João e os Evangelhos Sinóticos

João e os Evangelhos Sinóticos
João e os Evangelhos Sinóticos

a) Vocabulário e Estilo

Várias características importantes demarcam João dos outros três Evangelhos canônicos. João não tem vocabulário ou estilo semelhante aos Evangelhos Sinóticos. Palavras como “permanecer”, “luz”, “trevas”, “verdade” e “testemunha” desempenham papel importante neste Evangelho. A expressão “Reino de Deus” só ocorre duas vezes em João mas com frequência nos outros. O estilo de escrita de João é fluente e simples. As vezes um estilo semítico acha-se por atrás do grego, o que propõe um pouco de aspereza. Em outros lugares, costuras literárias proveem transições ásperas de uma seção para outra.

b) Conteúdo

O Evangelho de João não contém parábolas semelhantes às dos Evangelhos Sinóticos. Com efeito, o termo “parábola” nem aparece. Ao invés disso, o autor usou a palavra paroimia que tem uma variedade de significados (inclusive “parábola”). João substituiu as parábolas por alegorias sobre o bom pastor e a videira verdadeira. Sua essência é semelhante à das parábolas; somente a forma e o nome variam. João também tem blocos de ensino mais longos em contraste com os blocos episódicos menores nos Evangelhos Sinóticos. E m João , o ministério d e jesus abrange até três anos, ao passo que os outros implicam que só durou aproximadamente um ano.

Vários aspectos dos ensinos acerca de Jesus também são únicos em João — as declarações “Eu Sou” e Jesus como o Cordeiro de Deus. Só alguns dos milagres dos Sinóticos e outros blocos de ensinos sucedem e m jo ã o (ainda que ocorram temas sobre eles). O Evangelho de João não fala de possessão de demônios ou de libertação. A Ceia do Senhor não aparece em João do mesmo modo que nos Sinóticos. O tempo de sua ocorrência é diferente e seu nome foi mudado (os Evangelhos Sinóticos o chamam “Páscoa”, enquanto que João o chama “ceia”). Nos Sinóticos, o ministério de Jesus acontece principalmente na Galileia, ao passo que em João Jesus está mais em Jerusalém e arredores.

c) Texto, Narrativa e Ordem dos Eventos do Evangelho

Uma combinação de elementos complica uma leitura fácil de João. Um elemento, por exemplo, é a ordem dos eventos em joão quando comparado com os outros três Evangelhos. Outro elemento tem a ver com variantes textuais em João. Ainda outro elemento diz respeito à transição geográfica irregular no ministério d e Jesus no Evangelho de João.

Um evento, a purificação do templo, é digno de ser mencionando. É colocado no fim dos Evangelhos Sinóticos, mas em João, no começo (Jo 2). Um modo de solucionar a questão é advogar que houve duas purificações. No entanto, isto é menos que satisfatório. Uma explicação melhor é que o escritor colocou a purificação no início do ministério de Jesus para dar ao leitor uma predisposição ao que Jesus estava prestes a fazer e a quem Ele era (veja comentários sobre Jo 2). Este episódio moldou certas impressões no leitor, da mesma maneira que o Sermão da Montanha de Mateus e o Sermão da Planície de Lucas o fizeram. Este processo em João pressagia e antecipa o resultado da obra de Jesus.

A mais famosa das porções disputadas é a mulher pega em adultério, episódio narrado em João 7.53 a 8.11. Faz tanto tempo que as Bíblias incluíram esta história que problemas surgem se tradutores e comentaristas a omitem. É mais que provável que a história provenha do século I, mas foi alojada mais tarde em João. Outro problema textual envolve as águas agitadas pelo anjo, caso registrado em João 5.3b,4, o qual muitas traduções omitem (cf. NVI).

O movimento de Jesus em João parece incluir grandes saltos ou conter buracos de informação em certos lugares. Por exemplo, em joão 6.1 Jesus atravessou o mar da Galileia em direção a Tiberíades, enquanto que seu ministério em João 5 ocorreu em jerusalém . Alguns estudiosos acreditam que João 21 não fazia parte do Evangelho original. Estudiosos críticos de João procuram explicar estas questões com várias teorias de deslocamentos ou novos arranjos do texto do Evangelho.

Hoje é comum focalizar outros métodos interpretativos que não ignorem estas dificuldades, mas que considerem João como uma narrativa completa. Os intérpretes têm passado de tentar reconstruir ou recuperar o mundo provável por trás da narrativa e do texto de João para o mundo localizado na narrativa do Evangelho e à pessoa que o lê. Eles fazem distinção entre o mundo concreto do qual João veio, incluindo o de Jesus, e o mundo que o escritor “cria” em sua narrativa.

O autor criou um mundo omitindo eventos e incluindo outros; neste caso, os eventos de João são únicos, visto que poucos são encontrados nos outros Evangelhos. Ele também reorganizou a seqüência dos eventos. Esta atividade é muito parecida com a do pregador que constrói um sermão hoje em dia. O escritor, tendo em mente a audiência e suas necessidades, concentrou-se em material que falasse às necessidades e problemas dos ouvintes.

O mundo de João é o mundo da confrontação e debate. No seu Evangelho, ele oferece soluções que produzam uma nova maneira de viver. Ele encoraja os leitores a adotar um novo estilo de vida, digno do Evangelho de Jesus. O método de interpretação que se concentra no próprio texto e no leitor gera menos problemas que outros métodos de interpretação. É importante ler o Evangelho de João como hoje o temos, a despeito dos problemas. Os problemas que encontramos no texto ajudarão a solucionar os problemas do mundo de hoje.

d) Relação Literária

Qual é a relação literária de João com os outros três Evangelhos? Há poucas ligações entre eles. Não há que duvidar que João tinha conhecimento dos outros Evangelhos. Certamente, como testemunha ocular de Jesus e como confidente íntimo, ele estava familiarizado com seus ensinos e declarações. Uma solução verossímil sugere que o material de João veio de um antigo banco comum de tradições orais, do qual ele também fazia parte — ou seja, os ensinos de Jesus, agora filtrados pela vida e experiência de João no Espírito e direcionados às necessidades do ministério.