Fontes para o Texto do Evangelho de João
Em virtude de ter sido demonstrado que os Evangelhos Sinópticos tiveram acesso, seja a fontes orais ou escritas, em sua composição, foi suposto que isto também é verdadeiro relativamente ao quarto Evangelho. Um dos principais problemas dos estudiosos modernos do Novo Testamento é o isolamento dessas formas em João e a determinação da origem delas. Tem sido um axioma da escola crítica o fato de, porque João foi o último dos evangelistas, ele deve ter tido conhecimento acerca dos Sinópticos. Existem outros problemas críticos também no que se refere às fontes. Foi determinado que acima de noventa por-cento do material do quarto Evangelho não se encontra nos outros três. Também João 21:24 é claramente o trabalho de alguma outra pessoa que não o autor, e isto leva à suposição de que o capítulo 21 inteiro forma um apêndice ao corpo, que parece terminar em João 20:31. Se, então, o capítulo 21 é mão de um redator, talvez este tenha sido responsável por outras partes deste Evangelho também. Todos estes são problemas que intrigam e que podem ser classificados como interessantes para os estudiosos.
Relação com os Evangelhos Sinópticos — Clemente de Alexandria (citado em Eusébio, H. E., VI, 14, 7) preservou a tradição de que João, ao ver que alguns dos fatos históricos do ministério de Jesus haviam sido reduzidos à forma escrita (presumidamente os Sinópticos), sendo induzido pelo Espírito e impelido por seus colegas, escreveu outro Evangelho, que era mais espiritual em seu teor. Esta idéia de que João escreveu para suplementar ou interpretar as narrativas existentes do ministério de Jesus tem sido aceita até o momento presente, embora alguns críticos tenham expressado suas dúvidas. Hoje a escola moderna está quase que igualmente dividida, quanto ao fato de João ter sabido acerca de nossos Evangelhos Sinópticos; mas parece haver um movimento definido indicando que João preserva uma tradição completamente independente. É mantida, por alguns, uma posição mediadora, de que João não conheceu os Evangelhos escritos, mas conheceu a tradição que estava por trás deles.
O último comentário importante que insiste sobre uma relação direta entre João e os Sinópticos (especialmente com Marcos) é o de C. K. Barrett (The Gospel According to St. John — O Evangelho Segundo São João, 1955). Desde essa época, outros escritores não são tão dogmáticos quanto à dependência de João. Barrett apresenta, como razoes para sua dependência, a descoberta de certas semelhanças verbais e várias passagens em Marcos e João que seguem na mesma ordem. Ele ficou impressionado com as semelhanças. Apresenta doze versículos contidos em João, com os quais há concordância verbal em Marcos (João 4:44 — Mar. 6:4; João 5:8 — Mar. 2:11; João 6:7 — Mar. 6:37; João 6:20 — Mar. 6:50; João 8:52 — Mar. 9:1; João 12:3 — Mar. 14:3; João 12:5 — Mar. 14:5; João 12:7,8 — Mar. 14:7,8; João 12:13 — Mar. 11:9; João 19:1-3 — Mar. 15:16,19; João 19:17 — Mar. 15:22; João 19:29 — Mar. 15:36). Algumas das comparações são encontradas numa única palavra ou locução. Deve ser observado também que algumas destas passagens não são da mesma ordem. Em comparação com o número de palavras encontradas em qualquer dos Evangelhos, essa evidência não é muito convincente. É mais provável que quaisquer semelhanças surjam de uma tradição oral comum do que de qualquer relação direta.
As passagens que seguem na mesma ordem relativa, na estrutura, dificilmente são mais convincentes que as semelhanças verbais. Estas passagens comuns quanto à ordem são as seguintes: a obra do Batista; a partida inicial para a Galiléia; a alimentação da multidão; a caminhada sobre o Mar da Galiléia; a confissão de Pedro; a partida para Jerusalém; a entrada em Jerusalém e a unção; a Última Ceia; a prisão, paixão e ressurreição. Observa-se que esta lista não é tão conclusiva quanto se supõe. Alguns dos itens necessariamente têm de seguir na seqüência dada nos Evangelhos. O ministério do Batista deve vir primeiro, por causa do batismo de Jesus e da sua ligação com o precursor. É simplesmente lógico que a partida para a Galiléia pudesse seguir o acontecimento inicial do ministério de Jesus. Como a alimentação da multidão ocorreu na Galiléia, esta seria a seqüência própria. A subida a Jerusalém era necessária para que a prisão, paixão e ressurreição ocorressem lá. Não pode haver outra seqüência que não estes eventos. A caminhada sobre as águas, contudo, é o único evento desta lista que realmente é relevante ao argumento. Mas é a única peça distinta de evidência que poderia apoiar a dependência. A confissão de Pedro conforme apresentada nos dois Evangelhos não é tão concreta como se esperaria, uma vez que há enorme dúvida de que os dois evangelistas estejam falando acerca do mesmo evento. Os locais e a linguagem são diferentes em cada uma das situações contrastantes. Pode-se ver que a ordem da entrada em Jerusalém e da unção foi invertida, em João, quando comparada a Marcos. Visto a esta luz, o argumento em favor da dependência não é nem impressivo nem convincente. Este tipo de raciocínio não é suficientemente conclusivo para um problema importante como este.
Foi o livro de Percy Gardner-Smith (Saint John and the Synoptic Gospels — São João e os Evangelhos Sinópticos, 1938) que realmente iniciou o movimento de afastamento da dependência, da parte de João, dos Sinópticos. Ele concluiu que a dependência não pôde ser substanciada, e existe agora uma crescente convicção, nos tempos recentes, de que ele está correto em sua análise. Anteriormente, H. Scott Holland (The Fourth Gospel — O Quarto Evangelho, 1923), construindo sobre o conceito reconhecido de que João contém uma estrutura de história que falta nos Sinópticos, demonstrou que estes pressupõem o ministério da Judéia encontrado em João (e ausente nos Sinópticos) e que eles são realmente não-inteligíveis sem a narrativa joanina. A oposição a Jesus em Jerusalém (bem como sua rápida retirada, anterior, para a Galiléia) só pode ser explicada por um ministério em Jerusalém e em torno dela, o que está faltando nos Sinópticos. Esse ministério é apresentado por João.
Outro livro que merece mais atenção apareceu em 1940, escrito por H. E. Dana (The Ephesian Traditíon — A Tradição de Éfeso). Este foi escrito como um exercício em forma de crítica, aplicado ao quarto Evangelho. Ao comparar os quatro Evangelhos, Dana constatou que parece ter havido duas tradições orais paralelas, que se originaram na Palestina. Uma veio da região da Galiléia e a outra da Judéia. Dana procurou mostrar que Marcos e Mateus preservam a tradição galiléia, Lucas tem uma mistura de ambas as tradições, da Galiléia e da Judéia, e João é basicamente da Judéia (conforme influenciado pelo ambiente em torno de Éfeso). A história inteira da formação dos Evangelhos pode ser diagramada como segue:
Conforme se pode ver no desenho, o lambda (Λ) seria o corpo de material comum a Mateus e a Lucas, e atualmente conhecido pelos estudiosos como "Q". O "M" seria o material encontrado somente em Mateus. Estas duas fontes refletem a tradição da Galiléia, como passou através de Antioquia da Síria. Marcos seria a tradição da Galiléia influenciada pelo ambiente romano. Esta tradição da Galiléia, conforme influenciada pela comunidade romana, foi, então, passada para frente, para Mateus e Lucas. O "L" forma o material de Lucas a partir da tradição da Judéia, que é, basicamente, a narrativa da viagem (9:51-19:27) e talvez a narrativa do nascimento de Jesus (Luc. 1-2). O pi (TT) é a narrativa da paixão, que é distinta da dos outros dois Sinópticos. Tanto a fonte "L" como a "M" têm material em comum ao encontrado em João e não encontrado nem em Marcos nem em Mateus. Dana admite a possibilidade de João ter conhecido os Sinópticos (mas não a aceita), o que as linhas pontilhadas sugerem. O que é de importância é a distinção do Evangelho de João em preservar uma tradição que está historicamente centralizada em e ao redor de Jerusalém. Esta tradição, conforme preservada também em Lucas, ajudaria a explicar as diferenças encontradas nas narrativas da paixão dentro dos Sinópticos. Os estudiosos há muito reconheceram que Lucas não foi como Mateus e Marcos, quanto às aparições da ressurreição. Neste sentido, Lucas e João são parecidos em colocarem estas em Jerusalém e ao redor dela, enquanto Mateus e Marcos as colocam na Galiléia. A influência de Paulo sobre a tradição de Éfeso ajudaria a explicar alguns paralelos entre a teologia joanina e paulina.
Outras Fontes — Assim como a crítica da forma tentou isolar blocos de tradição oral (denominadas pericopae; sing. perícope) nos Sinópticos, da mesma forma houve tentativas de se fazer isto no quarto Evangelho. Alguns estudiosos insistiram que muitas seções de João estão fora de ordem, no tocante ao ministério de Jesus, e houve tentativas de se corrigir esses deslocamentos. A história de Jesus e a mulher adúltera (João 7:53-8:11) é largamente reconhecida como um excelente exemplo de uma perícope flutuante. Certamente não é uma parte original do texto joanino (está ausente na maioria dos manuscritos gregos antigos), mas serve como uma ilustração de segmento de tradição, formado distinta e caracteristicamente, que, de alguma maneira, foi preservado e encontrou seu caminho posteriormente no texto. Outras três seções, cuja formação pericopada é estabelecida devido ao fato de serem encontradas em todos os quatro Evangelhos, são: a purificação do templo (2:13-22), a alimentação da multidão (6:1-15) e a entrada em Jerusalém (12:12-19). Há várias diferenças nestes paralelos, mas substancialmente, como forma, são iguais. Cada um é uma perícope distinta, de tradição, que pode ser contada inteligentemente, independente de seu contexto.
Estas seções de João não diferem, de nenhuma maneira, na forma, de outras partes do quarto Evangelho. Existe evidente formação pericopada, por exemplo, em seções como as bodas em Caná (2:1-11), a cura do homem paralítico (5:1-15) e a pergunta dos gregos (12:20-36). Nenhuma destas é encontrada nos Sinópticos; portanto, devem ser provenientes de uma corrente de tradição distinta da tradição sinóptica. Dana sugeriu que, em João 1:19-4:54, há dez perícopes a serem encontradas; cinco perícopes narrativas em 5:1-10:39; quatro perícopes distintas em 10:40-13:30, moldadas em uma história contínua; o material de discurso derivado de perícopes acerca da Última Ceia, em 13:31-17:26; e a seção inteira acerca da paixão e ressurreição são formas pericopadas (18:1-20: 29). O último capítulo é uma perícope acrescentada como um epílogo, com alguns elementos de redação (21:24).
Seja qual for a conclusão quanto à formação das perícopes, deve ser observado que os manuscritos mais antigos preservam a mesma ordem encontrada nos manuscritos posteriores (a única exceção é o caso da mulher adúltera, em João 7:53-8:11). Também se observa que é mais fácil localizar-se o material sinóptico dentro da moldura cronológica do quarto Evangelho do que ao contrário. O único problema real parece ser a perícope acerca da purificação do templo. João coloca esta no início do ministério de Jesus e os Sinópticos a colocam no final. Esta localização anterior, em João, ajudaria na explicação da oposição a Jesus logo no início, oposição esta que aparece tanto nos Sinópticos quanto em João. Isto não quer dizer que ela (a purificação) não poderia ter ocorrido mais de uma vez. Isto poderia ter acontecido com uma diferença de tempo de pelo menos dois anos entre cada ocasião.
Outra maneira de tratar o problema das fontes é ver no "Livro dos Sinais" (2:1-12:50) um forte elemento judaico. Isto tem sido freqüentemente referido como a Tradição Palestínica em contraste com a Tradição Sinóptica). Esta divisão seria de grande interesse para o leitor judeu. O discurso no cenáculo (13:1-17:26) mostra muito pouco interesse nos judeus como tais. Estes capítulos apresentam um discurso, que é mais pessoal do que institucional, e o elemento místico apelaria a leitor não-judeu. A narrativa da paixão, naturalmente, forma o verdadeiro coração da pregação cristã. Foi sugerido que este material foi compilado antes de 70 d.C, para formar os elementos básicos de um evangelho primitivo, ao qual o redator final se refere como aquelas coisas escritas pelo "discípulo a quem Jesus amava". O redator então acrescentou três fontes menores: o prólogo (1:1-18), material acerca do Batista (1:19-51), e o apêndice (21:1-25).
A crítica literária chegou à conclusão que, enquanto se torna duvidosa a identificação clara das fontes, produz-se alguma evidência -de que o autor realmente usou fontes. Parece que se o autor realmente se valeu de fontes, ele próprio as escreveu. O evangelista extraiu de fontes orais independentes e originais que não estão, na maior parte, ligadas às fontes dos Sinópticos. Há grande evidência em favor do ambiente palestino para esta tradição, e, mais uma vez, podemos voltar à crença de que João, o filho de Zebedeu, um dos doze, está por trás do Evangelho escrito.
Fonte: Introdução ao Estudo do Novo Testamento. Tradução de Cláudio Vital de Souza. Broadus David Hale, Rio de Janeiro, Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1983.
Relação com os Evangelhos Sinópticos — Clemente de Alexandria (citado em Eusébio, H. E., VI, 14, 7) preservou a tradição de que João, ao ver que alguns dos fatos históricos do ministério de Jesus haviam sido reduzidos à forma escrita (presumidamente os Sinópticos), sendo induzido pelo Espírito e impelido por seus colegas, escreveu outro Evangelho, que era mais espiritual em seu teor. Esta idéia de que João escreveu para suplementar ou interpretar as narrativas existentes do ministério de Jesus tem sido aceita até o momento presente, embora alguns críticos tenham expressado suas dúvidas. Hoje a escola moderna está quase que igualmente dividida, quanto ao fato de João ter sabido acerca de nossos Evangelhos Sinópticos; mas parece haver um movimento definido indicando que João preserva uma tradição completamente independente. É mantida, por alguns, uma posição mediadora, de que João não conheceu os Evangelhos escritos, mas conheceu a tradição que estava por trás deles.
O último comentário importante que insiste sobre uma relação direta entre João e os Sinópticos (especialmente com Marcos) é o de C. K. Barrett (The Gospel According to St. John — O Evangelho Segundo São João, 1955). Desde essa época, outros escritores não são tão dogmáticos quanto à dependência de João. Barrett apresenta, como razoes para sua dependência, a descoberta de certas semelhanças verbais e várias passagens em Marcos e João que seguem na mesma ordem. Ele ficou impressionado com as semelhanças. Apresenta doze versículos contidos em João, com os quais há concordância verbal em Marcos (João 4:44 — Mar. 6:4; João 5:8 — Mar. 2:11; João 6:7 — Mar. 6:37; João 6:20 — Mar. 6:50; João 8:52 — Mar. 9:1; João 12:3 — Mar. 14:3; João 12:5 — Mar. 14:5; João 12:7,8 — Mar. 14:7,8; João 12:13 — Mar. 11:9; João 19:1-3 — Mar. 15:16,19; João 19:17 — Mar. 15:22; João 19:29 — Mar. 15:36). Algumas das comparações são encontradas numa única palavra ou locução. Deve ser observado também que algumas destas passagens não são da mesma ordem. Em comparação com o número de palavras encontradas em qualquer dos Evangelhos, essa evidência não é muito convincente. É mais provável que quaisquer semelhanças surjam de uma tradição oral comum do que de qualquer relação direta.
As passagens que seguem na mesma ordem relativa, na estrutura, dificilmente são mais convincentes que as semelhanças verbais. Estas passagens comuns quanto à ordem são as seguintes: a obra do Batista; a partida inicial para a Galiléia; a alimentação da multidão; a caminhada sobre o Mar da Galiléia; a confissão de Pedro; a partida para Jerusalém; a entrada em Jerusalém e a unção; a Última Ceia; a prisão, paixão e ressurreição. Observa-se que esta lista não é tão conclusiva quanto se supõe. Alguns dos itens necessariamente têm de seguir na seqüência dada nos Evangelhos. O ministério do Batista deve vir primeiro, por causa do batismo de Jesus e da sua ligação com o precursor. É simplesmente lógico que a partida para a Galiléia pudesse seguir o acontecimento inicial do ministério de Jesus. Como a alimentação da multidão ocorreu na Galiléia, esta seria a seqüência própria. A subida a Jerusalém era necessária para que a prisão, paixão e ressurreição ocorressem lá. Não pode haver outra seqüência que não estes eventos. A caminhada sobre as águas, contudo, é o único evento desta lista que realmente é relevante ao argumento. Mas é a única peça distinta de evidência que poderia apoiar a dependência. A confissão de Pedro conforme apresentada nos dois Evangelhos não é tão concreta como se esperaria, uma vez que há enorme dúvida de que os dois evangelistas estejam falando acerca do mesmo evento. Os locais e a linguagem são diferentes em cada uma das situações contrastantes. Pode-se ver que a ordem da entrada em Jerusalém e da unção foi invertida, em João, quando comparada a Marcos. Visto a esta luz, o argumento em favor da dependência não é nem impressivo nem convincente. Este tipo de raciocínio não é suficientemente conclusivo para um problema importante como este.
Foi o livro de Percy Gardner-Smith (Saint John and the Synoptic Gospels — São João e os Evangelhos Sinópticos, 1938) que realmente iniciou o movimento de afastamento da dependência, da parte de João, dos Sinópticos. Ele concluiu que a dependência não pôde ser substanciada, e existe agora uma crescente convicção, nos tempos recentes, de que ele está correto em sua análise. Anteriormente, H. Scott Holland (The Fourth Gospel — O Quarto Evangelho, 1923), construindo sobre o conceito reconhecido de que João contém uma estrutura de história que falta nos Sinópticos, demonstrou que estes pressupõem o ministério da Judéia encontrado em João (e ausente nos Sinópticos) e que eles são realmente não-inteligíveis sem a narrativa joanina. A oposição a Jesus em Jerusalém (bem como sua rápida retirada, anterior, para a Galiléia) só pode ser explicada por um ministério em Jerusalém e em torno dela, o que está faltando nos Sinópticos. Esse ministério é apresentado por João.
Outro livro que merece mais atenção apareceu em 1940, escrito por H. E. Dana (The Ephesian Traditíon — A Tradição de Éfeso). Este foi escrito como um exercício em forma de crítica, aplicado ao quarto Evangelho. Ao comparar os quatro Evangelhos, Dana constatou que parece ter havido duas tradições orais paralelas, que se originaram na Palestina. Uma veio da região da Galiléia e a outra da Judéia. Dana procurou mostrar que Marcos e Mateus preservam a tradição galiléia, Lucas tem uma mistura de ambas as tradições, da Galiléia e da Judéia, e João é basicamente da Judéia (conforme influenciado pelo ambiente em torno de Éfeso). A história inteira da formação dos Evangelhos pode ser diagramada como segue:
Conforme se pode ver no desenho, o lambda (Λ) seria o corpo de material comum a Mateus e a Lucas, e atualmente conhecido pelos estudiosos como "Q". O "M" seria o material encontrado somente em Mateus. Estas duas fontes refletem a tradição da Galiléia, como passou através de Antioquia da Síria. Marcos seria a tradição da Galiléia influenciada pelo ambiente romano. Esta tradição da Galiléia, conforme influenciada pela comunidade romana, foi, então, passada para frente, para Mateus e Lucas. O "L" forma o material de Lucas a partir da tradição da Judéia, que é, basicamente, a narrativa da viagem (9:51-19:27) e talvez a narrativa do nascimento de Jesus (Luc. 1-2). O pi (TT) é a narrativa da paixão, que é distinta da dos outros dois Sinópticos. Tanto a fonte "L" como a "M" têm material em comum ao encontrado em João e não encontrado nem em Marcos nem em Mateus. Dana admite a possibilidade de João ter conhecido os Sinópticos (mas não a aceita), o que as linhas pontilhadas sugerem. O que é de importância é a distinção do Evangelho de João em preservar uma tradição que está historicamente centralizada em e ao redor de Jerusalém. Esta tradição, conforme preservada também em Lucas, ajudaria a explicar as diferenças encontradas nas narrativas da paixão dentro dos Sinópticos. Os estudiosos há muito reconheceram que Lucas não foi como Mateus e Marcos, quanto às aparições da ressurreição. Neste sentido, Lucas e João são parecidos em colocarem estas em Jerusalém e ao redor dela, enquanto Mateus e Marcos as colocam na Galiléia. A influência de Paulo sobre a tradição de Éfeso ajudaria a explicar alguns paralelos entre a teologia joanina e paulina.
Outras Fontes — Assim como a crítica da forma tentou isolar blocos de tradição oral (denominadas pericopae; sing. perícope) nos Sinópticos, da mesma forma houve tentativas de se fazer isto no quarto Evangelho. Alguns estudiosos insistiram que muitas seções de João estão fora de ordem, no tocante ao ministério de Jesus, e houve tentativas de se corrigir esses deslocamentos. A história de Jesus e a mulher adúltera (João 7:53-8:11) é largamente reconhecida como um excelente exemplo de uma perícope flutuante. Certamente não é uma parte original do texto joanino (está ausente na maioria dos manuscritos gregos antigos), mas serve como uma ilustração de segmento de tradição, formado distinta e caracteristicamente, que, de alguma maneira, foi preservado e encontrou seu caminho posteriormente no texto. Outras três seções, cuja formação pericopada é estabelecida devido ao fato de serem encontradas em todos os quatro Evangelhos, são: a purificação do templo (2:13-22), a alimentação da multidão (6:1-15) e a entrada em Jerusalém (12:12-19). Há várias diferenças nestes paralelos, mas substancialmente, como forma, são iguais. Cada um é uma perícope distinta, de tradição, que pode ser contada inteligentemente, independente de seu contexto.
Estas seções de João não diferem, de nenhuma maneira, na forma, de outras partes do quarto Evangelho. Existe evidente formação pericopada, por exemplo, em seções como as bodas em Caná (2:1-11), a cura do homem paralítico (5:1-15) e a pergunta dos gregos (12:20-36). Nenhuma destas é encontrada nos Sinópticos; portanto, devem ser provenientes de uma corrente de tradição distinta da tradição sinóptica. Dana sugeriu que, em João 1:19-4:54, há dez perícopes a serem encontradas; cinco perícopes narrativas em 5:1-10:39; quatro perícopes distintas em 10:40-13:30, moldadas em uma história contínua; o material de discurso derivado de perícopes acerca da Última Ceia, em 13:31-17:26; e a seção inteira acerca da paixão e ressurreição são formas pericopadas (18:1-20: 29). O último capítulo é uma perícope acrescentada como um epílogo, com alguns elementos de redação (21:24).
Seja qual for a conclusão quanto à formação das perícopes, deve ser observado que os manuscritos mais antigos preservam a mesma ordem encontrada nos manuscritos posteriores (a única exceção é o caso da mulher adúltera, em João 7:53-8:11). Também se observa que é mais fácil localizar-se o material sinóptico dentro da moldura cronológica do quarto Evangelho do que ao contrário. O único problema real parece ser a perícope acerca da purificação do templo. João coloca esta no início do ministério de Jesus e os Sinópticos a colocam no final. Esta localização anterior, em João, ajudaria na explicação da oposição a Jesus logo no início, oposição esta que aparece tanto nos Sinópticos quanto em João. Isto não quer dizer que ela (a purificação) não poderia ter ocorrido mais de uma vez. Isto poderia ter acontecido com uma diferença de tempo de pelo menos dois anos entre cada ocasião.
Outra maneira de tratar o problema das fontes é ver no "Livro dos Sinais" (2:1-12:50) um forte elemento judaico. Isto tem sido freqüentemente referido como a Tradição Palestínica em contraste com a Tradição Sinóptica). Esta divisão seria de grande interesse para o leitor judeu. O discurso no cenáculo (13:1-17:26) mostra muito pouco interesse nos judeus como tais. Estes capítulos apresentam um discurso, que é mais pessoal do que institucional, e o elemento místico apelaria a leitor não-judeu. A narrativa da paixão, naturalmente, forma o verdadeiro coração da pregação cristã. Foi sugerido que este material foi compilado antes de 70 d.C, para formar os elementos básicos de um evangelho primitivo, ao qual o redator final se refere como aquelas coisas escritas pelo "discípulo a quem Jesus amava". O redator então acrescentou três fontes menores: o prólogo (1:1-18), material acerca do Batista (1:19-51), e o apêndice (21:1-25).
A crítica literária chegou à conclusão que, enquanto se torna duvidosa a identificação clara das fontes, produz-se alguma evidência -de que o autor realmente usou fontes. Parece que se o autor realmente se valeu de fontes, ele próprio as escreveu. O evangelista extraiu de fontes orais independentes e originais que não estão, na maior parte, ligadas às fontes dos Sinópticos. Há grande evidência em favor do ambiente palestino para esta tradição, e, mais uma vez, podemos voltar à crença de que João, o filho de Zebedeu, um dos doze, está por trás do Evangelho escrito.
Fonte: Introdução ao Estudo do Novo Testamento. Tradução de Cláudio Vital de Souza. Broadus David Hale, Rio de Janeiro, Junta de Educação Religiosa e Publicações, 1983.