Parábola da Água e do Vento
(Jo 3:1-13)
Graças ao aspecto milagroso do "novo nascimento", o leitor é direcionado ao tratamento completo dado pelo autor, em seu livro All the miracles of the Bible [Todos os milagres da Bíblia]. O que nos interessa nesse ponto é o significado da linguagem parabólica, usada para descrever a obra do Espírito Santo na regeneração de uma alma. O capítulo diante de nós é uma continuação e não uma narrativa separada. O primeiro versículo, que deveria introduzir o capítulo, é uma conexão entre a visita de Nicodemos ao que acontecera na Páscoa, quando muitos creram em seu nome, ao verem os milagres que Jesus fazia (Jo 2:23). Sem dúvida, Nicodemos era um desses porque quando esteve sozinho com Jesus, ele falou: "Pois ninguém poderia fazer esses sinais miraculosos que tu fazes, se Deus não fosse com ele" (Jo 3:2). E porque Cristo conhecia o que estava no homem (Jo 2:25), ele não tinha necessidade que alguém lhe contasse o que havia na mente do fariseu que o procurou naquela noite em busca de instrução espiritual.
As três figuras de linguagem que Jesus usou foram: nascimento, água e vento. Antes de tudo, o nascimento é apresentado de diversas maneiras que, em sua totalidade, revelam a sua exata natureza:
"Nascer novamente", "nascer do alto", "nascer de novo";
"Nascer da água e do Espírito", "nascer do vento";
"Nascer do Espírito".
Todo homem que chega ao mundo é nascido da carne — carne aqui é usada em seu sentido mais amplo e especial, como o reino animal (físico). Em uma impressionante repetição, Jesus disse a Nicodemos que ele precisava, a despeito do fato de que era profundamente religioso e amplamente estudado, nascer uma segunda vez, um símile; o que Nicodemos pensou referir-se a um segundo nascimento físico. Mas Jesus ensinava ao mestre de Israel que não havia entrada no reino animal, a não ser por meio de um nascimento natural; e da mesma forma não haveria entrada no reino espiritual, a não ser através de um nascimento espiritual.
Em conseqüência de um nascimento físico, somos introduzidos em uma família terrena e desenvolvemos relacionamentos humanos; da mesma forma, por meio do nascimento espiritual, somos introduzidos na família celestial, o reino de Deus com todos os seus santos relacionamentos. Pelo primeiro nascimento, entramos no mundo: uma personalidade nova e distinta. Através do segundo nascimento nos tornamos uma nova criação: a mesma personalidade, mas transformada pelo espírito. Mas, apesar de o nosso primeiro nascimento ser o portal para a vida, não nos foi perguntado se queríamos nascer ou de quem nasceríamos. Já no segundo nascimento é diferente, porque ele não pode acontecer à parte de nossa vontade: "Necessário vos é nascer de novo" e quando Cristo usa o imperativo, ele o faz propositadamente. O pecador deve nascer do alto, se ele deseja ir para o alto após a morte. Esse novo nascimento só pode acontecer se o pecador crente e arrependido assim o desejar.
Ao chegar à segunda figura de linguagem, o que exatamente Jesus queria dizer com o nascer da água? Um escritor ingenuamente ligou isso à bolsa de água que envolve o bebê dentro do útero, e que o assiste em seu nascimento. Muitos outros escritores afirmam que a água refere-se às águas batismais que Nicodemos conheceria em conexão ao ministério de João Batista. Esse na verdade proclamava que judeus e gentios deveriam arrepender-se e ser batizados, se quisessem tornar-se bebês recém-nascidos no reino. Para os tais, o batismo se tornaria um sinal exterior da graça interior, uma confissão pública na presença de testemunhas e uma lealdade aberta a um novo rei e a seu reino.
Outros expoentes vêem a figura da água como uma referência ao Espírito, cujo ministério variado o Senhor comparou a "rios de água viva". E há também os que entendem a água como um emblema da Palavra. Jesus disse: "Vós já estais limpos por causa da palavra que vos tenho falado" (Jo 15:3). Tanto Davi como Paulo falam do efeito purificador da Bíblia como água (SI 119:9; Ef 5:26). Talvez a combinação de ambos esteja mais próxima do pensamento que Jesus tinha em mente. A medida que o Espírito opera por intermédio da Palavra, os pecadores nascem de novo: "De sorte que a fé vem pelo o ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus" (Rm 10:17).
Quando chegamos à terceira figura que Jesus usou, a saber, o vento, temos uma forte ilustração das operações misteriosas do Espírito em sua obra de convicção e regeneração. Se a conversa entre Jesus e Nicodemos tivesse acontecido no terraço de uma casa, ou em um jardim, é provável que, à medida que conversavam, uma brisa suave soprava, e Jesus, em seu modo único e característico, aproveitou-se de tal fato para elucidar e imprimir o que desejava dizer. A palavra que Cristo usou para vento não foi a popular "anemos", mas "pneuma", que significa "fôlego" ou "brisa". "O vento sopra onde quer, e ouves a sua voz" — não o vento uivante, mas a brisa suave que sopra e pára, vem e vai, e ninguém sabe como.
O vento é incerto, variável e misterioso em sua operação — "sopra onde quer, e ouves a sua voz". Ele se move como deseja ou lhe agrada, e não é sujeito à nossa ordem ou comando. Da mesma forma acontece com a obra do Espírito. "Assim também, ninguém conhece as coisas de Deus, se não o Espírito de Deus" (ICo 2:11-16). Saulo de Tarso não tinha idéia, naquele dia que saía para prender e matar cristãos indefesos, que por volta do meio-dia, seria envolto por uma brisa vinda do céu. O Espírito distribui seus dons e opera onde, quando, em quem, na medida e do modo que lhe agrada. Ele distribui a cada um de acordo com a sua vontade (ICo 12:11).
Além do mais, apesar de o vento ser invisível, podemos traçar seu curso pelas mudanças que produz e, muitas vezes, nos impressionamos com seu efeitos. "Ouves a sua voz". Quando o vento suave sopra na primavera, produz um reavivamento na criação. E não acontece da mesma forma quando o vento celestial sopra sobre as almas dos homens, a fim de despertá-los da morte espiritual para a vida eterna? "Não sabes de onde vem" - sua origem; "nem para onde vai" — seu destino. Ele reúne sua força para depois usá-la. Semelhantemente, acontece com a obra do Espírito que, como o gerador de vida, é eterno em sua origem e operação. Como seremos abençoados se nossas velas estiverem postas de modo a captar essa brisa celestial! Seria como Nicodemos que chegou a um entendimento absoluto da linguagem parabólica de nosso Senhor e, através da água ou de sua palavra e pelo vento do Espírito, se tornou um filho de Deus. Ele veio a ser discípulo e amigo de Jesus, pois o defendeu quando foi falsamente acusado (Jo 7:50,51) e, junto com José de Arimatéia, pegou o corpo morto de Cristo e o enterrou como uma rica oferta de amor (Jo 19:38-40).
Uma vez que Cristo nasceu de mulher, para dar ao homem a oportunidade do "segundo nascimento", torna-se de suma importância a pergunta: Você já experimentou esse segundo nascimento? O seu primeiro nascimento não importa se foi em circunstâncias pobres ou ricas. "Necessário vos é nascer de novo". Receber Jesus como salvador é o equivalente ao nascimento Espiritual. "Mas a todos os que o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus" (Jo 1:12,13).
Fonte: Todas as Parábolas da Bíblia de Herbert Lockyer, São Paulo, Editora Vida, 2006.