Introdução ao Evangelho de João
INTRODUÇÃO
Caráter do Livro. Simples na linguagem e estrutura, este livro é, não obstante, uma exposição profunda da pessoa de Cristo colocada em cenário histórico. Tem uma mensagem para o discípulo humilde do Senhor e também para o mais adiantado teólogo.
Certas semelhanças existentes entre ele e os Evangelhos Sinóticos são facilmente percebidas. Apresenta a mesma pessoa como figura central. Encontramo-lo como o Filho de Deus, o Filho do homem, o Messias, o Senhor do Salvador, e outros títulos. Há alguns anos atrás era moda, em alguns círculos, dizer-se que o Jesus de João era o resultado de um processo teológico dentro da igreja primitiva, por meio do qual o homem de Nazaré fora elevado à posição de divindade. Esse ponto de vista já não é mais sustentável, pois estudos posteriores estabeleceram a convicção de que a Cristologia dos Sinóticos e a Cristologia de João são fundamentalmente a mesma. Um Jesus meramente humano é completamente estranho tanto aos Sinóticos quanto a João.
Conforme o padrão histórico se desdobra no Quarto Evangelho, mostra-se parecido, no esboço geral do curso dos acontecimentos, com o quadro dos Sinóticos o ministério preparatório de João Batista, a vocação de certos discípulos para aprender e servir, o ministério duplo da palavra e dos feitos (milagres), a mesma tensão entre o entusiasmo popular pelo Senhor e a oposição do judaísmo oficial, a importância crítica da pessoa e autoridade de Jesus. Do mesmo modo, no que se refere aos acontecimentos finais da vida de Cristo na terra, encontramos o mesmo quadro da traição, prisão e julgamento, morte pela crucificação, e a ressurreição.
Sem dúvida, também encontramos uma considerável diferença dos Sinóticos. Enquanto os Sinóticos mencionam apenas uma Páscoa, parecendo portanto limitar o ministério de Cristo a um ano somente, João menciona pelo menos três Páscoas (2:23; 6:4; 13:1), sugerindo que o ministério estendeu-se por três anos. Nos Sinóticos o ministério limita-se quase que exclusivamente à Galileia, enquanto João enfatiza a atividade de Jesus na Judeia e pouco diz sobre a campanha na Galileia.
Nos Sinóticos os ensinamentos públicos de nosso Senhor tratam do "reino de Deus". Essa expressão está quase ausente no Quarto Evangelho, onde os discursos centralizam-se grandemente no próprio Jesus, seu relacionamento com o Pai, e a sua indispensabilidade às necessidades espirituais do homem (cons. os Eu sou). Alguns detalhes históricos criam problemas. Um exemplo é a purificação do Templo, colocada por João logo no começo do ministério (capítulo 2), mas no final do ministério pelos escritores dos Sinóticos. A explicação mais simples aqui é provavelmente a melhor – houve duas purificações.
Outro exemplo relaciona-se com a vocação dos discípulos, a qual de acordo com os Sinóticos aconteceu na Galiléia. João narra a chamada de diversos homens em cenário da Judéia, bem no encetamento do ministério (capítulo 1). O problema diminui quando se imagina que a própria prontidão dos pescadores galileus em abandonar suas redes para seguirem a Jesus é mais fácil de se explicar com base em conhecimento anterior e um discipulado experimental, tal como o Quarto Evangelho revela. É um tanto perturbador encontrar Jesus já considerado o Messias, neste Evangelho, logo no começo de sua obra (João 1), quando a aceitação do Messiado parece vir bem mais tarde nos outros Evangelhos.
Os dois quadros não são, entretanto, incompatíveis, pois o pronunciamento de Pedro em Cesaréia de Filipe (Mt. 16:16) não precisa ser aceito como uma convicção à qual ele houvesse chegado pela primeira vez (cons. Mt. 14:33). Uma verdade já conhecida antes foi então aprofundada através de uma experiência pessoal com o Filho de Deus.
O Autor. Embora o livro não cite o nome do autor, foi chamado de "discípulo a quem Jesus amava" (21:20, 23, 24) e íntimo companheiro de Pedro. O testemunho da igreja primitiva inclina-se a confirmar que é João, filho de Zebedeu (cons. 21:2). Irineu é a testemunha principal. Alguns mestres têm discutido a possibilidade de uma pessoa sem preparo e experiência (Atos 4:13) escrever tal obra. O tempo, a motivação e a capacitação do Espírito não devem ser subestimados na avaliação da capacidade de João e na anulação das desvantagens.
Muitos mestres modernos preferem defender a idéia de que um discípulo desconhecido foi o verdadeiro autor deste Evangelho, ainda que grande parte do material possa muito bem ter encontrado em João a sua fonte. Mas isto é uma troca inútil do conhecido pelo desconhecido.
A Data e o Lugar da Composição. De acordo com a tradição cristã, João gastou os últimos anos de sua vida em Éfeso, onde desempenhou um ministério de pregação e ensino, como também escrevendo. Desse lugar partiu para o exílio em Patmos, durante o governo do Imperador Domiciano. Seu Evangelho parece pressupor um conhecimento da tradição sinótica e por isso deve ser colocado no fim da série, possivelmente entre os anos 80 e 90 mais ou menos. Alguns o colocam ainda mais tarde. O descobrimento de fragmentos do Evangelho no Egito, datados da primeira metade do segundo século, exige que se coloque o Evangelho dentro dos limites do primeiro século.
Propósito. João 20:30, 31 declara construtivamente que foi escrito com a esperança de se criar nos leitores a convicção de que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, para que a vida viesse através da fé nEle. A escolha do material foi calculada exatamente para ajudar a chegar a esta conclusão. Objetivos subordinados podem ser aceitos, tais como a refutação do Docetismo, um ponto de vista que negava a verdadeira humanidade de Jesus (cons. 1:14), e a denúncia do judaísmo como sistema inadequado de religião que coroava seus outros pecados com a recusa em aceitar o Messias prometido (1:11, e outros).
ESBOÇO
I. Prólogo. 1:1-18.
II. O Ministério de Cristo no Mundo. 1:19 – 12:50.
A. O testemunho de João Batista. 1:19-36.
B. A escolha dos discípulos. 1:37-51.
C. O casamento em Caná. 2:1-11.
D. A primeira visita a Jerusalém e Judéia. 2:12 – 3:36.
1. A purificação do Templo. 2:12-22.
2. Os sinais. 2:23-25.
3. O incidente com Nicodemos. 3:1-15.
4. Os temas latentes na mensagem do Evangelho. 3:16-21.
5. Outro testemunho de João Batista. 3:22-30.
6. As credenciais de Cristo. 3:31.36.
E. Missão a Samaria. 4:1-42.
F. A cura do filho do nobre. 4:43-54.
G. A cura do coxo em Jerusalém. 5:1-16.
H. Auto-defesa de Jesus. 5:17-47.
I. Alimentando os cinco mil e o discurso sobre o Pão da Vida.
6: 1-71.
J. Jesus na Festa dos Tabernáculos. 7:1-53.
K. A mulher apanhada em adultério. 8:1-11.
L. Auto-revelação de Jesus. 8:12-59.
M. A restauração do cego de nascença. 9:1- 41.
N. Cristo, o Bom Pastor. 10:1-42.
O. A Ressurreição de Lázaro. 11:1-57.
P. Jesus em Betânia e Jerusalém. 12:1-50.
III. O ministério de Cristo aos seus. 13:1 – 17:26.
A. O lava-pés. 13:1-17.
B. A participação da traição. 13:18-30.
C. O discurso do cenáculo. 13:31 – 16:33.
D. A grande oração. 17:1-26.
IV. Os sofrimentos e a glória. 18:1 – 20:31.
A. A traição, 18:1-14.
B. Jesus julgado diante dos judeus. 18:15-27.
C. A penosa experiência diante de Pilatos. 18:28 – 19:16.
D. A crucificação e o sepultamento. 19:17- 42.
E. Aparecimentos depois da ressurreição. 20:1-29.
F. O propósito deste Evangelho. 20:30, 31.
V. Epílogo. 21:1-25.
Fonte: Comentário Bíblico Moody, vol. II de Charles F. Pfeiffer, Everett F. Harrison. Editora Batista Regular. São Paulo. 2010.