João 9:1-41 — Interpretação
Interpretação de João 9:1-41
por F. Davidson
A narrativa no capítulo 9 segue o discurso do capítulo 8 e descreve uma cura, que caracteriza a nova era messiânica. Jesus vê um homem cego de nascença (1), e os discípulos lhe perguntam: Mestre, quem pecou, este ou seus pais...? (2). Alguns judeus acreditavam que em tais casos a culpa podia ser atribuída a um pecado cometido ou no ventre da mãe, ou nalguma pré-existência.
Acreditavam também no sofrimento retribuído aos filhos por causa das ofensas dos pais. Jesus não trata deste aspecto do problema, mas aproveita a ocasião para manifestar a Sua glória (3). Parece que Ele não admite a necessidade duma conexão moral com a condição física. "O problema não é descobrir a origem do sofrimento, mas saber enfrentá-lo" (Expositor’s Greek Testament). O sofrimento se torna assim a oportunidade para ação divina. Jesus reconhece a urgência da situação. Convém que eu faça... (4, ARC) convêm que façamos... (4, ARA). A forma "façamos" pode referir-se ao Pai e ao Filho, ou a Jesus e seus discípulos. A relação de Jesus com o Pai se mantém num âmbito totalmente diferente do que existe entre Ele e os doze (cfr. Jo 5.17). O tempo está curto: enquanto Ele está no mundo (5), é a fonte de luz (cfr. Jo 8.12). Esta verdade se torna patente pela cura que se segue. Cuspiu na terra e, tendo feito ludo com a saliva, aplicou-o aos olhos do cego (6). O elemento de grande significado na cura é a unção dos olhos do cego com a saliva, à qual, juntamente com o lodo, se atribuía poder curativo.
Esta maneira de proceder tinha o objetivo de criar fé. Segue-se a ordem de ir ao tanque de Siloé para lavar os olhos (7). O tanque estava situado no Vale de Cedrom, ao suleste de Jerusalém. O nome do tanque significa "Enviado", um dos títulos de Jesus (cfr. Jo 13.16). No contexto da história, o nome pode ser interpretado como referência às águas vivas de Siloé (ver Is 8.6). Alguns pormenores da narrativa sugerem que aqui temos o testemunho pessoal do homem curado. Os vizinhos ficam tão admirados pela cura, que começam a duvidar da identidade do beneficiado (8-9).
Quando o homem dá prova da sua identidade, perguntam-lhe como recebera a vista (10). Ele descreve o método utilizado para efetuar a cura e atribui o sucesso ao homem chamado Jesus (11).
O uso de lodo para curar no sábado fornece o combustível para a controvérsia acerba que se segue (14). O incidente focaliza um dos pontos mais debatidos entre Jesus e as autoridades religiosas. Para estas, o ato de curar envolvia uma violação da lei (13), necessitando o comparecimento do homem perante o Conselho da Sinagoga local, denominado Bet-din. Alguns dos fariseus asseveram que tal prodígio não podia ter sido operado por alguém não vindo de Deus. Para resolver a discussão entre os vários grupos, chama-se o homem curado, a fim de que ele mesmo faça uma declaração sobre o seu caso. Ele acredita que
Jesus é profeta (17). Até este momento, os fariseus crêem na cura, porém agora procuram desfazer sua realidade e chamam os pais para depor. Estes afirmam ser o seu filho aquele que foi curado e testificam que nasceu cego (20). Quanto à cura, declinam de pronunciar-se por medo de serem excomungados pelos fariseus (22), deixando seu filho testemunhar (21,23). Os fariseus já se decidiram sobre a sorte de Jesus e fazem pressão para que o homem se declare errado. Dá glória a Deus (24), isto é, "fala a verdade". Cfr. Js 7.19. O homem insiste categoricamente na genuinidade da cura: uma cousa sei; eu era cego, e agora vejo (25). Prossegue-se o interrogatório, sem que apareça a menor incoerência no depoimento do homem. Este se aborrece de tanta inquirição e, perdendo a paciência, pergunta com sarcasmo se tanto interesse da parte deles significa o desejo de se tornarem discípulos de Jesus (27). Com isto, os fariseus o vilipendiam, acusando-o de ser discípulo de Jesus; quanto a si, são discípulos de Moisés (28). Põem em dúvida tanto a origem como a autoridade de Jesus (29). O homem se admira que os fariseus ignorem a origem daquele cujo poder produz tais prodígios. Ele, notando a óbvia confusão, pergunta-lhes, ousadamente, e em tom irônico, como alguém podia praticar tais milagres sem a ajuda de Deus. Deus atende aos que o adoram, e que fazem a Sua vontade (30,33). A frustrada raiva dos fariseus se expressa em insultos, pois não há resposta aos argumentos apresentados pelo cego de nascença (34).
Os fariseus expulsam o homem. A frase, um tanto vaga, não indica sua excomunhão. Jesus o encontra e pergunta-lhe: crês tu no Filho de Deus? (35, ARC). A ARA traduz "Filho do homem", em conformidade com os manuscritos mais antigos. O homem entende a significação do título, sem saber a que se refere (36). Agora Jesus proclama o seu Messiado (37), e o homem logo crê nEle, adorando-O (38). Esse ato de adoração inspira Jesus a comentar a aplicação espiritual do sinal; Eu vim a este mundo, para juízo (39). Apesar da missão de Jesus não ser, especificamente, de juízo (cfr. Jo 3.17-8.15), este é o resultado inevitável da sua vinda (cfr. Jo 5.22). O processo judicial já opera naqueles que não sentem necessidade de Cristo, de tal maneira que permanecem nas trevas de ignorância, enquanto os que aceitam a luz ficam cada vez mais esclarecidos. Alguns dos fariseus que assistiram ao incidente acham incrível que eles mesmos sejam considerados como cegos (40). Jesus replica seu argumento, dizendo que a cegueira de ignorância pode ser perdoada, mas não se perdoa a cega auto-satisfação, a qual os impossibilita de perceber a verdade. Tanto maiores seus privilégios, quanto maior sua condenação.