porta tem dupla função — deixar entrar e impedir a passagem. Pode introduzir todos os que são bem-vindos e impedir aqueles cuja companhia é indesejável. Quando a porta se fechou nas Bodas do Cordeiro (Mt 25:10), admitiu as cinco virgens sábias e impediu que entrassem as cinco néscias.
Cristo é a Porta e, quando entramos por ela, somos salvos. Somente por ele temos acesso ao Pai (Ef 2:18). A figura da porta é paralela à "porta apertada" e ao "caminho estreito" (Mt 7:13, 14; Rm 5:2). Não podemos estreitar a porta do aprisco, nem mesmo alargá-la. Cristo é a Porta para todos os excluídos pela autoridade religiosa dos fariseus. O homem que recebera a visão foi excluído, e Jesus perguntou-lhe: "Crês tu no Filho de Deus?" O homem respondeu: "Quem é ele, Senhor, para que nele creia?" Então Cristo apresenta-se como a porta para uma nova vida quando disse: "Ele é aquele que fala contigo" e, ao recebê-lo, o que fora cego encontrou nele a entrada para um reino inteiramente novo. Quando Jesus dirigiu-se às autoridades religiosas que excluíram o homem cuja visão ele restaurara, condenou-as por excluírem certas pessoas: "Ai de vós doutores da lei, porque tomastes a chave da ciência. Vós mesmos não entrastes, e impedistes os que entram". Eles fracassaram na função de portais através dos quais outros poderiam entrar ao verdadeiro conhecimento de Deus. Agora Jesus apresenta-se como a Porta.
Para os pastores orientais, a porta não era realmente a com dobradiças como imaginamos, mas uma abertura no cercado, sebe ou paliça-da. À noite, as ovelhas eram recolhidas ao interior desse cercado relativamente alto, e o porteiro assumia a vigilância e era responsável pela segurança do rebanho. Havia roubo de ovelhas, e ladrões que as matavam, e se o porteiro à porta do redil não ficasse atento, os ladrões e assassinos pulavam a cerca e pegavam as ovelhas. Esses ladrões e assaltantes, que precederam a Cristo, "todos que vieram antes de mim", não são os profetas do AT ou os mestres que fielmente testemunharam de Jesus como a verdadeira Porta. Cristo, figuradamente, representava a classe sacerdotal oriunda do AT. Esses mestres religiosos usurparam o lugar das verdadeiras escolas proféticas e atribuíram a si mesmos a posição de portas do reino de Deus. Mas por suas próprias adições às leis, e por suas tradições, esses exclusivistas fecharam a verdadeira porta, pilharam e oprimiram os que eles mesmos excluíram. Esses eram os ladrões e assaltantes, e lobos vestidos de ovelhas, que roubavam p rebanho de Cristo e despedaçavam as verdadeiras ovelhas (At 20:29; lPe 5:2).
Campbell Morgan muitas vezes disse que a ilustração da porta teve um profundo efeito sobre ele quando lhe foi relatada pelo pr. George Adam Smith. Parece que durante uma das várias vezes que cruzou o Atlântico, o dr. Morgan teve por companheiro de viagem o renomado teólogo. Um dia, quando meditava sobre as coisas de Deus, o Pr. George contou-lhe o relato de uma visita que fizera ao Extremo Oriente. Enquanto viajava, foi a um daqueles apriscos ou cercados com uma abertura na parede. Como o pastor estava próximo, ele perguntou-lhe:
"Isto é um aprisco de ovelhas?"
"É, sim", respondeu o pastor.
"Eu vejo somente uma entrada", disse o Pr. George.
"Sim, ali está, ali está a porta", respondeu o pastor apontando para a abertura na parede.
"Mas não há porta lá", disse o Pr. George.
Ainda que os dois não estivessem falando da Parábola do bom pastor, ou das verdades cristãs ao todo, o Pr. George ficou maravilhado quando o pastor disse:
Eu sou a porta".
A mente do grande teólogo voltou a esse décimo capítulo de João e perguntou ao pastor:
"O que você quer dizer, chamando a si mesmo de porta?"
Ao que, perfeita e naturalmente o pastor respondeu:
"As ovelhas entram, e eu venho e me deito atravessado na entrada, e nenhuma delas pode sair exceto por cima de meu corpo, e nenhum lobo pode entrar sem passar por cima de mim".
Como é rica em inspiração espiritual essa notável ilustração! Cristo é a Porta, e não podemos sair senão por meio dele, e nenhum lobo feroz pode agarrar as ovelhas, sem passar por ele. Ninguém pode arrebatar-nos de suas mãos (Jo 10:28,29). Como a Porta, o próprio Jesus preserva e protege as suas ovelhas, e elas podem entrar e sair e achar comida. Dentro e fora. Entrando através de Cristo, encontramos a salvação, serviço e sustento. Godet lembra-nos que entrar e sair é uma expressão muitas vezes empregada na Bíblia para designar o livre acesso a uma casa, onde se pode entrar e da qual se pode sair sem cerimônias, por pertencer àquela residência e porque está em casa (Dt 28:6; Jr 37:4; At 1:21).
Entrará expressa a livre satisfação da necessidade de repouso e a posse de um refúgio.
Saíra sugere a livre satisfação da necessidade de alimentação, o livre usufruto de uma rica pastagem (Sl 23:2,5) E por isso que o tempo do verbo "entrará" é imediatamente seguido pela expressão que o explica: e achará pastagens. Entramos para salvação, e saímos para servir àquele que nos salvou.
Sendo Jesus a Porta, de que lado você está? Você está dentro ou fora?
"Em Cristo" ou "sem Cristo" — salvo ou perdido? Que solene lembrança temos daquele singelo cântico infantil:
Uma porta, e uma só; Porém, dois lados há. Dentro ou fora, De que lado você está?
Porteiro. Mesmo que essa personagem não seja parte essencial da alegoria, todavia tem o seu lugar e foi usada por Jesus a fim de aplicar ao que está relacionado a ele, como Pastor, e também às ovelhas. Atualmente a palavra porteiro significa "guardião da porta", e é usada para o masculino ou feminino (Mc 13:14; Jo 18:16, 17). Na vida pastoral, o porteiro era um co-pastor, cujas obrigações eram as de confinar as ovelhas depois que fossem recolhidas ao aprisco à noite, e abrir a porta na saída do pastor pela manhã.
Mediante o nosso modo de pensar, porteiro sugere um duplo ofício. Alguém que carrega bagagens ou encomendas, como os dispostos maleiros nas estações de trem. A palavra também denota os que, nos grandes estabelecimentos comerciais e hotéis, abrem a porta para os que entram ou saem. Esse último ofício é o indicado pelo porteiro mencionado por Jesus, e quem, no aprisco espiritual, é o que abre as portas ao Pastor. Como precursor de Jesus, João Batista foi o proeminente porteiro que abriu a porta para aquele cujo caminho havia preparado. Quando Jesus surgiu como a Porta, João sentiu-se apenas o porteiro, e retirou-se a um segundo plano para que a Porta fosse vista claramente e acessada. "Convém que ele cresça", disse o porteiro quanto à Porta, "e que eu diminua". Paulo considerava o Espírito Santo porteiro divino, quando escreveu sobre as portas de serviço abertas por ele. Em Éfeso, "uma porta grande e eficaz se abriu"
(ICo 16:9). Em Trôade, onde Paulo foi pregar o evangelho de Cristo, "uma porta se me abriu no Senhor" (2Co 2:12). Os colossenses foram chamados a orar "para que Deus nos abra a porta da palavra, a fim de falarmos do mistério de Cristo" (Cl 4:3). Então Paulo declara aos irmãos como "Deus abrira a porta da fé aos gentios" (At 14:27). Ao receber as chaves de Jesus, Pedro, no dia de Pentecostes, abriu a porta da fé às multidões reunidas.
Um porteiro — guardião ou abridor de porta! Todos os que pertencem ao Bom Pastor serão porteiros espirituais, para guardarem a porta ou defender ardorosamente a fé, e também um diligente 'abridor' de portas para que o Senhor entre. No reino espiritual, abridores de portas são ganhadores de almas. Como cristão, você age em duplo sentido como o Porteiro? Você ajuda a carregar a carga dos outros? "Levai as cargas uns dos outros". Então você está sempre atento para abrir uma porta ao Salvador? Se você nunca abriu uma porta para Jesus, em outras palavras, jamais ganhou uma alma para Cristo, a sua vida não é tão abundante como ele fala nessa parábola.
Fonte: Todas as Parábolas da Bíblia de Herbert Lockyer, São Paulo, Editora Vida, 2006.