Parábola da Água Viva

Parábola da Água Viva
(Jo 4:14; 4:1-42)

Como foi variado e oportuno o ministério terreno de nosso Senhor! Não importava onde ele estivesse, ou com quem conversasse, sua técnica de abordagem era perfeita. Após sua viagem de nove meses de sucesso na Judéia, sucesso esse que despertou o ódio dos fariseus, Jesus deixa essa província e vai para o interior da Palestina. Seu ministério transferiu-se para a Galiléia, "onde a autoridade do Sinédrio era menos rigorosa, e as pessoas eram mais liberais por causa da maior quantidade de gentios ali residentes". Havia duas estradas de Jerusalém para a Galiléia —A que circundava o vale do Jordão e que os judeus ortodoxos sempre trilhavam, para não entrar em contato com os desprezíveis samaritanos; e a mais direta, que ia através de Samaria para a Galiléia. Jesus escolheu a "última opção, por razões vindas de um conselho feito desde a eternidade". Ele sabia o que havia na mulher, assim como no homem (Jo 2:25), e em Sicar estava uma samaritana carregada de pecado e vergonha que precisava de sua graça. Por isso, apesar de ele ser judeu, com um amor isento de preconceito racial, fanatismo religioso e outras limitações humanas, ele pegou a estrada desprezada que levava ao coração de uma mulher, cuja vida degradada seria transformada por sua mensagem e poder.

Após conversar com Nicodemos e vir até a mulher, no poço de Jacó, Jesus usou-o como um púlpito para instar a todos que, cansados, procuravam vida, satisfação e bênçãos mediante o encontro com ele. É impressionante a arte de Cristo como um ganhador de almas, pois extremos e contrastes são apresentados entre o mestre em Israel e a mulher samaritana que tirava água da fonte de Sicar: ele estava no topo da escala social; ela, na base; ele era religioso, culto e altamente respeitado; ela, uma mulher cheia de paixões carnais, ignorante, decadente e sem Deus.

No trato com essas personagens tão opostas, pareceria que Jesus confundiu as coisas. O que ele disse sobre a necessidade de nascer de novo, era, certamente, a mensagem que a mulher samaritana mais precisava —e o ensino com respeito à espiritualidade interior e a adoração espiritual estaria mais adequada para Nicodemos, o instrutor religioso, e também para os discípulos de Cristo em estágio mais avançado, do que para a mulher em "pedaços" que ele encontrou na fonte. Mas ele nunca cometeu um erro em sua abordagem àqueles necessitados de seu toque Salvador. Ele sabia que bem lá dentro do submundo da vida desventurada daquela mulher havia um clamor por Deus. Por ser samaritana, não era considerada participante da aliança de Israel e era o tipo de mulher feita para ser abandonada, a fim de apodrecer em seus pecados.

Chegamos assim ao belo cenário do encontro entre o Salvador e a pecadora. Jesus, cansado de sua viagem, sentou-se à beira do poço. E que toque encorajador João nos dá! O apóstolo revela Cristo como o perfeitamente humano e que, exausto da caminhada entre a Judéia e Samaria, precisava de um descanso no meio do caminho. Muitas vezes cansado em sua missão, Jesus jamais estava cansado dela. Ele jamais ficava abatido em fazer o bem. Nessa ocasião ele não estava somente exausto, mas também com sede, e disse à mulher: "Dai-me de beber".

Por não saber quem era o estranho, exceto por tratar-se de um judeu, a mulher admirou-se que ele lhe pedisse água, a uma samaritana detestável. Quando lemos as entrelinhas, é como se Jesus esquecesse de sua condição cansada e sedenta, porque aqui se encontrava uma alma cansada de seu pecado e sedenta por uma satisfação interior. Não obstante, seguindo o método que caracterizava o seu ensino, Jesus usou o que estava à mão para ilustrar sua mensagem. A mulher retirava água e, de modo simples, natural e exemplar, Jesus guiou-a do natural ao espiritual, ou seja, da água no poço de Jacó à infalível fonte de vida e satisfação que só se pode encontrar nele.

Em seu esclarecedor estudo do capítulo diante de nós, Campbell Morgan destaca duas palavras completamente diferentes, usadas para poço nesse contexto. Ao referir-se ao poço de Sicar, a mulher disse: "O poço é fundo [...] nosso pai Jacó nos deu o poço" (Jo 4:11,12). Aqui o vocábulo para "poço" é phear, que significa um buraco ou cisterna cheio de água acu-mulada. Mas o termo que João empregou quando disse "estava ali a fonte de Jacó" e "Jesus assentou-se junto a fonte", e o que Jesus usou para si mesmo quando disse "fonte de água" (4:6,14), não era o mesmo vocábulo phear", mas outro, que significa uma mina de água, uma fonte que jorrava e salpicava água. Esse termo em particular ocorre apenas aqui e duas vezes em Atos (3:8;14:10), quando é usado para o homem coxo, no lindo portal, "pulando".

A mulher chamou de poço. Jesus falou de uma fonte. Por conhecer a sede profunda da vida da mulher, Ele usou o termo para ilustrar a fonte de água que o poço supria. A diferença estava entre um acúmulo de água (água reunida e retida) e água viva e corrente. Quando os servos de Isaque cavaram no vale, eles "encontraram ali uma fonte de água" (Gn 25:32). A mulher veio retirar a água acumulada, e água armazenada rapidamente se transforma em água estagnada. Jesus ofereceu à alma sedente, no poço de Sicar, água viva e corrente para satisfazer suas necessidades mais prementes. A fonte de água nascente, borbulhante, eternamente plena e fresca, era a sua ilustração parabólica de tudo o que ele poderia suprir à humanidade sedenta e febril. A água das cisternas rotas do mundo falham; mas se bebermos dos rios da água viva dele, podemos cantar:

Minha sede foi saciada, minha
alma revivida, e agora eu vivo Nele."

Do lado cortado de Jesus, na cruz, escorreram água e sangue. Uma fonte foi adequadamente aberta para eliminar a sede daqueles que se chegam a Deus. A mulher no poço bebeu e viveu, e foi o meio que o Senhor usou para levar muitas outra almas sedentas, espiritualmente, para a Fonte de satisfação. Deixou o cântaro e foi para a cidade, e contou aos samaritanos da fonte borbulhante que encontrara, e eles também vieram a crer em Jesus como o "Cristo, o Salvador do mundo" (Jo 4:42), o doador da água viva. Que as mesmas multidões, hoje, possam ser encontradas bebendo dessa água da vida livremente! (Ap 21:6; 22:17)