Teologia Joaniana

Percorrendo todo o quarto evangelho, muitos importantes temas teológicos aparecem e reaparecem, em diferentes combinações, algumas vezes figurando novamente em I III João e no Apocalipse. João expõe esses temas mediante uma habilidosa alternância de narrativas e discursos, de tal maneira que as palavras de Jesus ressaltam o sentido mais interior de Suas obras. Grande proporção das ações constantes nesse evangelho, pois, se reveste de papel simbólico. Por exemplo, a lavagem dos pés dos discípulos, por parte de Jesus, representa o efeito purificador de Sua obra remidora. Também se nota um freqüente toque irônico, como aquele que atinge a pergunta feita por Jesus: ."Tenho vos mostrado muitas obras boas da parte do Pai; por qual delas me apedrejais?" (10:32). E tal como os atos de Jesus envolvem um significado simbólico, assim também as Suas palavras com freqüência encerram um segundo e mesmo um terceiro significados. "Nascer de novo" também significa "nascer do alto" (3:3 ss.), e a referência ao fato que Jesus seria "levantado" salienta não só o método de Sua execução, mas também a Sua ressurreição e exaltação de volta aos céus (12:20 36, especialmente 32).

A Palavra. A Verdade

Os temas teológicos joaninos começam sob a categoria de revelação. Jesus é a Palavra (ou Logos) revelatória de Deus. Nesse papel, ele revela a verdade, a qual é mais que mera veracidade.

Testemunho. Luz. Trevas

Trata se da realidade última da própria pessoa e do caráter de Deus, conforme testemunhado por Jesus, pelo próprio Pai, pelo Espírito Santo, pelas Escrituras e por outros. Ele é a luz que desse modo ilumina àqueles que crêem e que dissipa as trevas do mal.

Julgamento

A dissipação das trevas é o Julgamento do mundo. Não que Jesus tivesse vindo a fim de condenar ao mundo, mas é que Ele veio para discriminar entre aqueles que pertencem à luz e aqueles que pertencem às trevas e estes últimos já estão condenados por si mesmos, devido à sua incredulidade.

O mundo

O mundo, a sociedade humana controlada por Satanás, faz oposição à luz, e por isso torna-se objeto da ira divina. Isso torna tanto mais admirável o fato que Deus "amou o mundo" (3:16).

Amor

O amor de Deus veio por meio de Jesus Cristo e continua a manifestar se através do amor que os discípulos de Jesus têm uns pelos outros. A fim de exibir o amor divino, Jesus desceu da parte do Pai e procurou chegar à Sua "hora", o tempo de Seu sofrimento e morte, em favor do mundo.

Glória

Com o intuito de revelara glória do Pai desse modo, o Pai, por Sua vez, glorificou ao Filho mediante a exaltação celestial.

Eleição. Crença. Regeneração. Conhecimento

Por meio de eleição e da fé (João permite que permaneça de pé a antinomia entre a escolha divina e a resposta favorável humana), alguns homens experimentam a regeneração do Espiríto Santo, pelo que chegam ao conhecimento salvador de Deus por intermédio de Cristo.

Universalidade. Vida Eterna. Permanência. Paracleto

Porém, apesar do fato que a eleição e a fé real caracterizem apenas a alguns indivíduos, o convite é caracterizado pela universalidade. Aqueles que aceitam tal convite recebem a vida eterna (não apenas quantitativamente permanente, mas também qualitativamente divina), um lugar permanente em Cristo, e o Paracleto, ou Espírito Santo, em Seu papel variado de Consolador, Conselheiro e Advogado. Tudo isso, entretanto, é perfurar apenas a casca superficial da teologia joanina; cada um desses temas conta com nuanças que não são mencionadas nestas linhas.

Crendo em Jesus

Acima de qualquer consideração, entretanto, João é o evangelho da fé. De fato, o verbo crer é a palavra chave do presente evangelho:
Na verdade fez Jesus diante dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes, porém, foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome. (20:30,31)
Cristológica em seu conteúdo, essa fé salienta supremamente a divindade de Jesus, como o Filho de Deus único e preexistente, o qual, em obediência a Seu Pai, tornou se um real ser humano a fim de morrer sacrificialmente, com vistas à redenção da humanidade. Tal ênfase labora contra a negação de Sua humanidade e de Sua morte, conforme faziam os gnósticos, primitivos hereges cristãos que pensavam que tudo quanto fosse material ou físico teria de ser inerentemente mal. Assim sendo, não somente a deidade de Jesus é encarecida (a começar pela declaração "o Verbo era Deus" 1:1, e muitas vezes destacada por todo este evangelho); mas também é posta em realce a Sua humanidade: "E o Verbo se fez carne" (1:14) Jesus cansou se e sentiu sede (4:6,7 e 19:28), chorou (11:35) e morreu fisicamente e voltou à vida (19:30 42; 20:12,17,20,27,28). (Notemos o quádruplo retrato que os evangelhos nos oferecem de Jesus: o real Messias judeu, em Mateus; o divino Servo trabalhador, em Marcos; o simpatizante Salvador, em Lucas; o Filho encarnado de Deus, em João.) O próprio Jesus exigiu essa fé cristológica ao apresentar uma série de reivindicações pessoais, utilizando se da expressão "Eu sou", no quarto evangelho:

"Eu sou o pão da vida" (6:35,48; comparar com os versículos 41 e 51).
"Eu sou a luz do mundo" (8:12).
"Eu sou a porta" (10:7,9).
"Eu sou o bom pastor" (10:1 1,14).
"Eu sou a ressurreição e a vida" (11:25).
"Eu sou o caminho, e a verdade e a vida" (14:6).
"Eu sou a videira verdadeira" (15:1,5).



Fonte: Panorama do Novo Testamento de Robert H. Gundry. São Paulo. Vida Nova. 1998.